Título original: Las Leyes de la Frontera
Ano da edição original: 2012
Autor: Javier Cercas
Tradução: Helena Pitta
Editora: Assírio & Alvim
Ano da edição original: 2012
Autor: Javier Cercas
Tradução: Helena Pitta
Editora: Assírio & Alvim
"Uma impetuosa história de amor e desamor, de enganos e violência, de lealdades e traições, de enigmas por resolver e de vinganças inesperadas.
No verão de 1978, com Espanha a sair ainda do franquismo e sem ter entrado definitivamente na democracia, quando as fronteiras sociais e morais parecem mais porosas do que nunca, um adolescente chamado Ignacio Cañas conhece por acaso Zarco e Tere, dois delinquentes da sua idade, e esse encontro mudará para sempre a sua vida. Trinta anos mais tarde, um escritor recebe o encargo de escrever um livro sobre Zarco, transformado nessa altura num mito da delinquência juvenil da Transição. O que acaba por encontrar não é a verdade concreta de Zarco, mas uma verdade imprevista e universal, que nos diz respeito a todos. Assim, através de um relato que não dá um instante de trégua, escondendo a sua extraordinária complexidade sob uma superfície transparente, o romance transforma-se numa pesquisa apaixonada sobre os limites da nossa liberdade, sobre as motivações impenetráveis dos nossos actos e sobre a natureza inapreensível da verdade. Confirma também Javier Cercas como uma das figuras indispensáveis da narrativa europeia contemporânea."
As Leis da Fronteira, transporta-nos para uma época em que as crianças andavam na rua o dia inteiro. Um tempo em que só lhes era pedido que estivessem em casa à hora de jantar e, que não se metessem em sarilhos. Uma época em que, dificilmente conseguias não te meter em sarilhos. :)
Ignacio Cañas, é um adolescente, filho da classe média baixa espanhola e vive com os pais e a irmã mais velha. É um adolescente típico que tem feito um percurso que se pode dizer que é normal, até ao dia em que começa a ter alguns problemas na escola, com alguns dos colegas que começam a atormentá-lo. Ignacio não se sente à vontade para falar com os pais sobre isso e vai aguentando, as férias de verão aproximam-se e, brevemente, não terá de se cruzar com eles.
No entanto, com a chegada das férias, percebe que a cidade não é grande o suficiente para não se cruzar com eles e, porque se sente sozinho e sem amigos, Ignacio começa a frequentar o salão de jogos onde passa grande parte dos dias e onde acaba por fazer amizade com o dono, começando a trabalhar para ele.
É no salão de jogos que conhece Zarco, Tere e o resto do grupo, todos mais ou menos da idade de Ignacio. Ignacio fica fascinado com Tere e é ela a a principal razão que o leva a querer pertencer ao grupo de Zarco. É por causa deles que começa a frequentar o outro lado do rio, junto à zona onde reside, e onde todos os membros do grupo moram. O rio é a fronteira entre dois mundos que só se cruzam quando há problemas. Do outro lado do rio existe um bairro social onde moram os emigrantes, os pobres, os ladrões, as prostitutas. Um sítio onde proliferam os traficantes de droga e onde a polícia evita ir.
O resto é história. A história de uma Espanha pós-franquista desigual, pobre, onde muitos eram esquecidos e votados ao abandono. A história de um adolescente que quer pertencer a alguma coisa, que anseia por ser valorizado e estimado por alguém.
Uma história de actos e consequências, de boas e más escolhas e uma história de crescimento individual e de assumir, ou não, as consequências dos nossos actos. Uma história onde nem todos têm a oportunidade de deixar tudo para trás e avançar.
O que aconteceu naquelas férias de verão, não foi, para a maioria deles, apenas uma história para contar. Aos que vivem do lado errado da fronteira, não são dadas as mesmas oportunidades de regeneração, não têm sequer acesso às mesmas ferramentas. Nunca é uma luta igual e equilibrada. A única alternativa para essas pessoas é o crime? Claramente que não mas, para a maioria o único caminho é manterem-se, a eles e à descendência, num ciclo vicioso de maus empregos e pobreza. Era a realidade na altura, e é a realidade hoje em dia, na maioria dos países do mundo.
Zarco e os seus feitos, continuam a ser falados passados 30 anos, e é a história de Zarco que Ignacio conta, passados 30 anos ao escritor que quer escrever um livro sobre o lendário Zarco.
Este foi mais um daqueles livros que comprei porque estava em promoção e, porque gostei da capa ou do título. Tenho tido boas surpresas com escritores espanhóis e, posso dizer que foi mais um que correu bem.
Gostei da escrita, da história, do tema e das personagens e, principalmente, gostei da envolvência, do ambiente e da vivência que Javier Cercas consegue passar para nós, enquanto leitores.
Gostei bastante e recomendo sem quaisquer reservas.
Boas leituras!
Excerto (pág. 13):
" - Diga-me quando conheceu Zarco.
- No início do Verão de 78. Aquela foi uma época estranha. É assim, pelo menos, que me recordo dela. Há três anos que Franco tinha morrido, mas o país continuava a ser governado por leis franquistas e a cheirar exatamente ao que o franquismo cheirava: a merda. Nessa altura eu tinha dezasseis anos e o Zarco também. Nessa altura vivíamos ambos muito perto e muito longe.
- O que quer dizer?
- Você conhece a cidade?
- Por alto.
- Talvez seja melhor assim. A cidade daquela época parece-se pouco com a de agora. À sua maneira, a Girona de então era ainda uma cidade do pós-guerra, um lugarejo obscuro e clerical, acossado pelo campo e coberto de névoa no inverno; não digo que a Girona de agora seja melhor - em certo sentido é pior -: digo apenas que é diferente. Naquela época, por exemplo, a cidade estava rodeada por uma cintura de bairros onde viviam os charnegos. A palavra caiu em desuso mas, nessa altura, servia para designar os emigrantes que chegavam à Catalunha vindos do resto de Espanha, gente que, em geral, não tinha onde cair morta e que viera para cá tentar fazer pela vida... Embora você já saiba tudo isto. O que talvez não saiba é que, como lhe dizia, no fim dos anos setenta a cidade estava rodeada por bairros de charnegos: Salt, Pont Major, Germans Sàbat, Vilarroja. Era aí que a escória se aglomerava.
- O Zarco vivia aí?
- Não: o Zarco vivia com a escória da escória, nos albergues provisórios, na fronteira nordeste da cidade. E eu vivia a duzentos metros dele. A diferença é que ele vivia do lado de lá da fronteira, mesmo ao cruzar a divisória entre o parque de La Devesa e o rio Ter, e eu, do lado de cá, mesmo antes de a cruzar. A minha casa ficava na calle Caterina Albert, no que é hoje o bairro de La Devesa e que nessa altura não era nada ou quase nada, uma série de hortas e descampados onde a cidade ia morrer; aí, dez anos antes, no fim dos anos sessenta, tinham construído alguns prédios isolados onde os meus pais alugaram um apartamento."