março 10, 2024

O Acontecimento - Annie Ernaux

Título original: 
L'événement
Ano da edição original: 2000
Autor: Annie Ernaux
Tradução: Maria Etelvina Santos
Editora: Livros do Brasil

"Uma jovem de 23 anos, estudante universitária brilhante, descobre que está grávida. Tomada pela vergonha, consciente de que aquela gravidez representará um falhanço social para si e para a sua família, sabe que não poderá ter aquela criança. Mas, na França de 1963, o aborto é ilegal e não existe ninguém a quem possa acorrer. Quarenta anos mais tarde, as memórias daquele acontecimento continuam presentes, num trauma impossível de ultrapassar e cujas sombras se estendem para além da história individual. Escrito com uma clareza acutilante, sem artifícios, este é um romance poderoso sobre sofrimento, justiça e a condição feminina. Escrito por Annie Ernaux em 1999, foi adaptado ao cinema em 2021 por Audrey Diwan, num filme vencedor do Leão de Ouro em Veneza. "

Primeira incursão pela, recentemente, Nobelizada Annie Ernaux e, sem grandes expectativas, confesso.
 
O Acontecimento é um livro duro, onde é relatada a saga dantesca, levada a cabo por uma jovem de 23 anos que, perante a confirmação de uma gravidez não planeada e não desejada, encontra todo o tipo de obstáculos que a impedem de fazer um aborto seguro.
Estamos em 1963, em França e, todos à sua volta encolhem os ombros, os médicos, todos homens, não a ajudam, talvez por medo de represálias, mas também porque acham que é dever das mulheres arcarem com essa responsabilidade. Os colegas e amigos também não lhe estendem a mão e não a acompanham nesta jornada.
Ela, envergonhada pelo que lhe aconteceu, não conta aos pais que está grávida e desespera por tirar de dentro dela algo que não deseja, que vê como sendo um acontecimento que será um retrocesso na sua vida.
Sozinha, em busca de uma solução, bate a todas a portas de que se lembra e, naturalmente, acaba por encontrar uma saída, igual à de tantas outras mulheres que se viram, e vêm, obrigadas a fazê-lo de forma clandestina e pouco segura.

Tinha de ser assim? Hoje, mas também em 1963, sabemos que não, não tinha de ser assim. Hoje em alguns sítios do mundo já não tem de ser assim mas, na maioria do países, a mulher tem de carregar sozinha as consequências da decisão de querer fazer um aborto, seja porque motivo for, correndo todo o tipo de riscos, de saúde e legais.

As liberdades e direitos de todos nós nunca estão garantidos, acho que nos vamos apercebendo cada vez mais disso e, num mundo que parece estar cada vez mais saudosista de tempos cinzentos e bolorentos, os direitos das mulheres serão os primeiros a ser revisitados. Não tenho qualquer dúvida disso. Por isso, no que estiver ao nosso alcance, vamos todos contribuir para uma sociedade mais empática e justa. Pode ser? 

Sobre o livro, :) não tenho a certeza se gostei da escrita ou da forma como relata os acontecimentos. É muito direta e muito assertiva e como o tema é difícil, parece que lhe falta sensibilidade. Mas, por outro lado pode ser que a ideia seja mesmo essa. Há, ainda, uma repulsa natural pelo que é relatado e que me deixou de certa forma desconfortável.
Posto isto, acho que gostei mas ao mesmo tempo não gostei. Vou ter de ler mais livros dela. Tenho a sensação de que é uma daquelas que primeiro se estranha e depois se entranha. 

Recomendo. 

Boas leituras. 

Excerto (pág. 33)
"As raparigas como eu estragavam os dias aos médicos. Sem dinheiro e sem contactos - de outro modo não iriam, às cegas, desembocar neles -, elas traziam-lhes à memória a lei que os poderia mandar para a prisão e proibi-los de exercer para o resto da vida. Não ousavam dizer a verdade, essa de que não iriam arriscar perder tudo em nome dos belos olhos de uma rapariguinha estúpida ao ponto de ser deixar engravidar. A não ser que, sinceramente, preferissem morrer a infringir uma lei que deixava morrer as mulheres. Mas todos deveriam pensar que, ainda que as impedissem de abortar, elas acabariam por arranjar maneira de o fazer. Em face de uma carreira destruída, uma agulha de tricô na vagina não significava grande coisa. "

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