outubro 26, 2024

[Ebook] Ecologia - Joana Bértholo

Título: Ecologia
Ano da edição original: 2018
Autor: Joana Bértholo
Editora: Editorial Caminho

"Numa sociedade que se fundiu com o mercado - tudo se compra, tudo se vende - começamos a pagar pelas palavras.

A estranheza inicial dá lugar ao entusiasmo.
Afinal, como é que falar podia permanecer gratuito? Há seis mil idiomas no mundo.
Seis mil formas diferentes de dizer ecologia, e tão pouca ecologia.
Seis mil formas diferentes de dizer paz, e tão pouca paz. 
Seis mil formas diferentes de dizer juntos, e cada um por si."

E se a linguagem e as palavras passassem a ser pagas? Primeiro são só algumas palavras e as pessoas, de uma forma geral, não se opõem. Depois a lista de palavras que são pagas começa a crescer e comunicar começa a ser, quase um luxo. 
No início parece que é para que algumas palavras ou idiomas não morram, para que o vocabulário permaneça rico. É para estudar a linguagem, perceber o que nos distingue como seres humanos. No fim, acaba por ser, como é natural, uma questão de poder e dinheiro. 

Gostei da escrita, muito fluída e oral. Gostei da história e embora não seja um livro muito fácil de ler, há imensas coisas que fogem ao meu entendimento, a verdade é que se lê muito bem.

Não sendo um livro fácil de ler, também não é um livro fácil de comentar. Tem camadas e mais camadas. :)

Gostei muito e recomendo. Joana Bértholo é para manter debaixo de olho.

Boas leituras! 

Excerto:
"O anúncio foi feito esta manhã, em Dublin, na sede da multinacional Gerez: As palavras BERÇO, ENTRETANTO e INGREDIENTE estão entre as primeiras cinquenta palavras sujeitas ao período de testes do Plano de Revalorização da Linguagem. A Gerez, empresa mediática graças à recente polémica em torno da privatização do genoma humano, é também célebre pela sua directora-executiva, Darla Walsh, que esteve mais de três horas a responder à imprensa internacional. O tema que suscitou mais perguntas foi a taxação dos termos. Walsh explicou: «Cada palavra tem um sentido e um peso diferentes, e por isso o valor de cada uma delas varia, como as pessoas vão ter oportunidade de experienciar nos próximos meses. O objectivo é estarmos todos mais conscientes do que dizemos, mais atentos ao modo como falamos. Tenho a certeza de que, a partir de agora, as pessoas vão deixar de falar por falar. Isso vai necessariamente enriquecer-nos, às nossas relações e à nossa vida enquanto comunidade.»
A apresentação do projecto incluiu simuladores que os próprios jornalistas puderam testar, e assim compreender o dispositivo que permitirá, doravante, a taxação do que é dito. Durante a conferência de imprensa, Walsh partilhou as motivações pessoais para este ambicioso projecto: «Falo onze idiomas e sou fascinada por línguas. Quero encontrar a sua raiz universal, perceber como tudo começou, como funciona... Com a tecnologia disponível, isso é possível. Estamos a poucos passos de conseguir computar todas as emissões humanas e, quando o fizermos, vamos poder aprender coisas inimagináveis. Uma nova era, uma transição só comparável à da roda, do fogo, ou à introdução da linguagem escrita.»
Eloquente e rigorosa, Walsh falou sobre como a linguagem faz de nós humanos, a ligação entre as nossas identidades culturais e os diferentes idiomas, e o quão pouco sabemos sobre as suas origens. Referiu-se também à actual desvalorização da palavra, a uma cultura de opinião em que já não se distingue um facto de uma «pós-verdade», na qual «o jornalismo, a literatura e as relações interpessoais perderam o norte». Reforçou a ideia de que «somos gratuitos a falar» e anunciou como missão da Gerez e do seu Plano de Revalorização da Linguagem rectificar isso.
Segundo nos foi possível apurar, às listas internacionais, ditadas pela Gerez/CCM, cada Mercado irá ter autonomia para emitir as suas próprias listas, consoante o idioma e a cultura. O Mercado do Português©, por exemplo, revalorizará, na Primeira Vaga, as palavras «peúga» e «cimbalino», enquanto o Mercado do Português do Brasil© reconhecerá termos como «grampeador» e «bunda»." 

2 comentários:

  1. Boa tarde Natacha, não sei porquê, nem depois de ver a sua análise ao livro fiquei com vontade de o ler. Da mesma autora, ando com a História de Roma debaixo de olho, talvez porque li a sinopse que começa assim: "Duas pessoas que foram outrora um casal encontram-se passados dez anos de se separarem".
    Mas posso estar enganado e no fim, o seu ser bem melhor que este que prometia tanto, pelo menos para mim.
    Boas leituras.
    PS: Já leu alguma coisa de Fosse, de quem meio mundo fala?

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    1. Da Joana Bértholo apenas li este. Não sei se os outros livros dela são semelhantes mas, este, embora seja um livro um pouco estranho até na forma como está estruturado, valeu bem a pena o tempo que dispendi com ele. A premissa é boa, a história acaba por nos envolver e a agrada-me a escrita.
      De Jon Fosse, acabei de ler o Manhã e Noite. Nunca tinha lido nada dele. É também ele interessante, mas de outra forma. A escrita é mais oral, mais simples. Gostei e, percebo o porquê de meio mundo andar a falar dele. Fiquei curiosa para ler outros livros dele.

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