Ano da edição original: 1913
Autor: Marcel Proust
Tradução: Mário Quintana
Editora: Edição "Livros do Brasil"
Na geração que se segue a Verlaine, Marcel Proust (1871-1922) é a figura mais importante da literatura francesa.
Narrando uma série de acontecimentos, descrevendo uma cena ou catalogando o conteúdo da mente de uma personagem em qualquer momento, Proust seleciona incidentes, particularidades e pormenores que, na sua maioria, teriam sido omitidos em favor de outros, que Proust, por sua vez, despreza.
O resultado é a criação de um mundo novo e estranho. Assim, entramos nas páginas de Em Busca do Tempo Perdido como num reino inteiramente fora do comum.
A obra, que consta de sete romances, pode, realmente, ser comparada a uma peça sinfónica. Os grandes temas surgidos desde o início, ou apenas insinuados aqui e ali, são mais tarde retomados e inteiramente desenvolvidos, dentro da unidade do conjunto para o qual contribuem.
Sobre o fundo da sociedade francesa, Proust traça um panorama universal de insuperável plenitude.
O narrador, numa das muitas noites de insónias, relembra um tempo na infância e adolescência, em que passava temporadas em Combray, em casa dos avós e das tias-avós.
O narrador aparece-nos como um rapaz sensível, que se perde na contemplação da natureza exuberante, fascinado pelas figuras na igreja e pelas pessoas pitorescas com quem se cruza nos passeios que dá com os pais, pela aldeia.
Passa os dias a ler e a passear, rodeado de adultos, os pais, a avó e o avô, as tias-avós e as empregadas. Uma das tias centra em si toda a vida na casa. A tia-avó Leónia que quando enviuvou nunca mais saiu de casa. Caiu doente na cama não deixando, no entanto, de acompanhar a vida de todos em Combray. Da janela do seu quarto dá conta de tudo o que se passa na aldeia.
O narrador passa aqueles dias sem que outra criança faça parte da sua vida, dir-se-ia solitário, no entanto não é assim que nos é apresentado. Parece, durante o dia, uma criança feliz, rodeada de tudo o que o faz feliz.
De noite, quando os pais o mandam para a cama, e perde de vista a mãe, torna-se ansioso, como se receasse nunca mais a ver. Não consegue adormecer sem que a mãe lhe vá dar o último beijo do dia e, mesmo assim, passa a noite num estado de ansiedade que só desaparece com o nascer do dia. Durante o dia é como se a noite mal dormida nunca tivesse existido.
Swann é um homem jovem, visitante assíduo da casa dos avós. Os seus pais eram muito amigos da família e Swann é estimado mas, desde que casou abaixo da sua condição, a família do narrador afastou-se e é bastante crítica de Swann, que nunca traz a esposa ou a filha a casa dos avós.
O que não impede que o nosso narrador tenha uma paixão platónica pela filha de Swann, uma rapariga que viu uma ou duas vezes e por quem ficou fascinado.
Na segunda parte do livro conhecemos Swann em Paris, uns anos antes do Swann que o nosso narrador conhece de Combray.
É um bon-vivant, muito bem relacionado, bem educado e culto. Um solteirão cobiçado na alta sociedade parisiense.
Swann conhece Odette, uma jovem mulher que chama a atenção de Swann não pela sua beleza mas pela forma humilde de demonstrar o amor por Swann. Sempre interessada no que tem para dizer e para aprender com ele. Swann não está particularmente interessado mas também não parece conseguir afastar-se de Odette e do seu estranho círculo de amizades.
Um dia Odette falha um compromisso com Swann e este, surpreendido com o pouco que sabe sobre aquela mulher, de quem achava que não gostava assim tanto, fica desesperado. Perplexo com tudo o que está a sentir, quando finalmente a encontra, entrega-se de corpo e alma ao que sente por Odette. Feliz por poder corresponder ao amor que acha que ela tem por ele.
A partir daquele dia Swann vai viver em função dos humores de Odette, que parece começar a esfriar um pouco em relação a Swann, sem nunca o afastar, mantem-no suficientemente enredado para que ele acabe sempre por ficar.
Swann, aos poucos, começa a perceber algumas incoerências em Odette, tem a certeza que ela lhe mente e que o trai mas, sabe que não consegue afastar-se dela. Porquê? Não é bela, não é particularmente inteligente ou culta. O que leva Swann a sujeitar-se às humilhações? Porque leva tanto tempo a conseguir vislumbrar que continua a existir vida para além de Odette?
Nesta parte do livro dei por mim a questionar quanto do que Swann sente e vivencia é efetivamente verdade. Nunca conhecemos a perspetiva de Odette no desenrolar dos acontecimentos. Vemos sempre Odette pelos olhos de Swann, apaixonado, ciumento, cheio de dúvidas e de inseguranças.
Na terceira e última parte, voltamos ao nosso narrador, em Paris, ainda criança ou adolescente. O narrador tem uma idade que não consigo definir. Por um lado parece criança, vai brincar no parque acompanhado pela empregada, por outro lado tem pensamentos profundos que parecem pouco verosímeis em alguém que não seja mais adulto.
Nesta terceira parte, o narrador reencontra a filha de Swann, no parque que começa a frequentar todos os dias. Obcecado com a menina, com quem passa a brincar todos os dias, imagina na sua cabeça, quando está longe dela, grandiosas e sentidas declarações de amor da parte dela. Vive angustiado com o pouco que conhece sobre a vida dela fora do parque e por não fazer parte dessa vida tão misteriosa. Afinal os pais continuam a não querer misturas com a família Swann.
Parti sem grandes expectativas para este clássico de Proust que tem um nome no mínimo poético - Em Busca do Tempo Perdido. Achei que não ia gostar, que a leitura iria ser penosa. Não sendo uma leitura fácil, é um livro que tem um ritmo muito próprio, que não devemos contrariar. Quando estamos a sentir alguma impaciência, devemos parar de ler, porque não é um livro de leitura compulsiva, embora seja uma parede de texto, praticamente sem capítulos ou parágrafos. É difícil decidir onde parar de ler e sentia sempre que estava a interromper, de certa forma, a vida daquelas pessoas e a história que me estavam a contar.
Gostei da escrita, menos densa do que estava à espera, gostei das personagens e da forma como Proust as descreve. Gostei da história e das dinâmicas que se desenvolvem. Para primeira aproximação, acho que até correu bastante bem.
Vou avançar para o próximo volume, sem pressão.
Recomendo porque é um clássico. Não é um livro que se leia em qualquer altura da vida e não será para todos os gostos. Mas, honestamente, gostei bastante. É divertido e é intrigante.
Boas leituras!
Excerto (pág, 297):
"Depois daquelas noites de calma, aplacavam-se as suspeitas de Swann: bendizia Odette, e, logo na manhã seguinte, mandava-lhe as mais belas jóias, porque as atenções dela na véspera lhe haviam despertado ou gratidão, ou o desejo de vê-las renovarem-se, ou um paroxismo de amar que tinha necessidade de expandir-se.
Mas em outros instantes volvia-lhe o sofrimento, imaginava que Odette era amante de Forcheville e que, quando ambos o tinham visto, do fundo do landó dos Verdurin, no Bois, nas vésperas da reunião em Chatou a que não fora convidado, pedir-lhe em vão que voltasse com ele, com aquele ar de desespero que até o cocheiro observara, voltando depois sozinho e vencido, com certeza tivera Odette, para designá-lo a Forcheville e dizer-lhe: «Ele está furioso, hem!», o mesmo olhar, brilhante, malicioso, baixo e disfarçado, que no dia em que este correra com Saniette da casa dos Verdurin.
Swann detestava-a então. «Também sou um idiota», pensava ele, »pagando com o meu dinheiro o prazer dos outros. Bem fará ela em conter-se e não puxar muito a corda, pois eu poderei não lhe dar mais nada, absolutamente. Em todo o caso, renunciemos provisoriamente às gentilezas suplementares!"
Sem comentários:
Enviar um comentário