Título: O Meu Irmão
Ano da edição original: 2014
Autor: Afonso Reis Cabral
Editora: Leya
Com a morte dos pais, é preciso decidir com quem fica Miguel, o filho de 40 anos que nasceu com síndrome de Down. É então que o irmão – um professor universitário divorciado e misantropo – surpreende (e até certo ponto alivia) a família, chamando a si a grande responsabilidade. Tem apenas mais um ano do que Miguel, e a recordação do afecto e da cumplicidade que ambos partilharam na infância leva-o a acreditar que a nova situação acabará por resgatá-lo da aridez em que se transformou a sua vida e redimi-lo da culpa por tantos anos de afastamento. Porém, a chegada de Miguel traz problemas inesperados – e o maior de todos chama-se Luciana.
Numa casa de família, situada numa aldeia isolada do interior de Portugal, o leitor assistirá à rememoração da vida em comum destes dois irmãos, incluindo o estranho episódio que ameaçou de forma dramática o seu relacionamento.
O Meu Irmão, vencedor do Prémio LeYa 2014 por unanimidade, é um romance notável e de grande maturidade literária que, tratando o tema sensível da deficiência, nunca cede ao sentimentalismo, oferecendo-nos um retrato social objectivo e muitas vezes até impiedoso."
O Meu Irmão é, como o título sugere, uma história sobre a relação entre dois irmãos, Miguel, com Síndrome de Down, e agora com 40 anos e o narrador, com apenas mais um ano que Miguel, professor universitário e, cujo nome, acho que nunca é referido. Os dois, afastados há muitos anos, reencontram-se, quando os pais morrem.
Foram, enquanto crianças, muito amigos. Ele lembra-se do amor que sentiam um pelo outro e da ternura que Miguel lhe despertava.
A relação entre os dois foi-se deteriorando à medida que ambos cresciam, a adolescência torno-os a ambos… adolescentes. Miguel deixou de vê-lo como o seu ídolo, e ele ressentiu-se com o facto de Miguel já não necessitar dele como dantes. Ambos se tornaram, de certa forma mais agressivos, menos pacientes e menos tolerantes.
Apesar do afastamento, quando os pais morrem e ele as irmãs têm de decidir o que será melhor para Miguel, decide que o irmão ficará à sua responsabilidade. Sente que esta é uma oportunidade para voltar ao que eram enquanto crianças, e de dar algum significado à sua própria vida, acreditando, também, que é o melhor para Miguel.
A verdade é que, talvez esteja a fazer isto mais por ele, para se sentir bem, e não tanto pelo irmão ou pela relação de ambos. A verdade é que, talvez nunca tenha efetivamente conseguido olhar para o irmão para além da Síndrome. Talvez nunca tenha olhado para ele como alguém que, com limitações naturais, tem desejos, sonhos e o direito de os perseguir e tentar concretizar. Nunca terá olhado para o Miguel como alguém que tem personalidade e, esta personalidade pode até ser, muitas vezes, uma merda, mas é um direito que lhe assiste. Não tem de ser bonzinho, obediente e sorridente o dia todo, e tem o direito de se ressentir e de não gostar de toda a gente. Tem direito às suas obsessões e às suas esquisitices.
O Meu Irmão é isto, a relação entre estes dois irmãos. O que lhes aconteceu e o que os espera daqui para a frente.
Afonso Reis Cabral conseguiu falar de Síndrome de Down numa obra de ficção, sem ser condescendente, sem ser ofensivo, tornando todas personagens muito humanas, com todos os seus defeitos e qualidades.
Não é de todo a história triste de uma família que tem de aprender a lidar com alguém com necessidades especiais. Não é a história triste, mas também não é a história cor-de-rosa que, muitas vezes, tenho a sensação que todos nos querem fazer acreditar, quando falamos de crianças e adultos com Síndrome de Down. É um relato muito realista e muito objetivo, por vezes muito cru, e de certa forma impiedoso, como refere a sinopse.
Afonso Reis Cabral abordou o tema de uma forma que a mim me pareceu muito realista, não tornando esse o tema principal, ou o único tema do livro. Por vezes, parece que o livro é mais sobre o narrador do que sobre Miguel.
Gostei muito e acho que Afonso Reis Cabral é para manter debaixo de olho. Recomendo sem qualquer hesitação.
Boas leituras!
Excerto:
"Não estamos muito entusiasmados com esta vinda. Observo-lhe o jeito apreensivo de olhar a paisagem, como um bicho cada vez mais encurralado. O cheiro a eucalipto e o som de galhos a estalar nas rodas, algum azul que se revela quando os montes e as nuvens falham. Coisas assim em volta e nós no meio sem as vermos. É que há o medo de os anos se terem sentado na casa como num banco velho. Está com certeza no mesmo sítio, mas não da mesma forma, tal como as pessoas são as mesmas no tempo, mas nunca iguais.
É melhor pararmos. Travo o carro e pergunto-lhe
- Enjoo?
- Nao Nao... - responde com um sorriso..
Arranco e dou-lhe a mão porque sei que também tem os seus medos e talvez pense o que eu penso e quem sabe sinta as mesmas saudades. Com certeza sente as mesmas saudades. Somos parecidos de modos diferentes e, dadas as circunstâncias, esta parecença é surpreendente. Como o sangue nos pode juntar e afastar no mesmo movimentos."
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