outubro 04, 2025

[Ebook] Crónicas Marcianas - Ray Bradbury

Título original: The Martian Chronicles
Ano da edição original: 1950
Autor: Ray Bradbury
Tradução: Paulo Tavares
Editora: Cavalo de Ferro

«Não precisamos de outros mundos, precisamos de espelhos, não queremos conquistar o cosmo, só queremos estender as fronteiras da Terra até ele», escreveria muitos anos depois destas Crónicas Marcianas Stanislaw Lem, em Solaris, uma das outras grandes obras que ultrapassam em muito as fronteiras da ficção científica e que são, em certa medida, devedoras deste livro fundador de Bradbury, publicado pela primeira vez em 1950, sobre a chegada do Homem a Marte — um território de mares vazios, colunas de cristal e ruínas de cidades axadrezadas, habitado por uma misteriosa civilização — e as suas tentativas de conquistar e colonizar este planeta.
Crónicas Marcianas tornou-se uma das obras mais célebres e traduzidas de Ray Bradbury, oferecendo uma visão da essência contraditória do Homem, dos seus sonhos de infinito e da sua natureza destrutiva. Borges, um dos muitos confessos admiradores desta obra, dedicou-lhe um dos seus famosos Prólogos, no qual se interrogava: «Que fez este homem de Illinois para que, ao fechar as páginas do seu livro, episódios sobre a conquista de outro planeta me povoem de terror e de solidão? Como podem estas fantasias tocar-me de um modo tão íntimo?»

Gostei muito deste livro de pequenas histórias, com relação entre si, sobre a conquista e a colonização de Marte pelos humanos.

As primeiras histórias descrevem a vida dos marcianos antes da primeira expedição humana, a Marte, que foi bem sucedida. Depois é descrita a primeira expedição que aterra com sucesso, todos sobrevivem, mas nenhum contacto é feito com a Terra e ninguém regressa a casa para contar como correu e o que encontraram os primeiros humanos ao aterrar em Marte. 
O aparente falhanço da primeira expedição não parece diminuir a vontade de voltar a tentar. E é isso que vai acontecendo ao longo de anos e décadas a fio, algumas são bem sucedidas, outras nem por isso mas, o contacto começa a ser feito com a Terra e, as viagens entre os dois planetas tornam-se seguras.
 
E os marcianos das primeiras histórias? Como é a vida em Marte entre humanos e marcianos? Os humanos começam a colonizar Marte e, não é precisa muita imaginação para perceber que, a determinada altura, os marcianos passam a ser uma espécie extinta. Os humanos foram para Marte para fugir de uma Terra destruída por guerras contínuas, espoliada até ao limite. Porque seria diferente com Marte? Porque é que os humanos seriam diferentes? Porque é que deixariam de se comportar como a espécie dominante e respeitar a civilização existente?

Gostei muito. De Ray Bradbury apenas li Fahrenheit 451, de que gostei (opinião aqui) não tendo ficado impressionada com a escrita. Deste Crónicas Marcianas, gostei muito, da escrita e da forma como o mundo marciano é construído. Tem sentido de humor e é muito imaginativo. Gostei bastante.

Recomendo sem qualquer reserva.

Boas leituras!


Excerto:
"Trouxeram quinze mil pés de tábua de pinho do Oregon e setenta e nove mil de sequóia da Califórnia para construírem a Décima Cidade, uma pequena povoação limpa e bonita junto aos canais de pedra. Nas noites de domingo, era possível ver a luz vermelha, azul e verde dos vitrais das igrejas e ouvir as vozes que cantavam os hinos numerados: «Cantemos agora o setenta e nove»; «Cantemos agora o noventa e quatro.» E, em certas casas, ouvia-se a batida forte de uma máquina de escrever, o romancista a trabalhar; ou o arranhar de uma caneta, o poeta a trabalhar; ou nenhum som, o antigo vagabundo a trabalhar. Em muitos aspectos, era como se um grande terramoto tivesse arrancado as raízes e os alicerces de uma cidade de Iowa e depois, num abrir e fechar de olhos, um tornado de proporções dignas de Oz tivesse transportado a cidade inteira para Marte, pousando-a sem um único solavanco..."

Acolher - Claire Keegan

Título original: Foster
Ano da edição original: 2010
Autor: Claire Keegan
Tradução: Marta Mendonça
Editora: Relógio d'Água

Uma menina vai viver com pais adotivos numa quinta na zona rural da Irlanda sem saber quando regressará. Numa casa desconhecida, de gente estranha, encontra um calor e uma afeição que não sabia existirem e começa lentamente a florescer. Até que a revelação de um segredo a faz compreender a fragilidade da sua vida.

É um livro muito curto, que se lê numa tarde. Neste livro pequeno, vamos encontrar uma história bonita, daquelas que, não apelando à lágrima, nos deixam sensibilizados. Temos vontade de abraçar a menina que é enviada, temporariamente para casa de um casal para que tomem conta dela. A mãe está novamente grávida e, menos uma criança com que se preocupar é uma ajuda que é bem-vinda. 
A menina não sabe quanto tempo irá ficar, mas depressa percebe que a vida pode ser diferente. Que pode viver sem ter medo, que pode errar e que é possível ser amada pelo que é, sem que do outro lado esperem algo em troca. 
No início sente-se mal por sentir uma espécie de felicidade junto dos Kensilla, um casal só mas não amargurado, que tem uma atitude positiva perante a vida. Cuidam da menina com carinho, envolvem-na na vida familiar, são compreensivos e bem-humorados. Querem que a rapariga se sinta bem e que não sinta que foi abandonada pela família.
A menina sente-se acolhida, como nunca se sentiu na sua própria casa. Em nenhum momento a mãe da menina é criticada, é até alvo de compreensão pelo casal Kensilla. A verdade é que a mãe da menina leva a vida à qual muitas mulheres não conseguem escapar, casadas com homens que só sabem fazer-lhes filhos e reclamar. Mulheres que se tornam insensíveis ao que as rodeia. Só trabalham, sobrevivem, e fazem o melhor que sabem para ir criando os filhos que vão nascendo.

Acolher mostra-nos o lado da criança, a diferença que faz na vida de uma criança sentir que importa, que é amada, que está segura. Todas as crianças se criam, é verdade, mas também é verdade que criar uma criança vai muito para além de alimentar e dar banho. Não digo que estas crianças não são amadas, porque o são, digo que a vida muita vezes foge ao controlo e, por mais voltas que se dê, se não temos o básico, não há espaço para muito mais. As famílias vão sobrevivendo e, estas crianças, se tiverem sorte, conseguem quebrar o ciclo de pobreza, caso contrário perpetuam a única realidade que conheceram. 

Acolher é um livro com uma história que se pode dizer que é bonita, tem momentos de muita ternura e, embora não tenho um final de conto de fadas, porque a miúda acaba, naturalmente por regressar a casa, fica a esperança de que as semanas que passou com os Kensilla sejam aquilo que lhe vai permitir ter uma vida diferente da mãe. E isso é bom. 

Gostei muito da escrita e da forma com Claire Keegan conta a história. Uma escritora a repetir, certamente.

Recomendo!

Boas leituras. 


Excerto (pág.16):
"Fico a vê-lo fazer marcha-atrás, virar para o caminho de acesso e afastar-se. Ouço as rodas passarem por cima do estrado metálico, seguido do som das mudanças e do ruído do motor a fazer a estrada de onde viemos. Porque é que se foi embora sem se despedir, sem dizer que viria buscar-me mais tarde? A brisa estranha e madura que atravessa o pátio de entrada parece-me mais fresca agora, e uma nuvens brancas e gordas surgiram por cima do celeiro.
- O que se passa, rapariga? - pergunta-me a mulher.
Baixo o olhar para os meus pés, sujos dentro das sandálias.
O Kinsella aproxima-se.
- Seja o que for, podes dizer-nos. Não ficamos chateados.
- Ó santo Deus, mas então não é que ele se foi embora e se esqueceu de deixar os teus cacarecos?! - exclama a mulher. - Não admira que estejas enervada. Enfim, é mesmo uma cabeça oca, aquele homem.
- Acabou-se a conversa - diz o Kinsella. - Nós tratamos de te arranjar o que vestir.
- E não se fala mais nisso - comenta a mulher, imitando o meu pai.
Riem-se às gargalhadas por momentos e depois calam-se."