dezembro 17, 2022

Essa Puta Tão Distinta - Juan Marsé

Título original: Esa Puta tan Distinguida
Ano da edição original: 2015
Autor: Juan Marsé
Tradução: Maria Manuel Viana
Editora: Publicações D. Quixote

"Embora deteste a filmografia do realizador e produtor que contrata os seus serviços, um escritor célebre por retratar nos seus romances a ruína moral dos anos do pós-guerra aceita com relutância a encomenda para escrever um guião cinematográfico sobre um caso real da Barcelona dos anos 40. Trata-se de um crime que teve lugar no cinema Delícias, em cuja sala de projeção foi assassinada  uma prostituta, estrangulada com uma tira de película de filme enquanto o público assistia à estreia de Gilda. Durante o processo de pesquisa o escritor irá verificar como, por vezes, na vida real os crimes carecem de sentido e os seus protagonistas nem sempre são heróis ou anti-heróis, algo que, na ficção, nem todos parecem dispostos a tolerar.
Neste magnífico romance, Juan Marsé, transmutado num escritor descrente e incapaz de se levar a sério, reflete sobre as armadilhas da memória e os limites da ficção, enquanto ajusta contas com aqueles que manipulam o nosso passado para gerar produtos de simples entretenimento, que pervertem a memoria histórica e banalizam a dor e a miséria de toda uma geração."

Um escritor é contratado para escrever uma espécie de guião tendo como base a história real de um assassinato que ocorreu na cabine de projeção do cinema Delícias, nos anos 40.
Uma prostituta, Carol, foi assassinada pelo projeccionista, Sicart, enquanto na tela passa Gilda, com a sensual Rita Hayworth, um filme polémico devido a algumas cenas mais quentes, pelo menos para a época. 
Sicart, confessou o crime e cumpriu a pena que lhe foi imposta,  mas nunca conseguiu explicar porque é que o fez. Não se lembra do motivo.

Para tentar perceber melhor o que se passou, conhecer as pessoas envolvidas para além do que consta na documentação de investigação, da impressa da altura e do processo judicial, decide contratar o próprio Sicart. 
Sicart já saiu da prisão e vive agora como um homem livre, e aceita contar a sua história, ou, pelo menos aquilo de que se lembra.

E é pelas memórias de Sicart que visitamos e conhecemos a Barcelona dos anos 40, a Encarnita, a Puta cega e amiga de Carol Bruil, Ramon Mirt o franquista que as explora e, o próprio Sicart, um jovem de vinte e poucos anos que trabalha na cabine de projeção do Delícias e que gostava de ter companhia na cabine enquanto os filmes eram projetados na sala. 

Paralelamente o escritor vai percebendo que a história que Sicart conta tem interesse apenas para si, porque o produtor e o novo realizador, não estão interessados em histórias mais ou menos profundas sobre política, sobre relações e até sobre o próprio crime e as possíveis motivações de Sicart. Ficam antes fascinados com o facto de Encarnita ser uma puta cega. :)

Gostei muito. A escrita de Juan Marsé é natural e bem-disposta, o que torna a leitura muito fluida. Gosto das personagens e da ironia subjacente em todo o livro.

Recomendo sem quaisquer reservas. Juan Marsé é para continuar a conhecer.

Boas leituras!

Excerto (pág. 112):
" - Foi informadora da polícia, não se esqueça.
 - Ó homem, será que não percebe?! Foi tudo uma invenção daqueles malparidos da Brigada Social! - Acalmou-se, logo a seguir. - Bom, e se alguma vez fez uma coisa desse tipo, foi obrigada por aquele cabrão. Equivocada ou não, tudo o que a Carol fez, primeiro pelo marido, depois pelo filhinho doente e por ela mesma, foi sempre com a melhor das intenções...
 - Eu percebo. Mas diga-me uma coisa. Parece-lhe lógico que depois do que ocorreu mantivesse uma relação com o Mir, um tipo repugnante?
 - Não sei que dizer. Nunca me atrevi a perguntar-lho.
 - Acha que pode tê-lo feito como... uma forma de expiação?
Sicart abanou a cabeça, confuso.
 - O que é que quer dizer? Ouça, eram tempos muito difíceis e era preciso aguentar de qualquer maneira. Se fosse preciso vender a alma para sair da miséria, vendia-se. Se a Carol acabou por ter uma ligação com aquele filho da puta, fê-lo para sair da miséria. E pelo filho. Tenho a certeza. Foi sempre o que pensei.
Eu tinha muitas dúvidas, mas não lhe disse nada, porque percebi que a suspeita também o angustiava. Com toda a certeza, no coração daquela mulher só podia haver restos amargos de sexo e remorso. Quanto a falangista Mir, estaria a viver com ela uma panóplia de amores furtivos e luzeiros apagados..."

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