fevereiro 16, 2025

A Carne - Rosa Montero

Título original: 
La Carne
Ano da edição original: 2016
Autor: Rosa Montero
Tradução: Helena Pitta
Editora: Porto Editora

"Numa noite, Soledad contrata um gigolô para que a acompanhe a um espetáculo de ópera, um ardil, na verdade, que não é mais do que uma tentativa de provocação a um ex-amante. No entanto, um violento e imprevisível incidente alterará por completo o curso daquela noite e marcará o início, entre ambos, de uma relação vulcânica, inquietante, e talvez perigosa. Ela tem sessenta anos; o gigolô trinta e dois. Começa o jogo...
A narração desta aventura irá mesclar-se  com as histórias dos escritores malditos da exposição que Soledad se encontra a preparar para a Biblioteca Nacional - e ser maldito é «desejarmos ser como os outros mas não conseguirmos, querer que nos amem mas só causarmos medo, talvez riso, não suportarmos a vida e, sobretudo, não nos suportarmos a nós próprios».
Como a própria Soledad, talvez?
Devorar ou ser devorado: A Carne é um romance audaz e surpreendente, o mais livre e pessoal de todos os que Rosa Montero já escreveu, que nos fala do passar dos anos, do medo da morte, da necessidade de amar e da gloriosa tirania do sexo. Tudo através da voz de uma eterna sedutora, apanhada de surpresa pelo seu próprio envelhecimento."

Soledad acabou de fazer 60 anos e, apesar da idade, é uma mulher ativa, que cuida de si, faz exercício e  continua a trabalhar.

Parece viver atormentada pela decadência do corpo. Sente que, por mais que se esforce, há uma altura em que o corpo deixa de obedecer e não há nada que se possa fazer.

Namorou e continua a namorar muito mas, amar, nunca amou e sente que nunca foi verdadeiramente amada. Talvez por isso, nunca tenha casado e também não tem filhos. 

Gosta de homens bonitos e mais novos. Não se imagina com alguém da sua idade vivendo permanentemente com medo da rejeição, de não corresponder às expetativas dos amantes mais jovens. É obsessiva e ciumenta, o que a leva a fazer e a dizer coisas que a tornam um pouco assustadora mas não é má pessoa. Está a passar por uma fase menos boa e está a sentir alguma dificuldade em ajustar-se.
 
Soledad, é uma mulher que recusa envelhecer, que é carente e insegura e começa a sentir medo de ficar sozinha. Por isso coloca nas suas relações amorosas todas as suas esperanças, quer amar e ser amada.

Mais um livro de Rosa Montero que surpreende, pela história em si, pelo tema e pelas referências a escritores e às suas vidas malditas. A escrita só surpreende quem nunca leu Rosa Montero, porque para quem já leu, a qualidade é aquela à qual a escritora já nos habituou.

Recomendo sem qualquer reserva.

Boas leituras!


Excerto (pág. 21):
"Peitos redondos, pequenos, um pouco descaídos, logicamente, mas ainda bonitos. Corpo trabalhado no ginásio. Tudo natural. Sessenta anos. Para sessenta anos não estava nada mal. Mas, claro, a partir desse dia era o raio de uma sexagenária. Esticou um braço e acendeu a luz. O foco do closet acendeu-se por cima dela e todas as suas carnes, antes aceitavelmente rijas com a iluminação indireta, pareceram vir abaixo de repente, como que submetidas a uma força de gravidade 3G, revelando ondas, concavidades, rugas, decadência muscular. Observou-se lentamente ao espelho, sem compaixão. «O corpo é uma coisa terrível», disse em voz alta, ou seja, num monólogo, que é uma maneira de demonstrar loucura.
Efetivamente, o corpo era uma coisa terrível. A velhice e a deterioração escondiam-se, insidiosamente e, com frequência, o interessado era o último a saber, como os cornudos do teatro clássico. Por exemplo, às vezes, no Retiro, alguma trintona com calções muito curtos corria à sua frente, visivelmente satisfeita com as suas coxas, ignorando que, na realidade, já estavam a encher-se de celulite e que, sob a luz daquele sol inclemente, revelavam um aspeto bastante penoso.
Soledad corria com calças, evidentemente.
Carme traidora, carne inimiga, que nos tornava prisioneiras da sua derrota. Ou prisioneiros, porque os homens também descobriam, de repente, na perspetiva de uma espelho, um pescoço cheio de peles de galápago, por exemplo. Para além dos problemas da próstata ou do pavor de não estarem aptos para as lides amorosas. A carne tirana escravizava todos.
Apagou o foco. Também não valia a pena ser masoquista, sobretudo no dia em que fazia sessenta anos."

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