novembro 05, 2023

[Ebook] Bichos - Miguel Torga

Título original: Bichos
Ano da edição original: 1940
Autor: Miguel Torga
Editora: Publicações Dom Quixote (Ebook ISBN: 9789722057004)

"Uma nova edição pelos 75 anos de uma obra que tem acompanhado muitas gerações de leitores. Incluído no Plano Nacional de Leitura, Bichos é um dos mais lidos e famosos livros de Miguel Torga. A respeito desta obra dirigia-se ao leitor com as seguintes palavras: «São horas de te receber no portaló da minha pequena Arca de Noé. Tens sido de uma constância tão espontânea e tão pura a visitá-la, que é preciso que me liberte do medo de parecer ufano da obra, e venha delicadamente cumprimentar-te uma vez ao menos. Não se pagam gentilezas com descortesias, e eu sou instintivamente grato e correcto. Este livro teve a boa fortuna de te agradar, e isso encheu-me sempre de júbilo. [...] És, pois, dono como eu deste livro, e, ao cumprimentar-te à entrada dele, nem pretendo sugerir-te que o leias com a luz da imaginação acesa, nem atrair o teu olhar para a penumbra da sua simbologia. Isso não é comigo, porque nenhuma árvore explica os seus frutos, embora goste que lhos comam. Saúdo-te apenas nesta alegria natural, contente por ter construído uma barcaça onde a nossa condição se encontrou, e onde poderemos um dia, se quiseres, atravessar juntos o Letes [...].» "

Nunca tinha lido Miguel Torga. Admito que tenho um desconhecimento enorme sobre escritores portugueses do século XX, principalmente até aos anos 70, 80. E tenho, confesso, uma ideia errada da escrita, dos temas e do tipo de escritores que são. Na minha cabeça são chatos, complicados, cheios de palavras desnecessárias e pesados... Não sei quando e como é que este preconceito se instalou em mim mas acho que o estou a quebrar porque, na verdade, tenho tido grandes, e boas, surpresas quando os leio. 
Desconheço a maioria dos escritores da época e a verdade é que nos muitos anos de escola estes pouco ou nada são mencionados... Como é que só recentemente ouvi falar de Maria Judite de Carvalho?!  Acho, sinceramente, que saímos todos a perder. 

Decidi ler Bichos depois de ter visto na RTP1, o episódio do O Leproso, que faz parte da mini série Histórias da Montanha, onde cada episódio é baseado num conto de Miguel Torga. Gostei imenso do que vi e intuí que muito do que tinha gostado era fruto da qualidade de Miguel Torga e não apenas da qualidade da produção. E não me enganei. 

Em BichosMiguel Torga, presenteia-nos com contos sobre animais, sobre animais de duas patas mas principalmente sobre os outros animais. A maioria dos contos são contados na perspetiva dos próprios animais o que torna tudo mais interessante, curioso e muito divertido. 

Gostei muito da escrita, rica e cheia de vida, muito visual, sem ser excessivamente descritiva e adorei as histórias, muito bem estruturadas e criativas. 

Recomendo sem reservas e, faço questão de ter uma cópia física deste Bichos, e também dos Contos da Montanha. Acho que Miguel Torga merece um espacinho nas minhas estantes. :) 

Vejam a mini série na RTP. São cinco episódios e está disponível na plataforma RTP Play. Vale muito a pena. 

Boas leituras. 

Excerto:
"É difícil. Isto de começar num monturo, e só parar na crista dum castanheiro, tem que se lhe diga. É preciso percorrer um longo caminho. Embrião, larva, crisálida... Todas as estações do íngreme calvário da organização. Animada pelo sopro da vida, a matéria necessita do calor dum ventre. Antes dessa íntima comunhão, desse limbo purificador, não poderá ter forma definitiva. Custa. Mas a lei natural é inexorável. Exige consciência de cosmos antes da consciência de ser. O calor dá no ovo. Aquece-o e amadurece-o. A casca quebra. Depois... Ah, depois é essa descida ao húmus, essa existência amorfa, nem germe, nem bicho, nem coisa configurada. Largos dias assim. Até que finalmente em cada esperança de perna nasce uma perna, e cada ânsia de claridade é premiada com dois olhos iluminados. Cresce também uma boca onde a fome a reclama, e surgem as asas que o sonho deseja...
É difícil, mas vai. Desde que haja coragem dentro de nós, tudo se consegue. Até fazer parte do coro universal.
- Já hoje ouvi a cigarra...
- É tempo dela.
Nenhuma palavra de apreço pela dureza do caminho andado. Paciência. O teatro do mundo tem palco e bastidores. As palmas da plateia festejam somente os dramas encenados. Que remédio, pois, senão a gente resignar-se e aceitar as sínteses leviana. Nascia do tempo. Muito bem. Ninguém mais ficaria a conhecer a fundura dos abismos em que se debatera.  Protoplasma, lagarta, ninfa..."

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