Título: Índice Médio de Felicidade
Ano da edição original: 2013
Autor: David Machado
Editora: "Colecção BIIS" da Leya
Ano da edição original: 2013
Autor: David Machado
Editora: "Colecção BIIS" da Leya
"Daniel tinha um plano, uma espécie de diário do futuro, escrito num caderno. Às vezes voltava atrás para corrigir pequenas coisas mas, ainda assim, a vida parecia fácil - e a felicidade também.
De repente, porém, tudo se complicou: Portugal entrou em colapso e Daniel perdeu o emprego, deixando de poder pagar a prestação da casa; a mulher, também desempregada, foi-se embora com os filhos à procura de melhores oportunidades; os seus dois melhores amigos encontram-se ausentes: um, Xavier, está trancado em casa há doze anos, obcecado com estatísticas e profundamente deprimido com o facto de o site que criaram para as pessoas se entreajudarem se ter revelado um completo fracasso; o outro, Almodôvar, foi preso numa tentativa desesperada de remendar a vida. Quando pensa nos seus filhos e no filho de Almodôvar, Daniel procura perceber que tipo de esperança resta às gerações que se lhe seguem.
E não quer desistir. Apesar dos escombros em que se transformou a sua vida, a sua vontade de refazer tudo parece inabalável. Porque, sem futuro, o presente não faz sentido.
Índice Médio de Felicidade é um romance admirável e extremamente actual sobre um optimista que luta até ao fim pela sua vida e pela felicidade daqueles que ama. Dramático e realista, mas com momentos hilariantes, confirma o talento de David Machado como um dos melhores ficcionistas da sua geração."
Daniel é um a agente turístico e é muito bom naquilo que faz. É um homem feliz, ama a mulher e os filhos, ama o trabalho e tem um caderno onde escreveu uma espécie de Plano de vida. Nada de megalómano, apenas pequenas coisas que o ajudam a manter o foco naquilo que ele acha importante.
No Plano não existia nada sobre ficar desempregado aos 37 anos, no meio de uma das maiores crises que Portugal já atravessou e, onde arranjar um novo emprego na mesma área parece tarefa impossível.
Em dificuldades, a mulher e os filhos saem de Lisboa, e vão viver para perto dos sogros, onde não pagam casa e ela consegue trabalhar. Ele fica, não está pronto pata desistir do Plano que tinha traçado para todos. Acha que vai conseguir um emprego novamente e, quando isso acontecer voltam a estar todos juntos, e felizes como antes. É o que pensa e é o que lhes diz quando se despede deles. Daniel acha que se partir com eles está a desistir, que nunca mais voltarão a estar juntos na casa de todos e que ele nunca mais trabalhará na área que gosta e na qual sente que é mesmo bom. É só um contratempo, pensa, tudo vai acabar por correr bem.
Tem de se manter focado no Plano, mesmo que já tenha entregue a casa ao banco, viva atualmente no seu carro e não haja qualquer perspetiva de conseguir um emprego nos próximos tempos. Mesmo assim continua otimista.
Ao mesmo tempo um dos seus melhores amigos, Almodôvar está preso por ter assaltado um estação de serviço e, desde que foi preso que se recusa a falar com toda a gente. Não recebe visitas, não atende as chamadas. Almodôvar deixou a mulher e o filho adolescente completamente desamparados e Daniel acaba por ser arrastado para a vida do miúdo, que começa a envolver-se com as pessoas erradas. Este é, para Daniel mais um motivo para não poder sair de Lisboa e juntar-se à família.
O outro amigo dos tempos de escola, Xavier, não sai de casa há anos e, com a prisão de Almodôvar que era quem acompanhava Xavier e apaziguava as suas tendências suicidas, Daniel sente-se, agora ainda mais responsável por Xavier. Xavier, o amigo que Daniel nunca compreendeu e que de certa forma nunca conheceu realmente.
Com todas estas responsabilidades e enredado numa teia de acontecimentos bizarros, alguns cómicos, Daniel acaba por ir ajudando todos à sua volta. Muitas vezes parece que o faz contrariado, apenas por sentir que é a sua obrigação. Como se o mundo fosse desabar se ele parasse dois segundos para pensar em si, na sua vida e nas suas necessidades. Sente que é indispensável na vida de todas aquelas pessoas que o rodeiam e que não pode abandoná-los e aos seus problemas.
De peripécia em peripécia, Daniel vai descobrindo o seu número que representa o seu grau de satisfação com a sua vida e que é refletido no índice médio de felicidade. Este número começa estranhamento alto, tendo em conta a confusão em que estava a sua vida, e vai descendo para níveis mais baixos, mas de certa forma mais realistas. O que nos parece é que, um nível mais baixo, no caso de Daniel, não é necessariamente pior, só o torna mais sintonizado com a sua realidade e melhor preparado para mudar a sua vida e subir na Índice Médio de Felicidade.
Daniel faz parte daquele grupo de pessoas que são otimistas inveterados. O mundo pode estar a desabar mas ele consegue sempre ver o copo meio cheio. Mas, será que é mesmo assim? Na verdade depois de conhecer Daniel, acho que ele é mais teimoso do que otimista. Acho até que o que ele tem é medo de não saber o que o espera, de não conseguir colocar no seu caderno quais os passos que se seguem. Refazer todos os seus planos de vida é assustador e é por isso que acho que ele resiste tanto em desistir do que estava escrito no seu caderno e começar do zero, junto da mulher e dos filhos. Uma nova carreira, uma nova cidade, um futuro cheio de possibilidades e de imprevistos. Acho que Daniel não é um otimista. Acho que ele é humano e está cheio de medo do desconhecido. Escuda-se nos outros para não ter de pensar na merda em que a sua vida se tornou. Habituado a ser o pilar, o homem que tinha sempre a solução, sente-se perdido por precisar de ajuda, por não estar a conseguir olhar para o Plano no caderno e delinear um caminho alternativo.
David Machado tem uma escrita que é muito empática. É clara, concisa, divertida e muito oral. Gosto muito dos livros que li, até agora dele. São livros que podem ser lidos por quase todos. São histórias para adultos e adolescentes sem que ninguém sinta que está deslocado e, há sempre uma lição subjacente, uma oportunidade para pensarmos no mundo que nos rodeia. No entanto, não é de todo um livro com lições de moral ou condescendente do tipo, já que aqui está, vamos lá ensinar-te alguma coisa.
Índice Médio de Felicidade não é a exceção que confirma a regra. Tem alguma passagens um pouco inverosímeis, mas que não me fizeram perder o gosto pela leitura. É divertido, está bem escrito e gostei muito da história, das personagens, do Daniel claro, mas de todas as outras.
Recomendo David Machado quase de olhos fechados. Sou capaz de recomendar um livro mesmo sem o ter lido, acho que não é possível odiá-lo porque da escrita e das histórias dele emanam muito boas vibrações e a boa disposição é uma garantia. :)
Boas leituras!
Excerto (pág.23):
"Quero responder ao questionário.
Força, desafiou o Xavier. E acendeu outro cigarro.
Como é que é a pergunta?
Numa escala de 0 a 10, quão satisfeito se sente com a vida no seu todo? Depois acrescentou: Não sejas precipitado a responder, Daniel.
Eu tentei pensar em tudo: a Marta e os miúdos, o meu desemprego, o dinheiro que se acabava, o meu Plano, a minha imagem refletida no espelho nessa manhã. Por fim, disse: 8.
O Xavier olhou para mim surpreendido. Perguntou:
O que é isso?
A minha resposta. 8.0.
Eu disse para não te precipitares.
Não me precipitei.
Estiveste calado três minutos e depois disparaste um número que, supostamente, representa o teu grau de satisfação com a vida.
É o meu número.
E, em três minutos, passaste em revista toda a tua existência, contabilizaste tudo, ponderaste todas as variáveis?
Sim. Acho que sim. Quanto tempo é que tu demoraste?
Foda-se, Daniel, eu estou nisto há duas semanas e mesmo assim ainda sinto que não estou a pensar em tudo.
Duas semanas, Xavier? Isto não é um problema de matemática.
Na verdade, até é. Mas, antes disso, é a tua vida. Não podes resolvê-la em três minutos. Repito: a maior parte das pessoas não percebe nada de felicidade.
A tua resposta é 4,4 e eu é que não percebo nada de felicidade.
Estás a interpretar-me mal. Eu não disse que não sentias felicidade. Sentes, apenas não a percebes.
E tu percebes?
Eu percebo a minha felicidade. É uma equação como outra qualquer que tive de preencher com variáveis e constantes e ponderadores e depois ligar tudo com os sinais certos.
Variáveis? Quais variáveis?
Amigos. Amor. Tempo. Sonhos. Sede. Dores de barriga. Esperança. Inveja. O sabor da comida. Esse género de merdas.
Eu ri-me.
Não podes quantificar isso, disse-lhe.
Se podes quantificar a felicidade, podes muito bem quantificar as saudades que tens de teres oito anos ou o medo de beijares alguém. Claro que algumas dessa variáveis só poderão ser encontradas resolvendo outras equações primeiro. É um sistema, na verdade. É complicado. Mas a vida é complicada, Daniel.
A sério, Almodôvar, a lata daquele cabrão."