maio 22, 2013

A Paixão de Maria Madalena (vol.1) - Margaret George

Título original: Mary Called Magdalene
Ano da edição original: 2002
Autor: Margaret George
Tradução: Paulo G. Silva
Editora: Saída de Emergência 

"Margaret George apresenta-nos o seu romance histórico mais ambicioso e envolvente: a história de Maria Madalena, a discípula e companheira de Jesus. Mas quem foi de facto esta mulher? Uma prostituta? uma representação do sagrado feminino? Uma líder da Igreja? Ou todas elas? Embora as referências bíblicas a Maria Madalena sejam surpreendentemente breves, continuam a provocar controvérsia, curiosidade e veneração. Conhece-se mais sobre ela do que a maioria dos discípulos de Cristo e ainda hoje é reverenciada como a "Apóstola dos Apóstolos". Brilhantemente sustentada em investigações históricas e bíblicas, Margaret George recria a vida de Maria Madalena. Da sua infância e adolescência como uma menina comum - com os seus sonhos, visões, erotismo e o encontro com Jesus - até à sua transformação numa mulher adulta e independente, que vive uma notável transformação espiritual. Em última instância, Maria Madalena transcende a história e a ficção para se transformar num "diário da alma", numa viagem que é pessoal mas também universal. A sua é uma história de fé e, como tal, Maria Madalena é a soma de todas as mulheres." 

Este é apenas o primeiro volume da vida de Maria Madalena que Margaret George se propôs contar. Este é também o primeiro livro que li desta escritora e, embora o tema e a abordagem sejam demasiado religiosas para o meu gosto pessoal, posso dizer que gostei da escrita dela e, fiquei com curiosidade para ler algo menos católico. Na realidade, o nome de Margaret George suscitou-me curiosidade por causa do livro (três volumes na edição portuguesa) As Memórias de Cleópatra que, pretendo ler um destes dias, acredito seja menos religioso que este sobre a vida de Maria Madalena, a mulher que amou Jesus.

O primeiro volume de A Paixão de Maria Madalena acompanha a vida de Maria desde a infância, onde se cruza com Jesus pela primeira vez, conta-nos o seu casamento com Joel, um homem bondoso e tolerante que a ama com sinceridade. Descreve-nos a sua luta contra os demónios que a atormentam e consomem desde miúda e o seu reencontro com Jesus de Nazaré, que havia começado recentemente a cumprir o seu destino. Infelizmente os demónios que atormentam Maria foram também um dos responsáveis pela minha crescente impaciência com a história... Eu sei que naquela época histórias de pessoas possuídas eram comuns e todos acreditavam ser possível um demónio apoderar-se do corpo de alguém e toldar-lhe as vontades e o pensamento. Nesse aspecto não vejo qualquer problema com o facto de se falar nisso. O que me deixou impaciente foi o facto de o corpo de Maria parecer uma pensão barata onde todos os demónios entravam sem pré-aviso e o facto de a história nos ser contada como sendo credível e ninguém encarar o problema de uma outra qualquer perspectiva, como considerar a hipótese de um esgotamento nervoso (conceito talvez demasiado avançado para a época), uma doença mental, sei lá, qualquer coisa menos risível...
Para além das referências demoníacas que achei serem demasiadas, tornando a história, para mim pouco credível, não achei grande piada a Jesus... Estava à espera de uma personagem mais carismática, mais envolvente, mais marcante, não só pela figura histórica que é, mas principalmente pelo inquestionável potencial literário que tem. Acho que não gostei muito do Jesus de Margaret George porque, se fosse conterrânea dele e o ouvisse pregar tenho a certeza de que não seria um dos seus apóstolos... Julgo que Margaret George não conseguiu transmitir para o papel o magnetismo que ele teria. Se nada soubesse sobre a vida de Cristo (e sei apenas o básico) este não teria sido o livro que me teria convertido ao catolicismo porque tudo o que este Jesus sabe fazer é curar os desgraçados e mandar demónios irem pregar para outra freguesia! Impressionante? Sim. É suficiente? Para mim nem por isso.

Estes foram os aspectos menos bons que, para mim me aborreceram, e fizeram distrair da personagem de Maria que essa sim está bem conseguida. Forte, determinada, inteligente e humana que a ter sido enquadrada num outro cenário poderia ter sido uma personagem memorável.

Acho que este foi o livro de oferta a que tive direito quando mandei vir outros três da Saída de Emergência por isso não tinha grandes expectativas relativamente a ele, principalmente pelo tema religioso. No entanto, não deixei de ter alguma pena que a abordagem não tivesse sido outra, menos literal umas vezes, mais literária outras vezes. Não estava à espera de um Evangelho Segundo Jesus Cristo, do Saramago, mas nesse caso seria certo que iria ler o segundo volume, coisa que não estou muito certa que venha a acontecer com este. Ainda se não soubesse como acaba... :p

Começo a perceber que livros sobre religião não são para mim, principalmente sobre o judaísmo. Demasiados rituais, proibições e castrações para a minha (in)sensibilidade religiosa. Como não conheço a religião nem nenhum judeu, não a vou julgar pelo que leio em romances, mas a forma como são descritos não é nada favorável...
A escritora conseguiu captar bem o ambiente e a forma como as pessoas viviam na época, o que torna o livro, nesse aspecto, interessante. Não é mau, longe disso, acho que é normal... sem grandes rasgos de criatividade ou originalidade. Aliado ao tema que não me seduz, o livro para mim não resultou.
Recomendo? Não posso recomendar um livro que ainda não li todo, muito menos um que não tenho vontade de continuar a ler. No entanto, acredito que será do agrado de muito boa gente, gente mais iluminada que eu, claro! 

Boas leituras!

Excerto:
"Quase deu um grito, mas conseguiu abafá-lo. Estendeu os braços e olhou para as marcas. Pareciam arranhões feitos por espinhos. Tentou relembrar-se de tudo o que fizera no dia anterior. Seria possível que tivesse chegado perto de cardos? Ou ter-se-ia tornado sonâmbula? Já tinha havido na cidade o caso de um menino que caminhava a dormir; saía a andar, em plena noite, e na manhã seguinte não se lembrava de nada. Os seus pais tiveram de o amarrar à cama para evitar que saísse para a rua. Ficava apavorada só de pensar que poderia ter saído de casa, desprevenida e exposta aos perigos."

maio 02, 2013

O Homem Lento - J. M. Coetzee

Título original: Slow Man
Ano da edição original: 2005
Autor: J. M. Coetzee
Tradução: J. Teixeira de Aguilar
Editora: Publicações Dom Quixote

"Neste romance, Coetzee oferece-nos uma profunda meditação sobre o que faz de nos humanos e o que significa envelhecer, reflectindo no modo como vivemos as nossas vidas.
Como todas as grandes obras literárias, O Homem Lento levanta questões mas raramente oferece respostas. Em consequência de um acidente, Paul Rayment altera a perspectiva que tem da vida e começa a dedicar-se ao género de preocupações universais que nos definem a todos: O que significa fazer o bem? O que é que nas nossas vidas é, em última análise significativo? É mais importante que alguém nos ame ou que alguém se interesse por nós? Como definimos o local a que chamamos "casa"?
Na sua voz lúcida e firme, Coetzee debate-se com estas problemáticas. O resultado é uma história profundamente comovedora, sobre o amor e a mortalidade, que deslumbra o leitor a cada página." 

Agora que a Feira do Livro deste ano se aproxima a passos largos, chegou a altura de ler os livros que foram comprados o ano passado. O Homem Lento do Coetzee foi um dos que veio para casa comigo, deixando para trás tantos e tantos livros por ler...

Gosto de Coetzee, gosto da forma como conta uma história e de como constrói as personagens.
Deste, O Homem Lento, não gostei tanto... A verdade é que até estava a gostar, mas a "aparição" de Elizabeth Costello deixou-me um pouco confusa e o livro tornou-se estranho. Achei a personagem pouco credível e a forma com foi introduzida na história despropositada. O livro acabou por não ser bem aquilo que eu estava à espera, no entanto, não dei o meu tempo por desperdiçado, porque, tirando Elizabeth Costello, com quem confesso ter embirrado um pouco, as restantes personagens são interessantes e, à semelhança do que aconteceu com outros livros que li do mesmo autor (No Coração desta Terra e A Idade do Ferro, já comentados aqui e aqui), a personagem principal, Paul Rayment, está muito bem construída.

Rayment é um sexagenário divorciado e sem filhos, que num dos seus passeios diários de bicicleta vê a sua vida mudar por completo ao ser abalroado por um carro. O acidente não o mata, mas como consequência do mesmo é-lhe amputada uma perna e alguma da sua vontade de viver desaparece.
Sem família que o possa ajudar nesta fase da sua vida, Paul começa a questionar até que ponto, ao longo da sua vida, fez as melhores escolhas e se ainda vai a tempo de corrigir algumas delas.
O Homem Lento conta a história de Paul Raymen, mas poderia ser a história de outro idoso qualquer, dos muitos que chegam à terceira idade sozinhos, porque nunca lhes passou pela cabeça poderem vir a precisar de alguém para além deles próprios.
É a história de um homem que, com mais de sessenta anos se vê obrigado a aprender a viver com limitações físicas, dependente dos outros, de estranhos condescendentes que o tratam como um mentecapto. O ajustamento a um mundo que aparentemente já não lhe reconhece utilidade possível é difícil e doloroso. A resistência à mudança por parte dele é grande o que dificulta, e muito, a convivência dos outros com ele. A ideia de se suicidar ronda-o permanentemente, até ao dia em que conhece Marijana, a enfermeira croata, contratada para o ajudar na adaptação deste à sua nova vida. Marijana é a primeira pessoa, depois do acidente a tratá-lo com respeito, sem condescendência, de forma profissional. Esta mulher dos balcãs, para além da ansiada dignidade, traz a Rayment e à sua vida empoeirada, uma lufada de ar fresco.


O Homem Lento é, literalmente Paul Rayment, que lentamente vai procurar encontrar o seu lugar no mundo, tentando deixar para a história mais do que uma invejável colecção de velhas fotografias, a serem expostas, depois da sua morte. Rayment quer ser recordado com carinho, quer que alguém lhe sinta a falta. Quem não deseja o mesmo? :)

Este é um livro, como muito bem diz a sinopse, que levanta uma série de questões, relacionadas com o envelhecimento, com a solidão na terceira idade, com o amor interessado ou desinteressado, com o sentimento de pertença a um sítio ou a alguém, com a vontade de fazer o bem, de sentir que toda a nossa vida teve significado, não tendo sido uma mera passagem.

Gostei da história, gostei das ideias e das reflexões que levanta, gostei das personagens, mas de uma forma geral, se este tivesse sido o meu primeiro livro de Coetzee talvez não tivesse ficado tão impressionada com o escritor, como fiquei depois de ler No Coração desta Terra.
Conhecendo um pouco o escritor, consigo apreciar até as suas obras menos inspiradas e por isso, este foi um livro que me fez companhia e que me deu gozo ler. Desta forma só o posso recomendar!

Boas leituras!

Nota: Aparentemente Elizabeth Costello, a personagem com quem embirrei, é uma repetente nas obras de Coetzee. Existe um livro intitulado Elizabeth Costello que, a ter sido lido primeiro me poderia ter ajudado a enquadrar a forma intempestiva com que esta invade a vida de Paul Rayment. Talvez um dia o leia...

Excerto:
"Dirá alguma coisa sobre ele, essa preferência nata preto e branco e matizes de cinzento, essa falta de interesse pelo novo? Seria disso que as mulheres sentiam a falta nele, em particular a sua mulher: cor, abertura?
A história que contou a Marijana foi que guardava fotografias antigas por fidelidade aos seus objectos, os homens, mulheres e crianças que ofereciam os seus corpos à lente do estranho. Mas isso não é a verdade integral. Guarda-as por fidelidade às fotografias em si, às reproduções fotográficas, a maioria delas sobreviventes, únicas. Dá-lhes um bom lar e vela, tanto quanto consegue, tanto quanto alguém pode, por que elas tenham um bom lar depois de ele desaparecer. Talvez, por seu turno, algum estranho ainda por nascer vá rebuscar o passado e guarde uma fotografia sua, do extinto Rayment da Doação Rayment."

abril 21, 2013

Norwegian Wood - Haruki Murakami

Título original: ノルウェイの森 (Noruwei no mori)
Ano da edição original: 1987
Autor: Haruki Murakami
Tradução do Inglês: Alberto Gomes
Editora: Civilização Editora

"Ao ouvir a sua música preferida Beatles, Norwegian Wood, Toru Watanabe recorda-se do seu primeiro amor, Naoko, a namorada do seu melhor amigo Kizuki. Imediatamente regressa aos seus anos de estudante em Tóquio, à deriva num mundo de amizades inquietas, sexo casual, paixão, perda e desejo – quando uma impetuosa jovem chamada Midori entra na sua vida e ele tem de escolher entre o futuro e o passado."

Norwegian Wood é uma música do Beatles, uma das preferidas de Naoko e que despoleta a torrente de memórias em Toru Watanabe, anos mais tarde, sempre que a ouve. São essas memórias e a história que envolve estes dois adolescentes, na altura, que Haruki Murakami se propõe partilhar connosco.

Quando Toru conhece Naoko esta é a namorada de Kizuki, o seu melhor e único amigo. Kizuki funciona como o núcleo agregador do trio mantendo-o unido. Quando Kizuki, com dezassete anos e sem que nada o fizesse prever, se suicida, deixa a namorada e o melhor amigo sozinhos e perdidos. Naoko e Toru perdem o contacto, a relação dos dois sem Kizuki não parece fazer muito sentido. Anos mais tarde os dois voltam a encontrar-se, por acaso, e reatam a amizade.
Toru está na faculdade, não é a pessoa mais sociável do mundo, sendo, no entanto uma pessoa extremamente equilibrada e madura. No dia em que Kizuki morreu, houve algo que se quebrou dentro dele, algo que nunca voltou a recuperar, mas conseguiu, de alguma forma, seguir com a  sua vida e, embora não seja um estudante típico vai vivendo o dia  a dia de acordo com aquilo em que acredita.
Naoko conhecia Kizuki quase desde que nasceram, o terem-se tornado namorados foi algo natural e para eles quase inevitável. Quando Kizuki morre, Naoko perde-se para o mundo, e a sua já frágil saúde mental degrada-se, torna-se uma espécie de espectro com dificuldade em comunicar, em falar, escrever ou em expressar-se. Quando reencontra Toru sente, pela primeira vez em anos, reacender-se a vontade de viver, de ser compreendida e amada. É difícil mas parece estar disposta a tentar e Toru parece disposto a ajudá-la. Gosta dela e assume naturalmente a missão de ajudá-la a manter-se ligada à vida e a fortalecer esta ligação. Afinal ambos perderam algo com a morte de Kizuki, só os dois se podem ajudar um ao outro.
Por muito amor que existisse, entre os dois, desde o princípio que temos dificuldade em acreditar num final feliz para estes dois. Por muita boa vontade que exista, não passam de dois jovens, acabados de ser largados no mundo, às portas da idade adulta, e os traumas e as feridas com que têm de lidar são um fardo demasiado grande para qualquer um deles.
Naoko, num dos seus períodos mais negros decide afastar-se e internar-se numa instituição para pessoas que, não sendo loucos, são pessoas que em determinada altura das suas vidas perderam alguma capacidade de se manterem socialmente capazes e integradas. Toru é deixado novamente sozinho e a sofrer com a distância e falta de notícias de Naoko. É nessa altura que conhece Midori, uma rapariga cheia de vida, descontraída também ela com uma história familiar complicada, mas que consegue manter a sanidade. Midori é a antítese de Naoko, as duas são como o dia e a noite. Inicialmente Midori é apenas uma amiga para Toru, alguém com quem gosta de passar o tempo e com quem se identifica. Só se apercebe dos seus verdadeiros sentimentos quando quase a perde. Toru fica destroçado porque não era suposto apaixonar-se por outra pessoa. Encara o que sente por Midori como uma traição a Naoko e aos projectos que tinha traçado para os dois.
É como diz a sinopse, uma escolha entre o passado e o futuro, escolha que acaba por ser facilitada pelo destino...

Este é um livro triste, com muita dor e muitas cicatrizes mal saradas. A morte é uma constante ao longo de todo o livro, mais como uma ameaça que paira sobre todos eles e que, de vez em quando, atinge efectivamente alguém.
Para mim é um livro que capta muito bem alguns dos aspectos mais sombrios da adolescência e do difícil que é crescer. Capta muito bem a confusão, o medo, a tensão sexual (fala muito de sexo) e aquela sensação que todos o adolescentes têm de que o mundo parece conspirar contra eles, seres incompreendidos.
Fala muito de suícidio e de perda. É por isso um livro triste, essencialmente triste.

Haruki Murakami mesmo quando não é genial é muito bom. É o que acontece com este Norwegian Wood, é bom mas a genialidade que Murakami imprime a quase todas as suas obras não é tão evidente.

Gostei e recomendo!

Excerto:
"A voz serena da Midori rompeu por fim o silêncio: - Onde estás agora?
Onde estava eu agora?
Afastei o auscultador, levantei a cabeça e virei-me para ver o que havia para lá da cabina telefónica. Onde estava eu agora? Não fazia ideia. Não fazia a mínima ideia. Que lugar era este? Tudo o que perpassava pelos meus olhos eram os inúmeros vultos de pessoas caminhando para algures. Eu chamava uma e outra vez pela Midori do centro morto deste lugar que não era lugar nenhum."

Gostava de ver o filme - Norwegian Wood - acho que, neste caso é capaz de ser uma mais valia para o livro:

abril 04, 2013

Os Malaquias - Andréa del Fuego

Título original: Os Malaquias
Ano da edição original: 2010
Autor: Andréa del Fuego
Editora: Porto Editora
"Serra Morena. Um raio esturrica o casal, em luz e carne. Os filhos ficam órfãos, com destinos diferentes. António, o menino que não cresce. Nico, o patriarca engolido por um bule de café. Júlia, a menina em fuga permanente. Um lugar onde as sombras da terra e da água convivem. Onde a morte e a vida são o mesmo mundo. Um poema seco à humanidade de cada um de nós."

Já não sei muito bem porque é que decidi comprar este livro... Não me lembro de ter lido críticas especialmente elogiosas à obra de Andréa del Fuego. Estava, inclusive, convencida de que a senhora era colombiana ou algo parecido, não fazia ideia de que era brasileira. Isto apenas para reforçar o meu total desconhecimento sobre o livro. Acredito que deve ter sido a capa apelativa e o facto de ter ganho o Prémio Literário José Saramago de 2011 que me convenceu a comprá-lo. 
Esforços de memória à parte, a verdade é que veio parar-me às estantes e agora que foi lido... Bem, agora que foi lido, foi lido. :)

Os Malaquias começam por ser pai, mãe e três filhos, Adolfo, Donana, Nico, Antônio e Júlia. Passadas três páginas, os Malaquias são apenas os três filhos. Os pais são atingidos por um raio enquanto dormem descansados na sua cama e morrem "esturricados".
Nico o mais velho é acolhido pelo fazendeiro local que vê nele potencial para trabalhar. Antônio e Júlia são entregues a uma instituição de religiosas francesas que acolhe crianças para adopção. Júlia fica uns anos na instituição a receber educação para depois ser entregue a uma mulher muçulmana que a leva para sua casa como sua empregada/filha adoptiva. Antônio, o menino que não cresce, vai ficando junto das freiras, a quem se afeiçoa.
Os três irmãos crescem separados sem nunca se esquecerem uns dos outros, com Nico a lutar para que se possam voltar a  reunir.

Uns anos mais tarde, no dia de casamento de Nico, Antônio vai viver com o jovem casal e Júlia foge de casa da patroa/mãe adoptiva para ir ao casamento do irmão. Júlia nunca chega a Serra Morena. Parece que no seu destino não está escrito o seu regresso à terra onde nasceu. A sua vida nunca mais será a mesma...

Por essa altura a electricidade e a promessa do progresso chegam a Serra Morena, com a entrada em produção de uma barragem. Como consequência, Serra Morena irá ser inundada, e todos o seus habitantes e respectivas habitações têm de ser transferidos para um novo lugar, mais elevado. Um preço que quase todos estão dispostos a pagar. Quem não deseja o progresso e o desenvolvimento? A expectativa de todos é grande.

E sobre a história não sei muito bem que mais dizer. A verdade é que não achei o livro muito interessante... Costumo gostar de livros como este, com frases e capítulos muito curtos, com a presença de algum surrealismo e com personagens que tinham tudo para me cativarem. No entanto, neste caso pareceu não resultar para mim. Nem sei bem dizer porquê. Achei a história pouco desenvolvida, as personagens idem e os acontecimentos pouco interligados... No todo, o livro surgiu-me pouco coeso, demasiado fragmentado. Não sei se captei bem a mensagem que se quis passar, se é que havia alguma... 
As muitas reticências que usei ao longo deste post espelham bem o sentimento que o livro me deixou.

O livro lê-se bem, uma vez que os capítulos são pequenos e as personagens são-nos naturalmente simpáticas e, tal como a história, são até certo ponto intrigantes, mantendo-se a curiosidade que nos vai fazendo ler mais uma página.

Não sei se voltarei a ler alguma coisa dela. É provável que não. Tenho a sensação de que Andréa del Fuego é uma candidata a constar na minha lista de escritores que, embora lhes reconheça mérito, simplesmente não consigo criar a química necessária para gostar deles. Nesta lista estão escritores como Ernest Hemingway, Ken Follett, Martin Amis e Agustina Bessa-Luís, entre outros. 

Posto isto, recomendo, porque sei que a química que cada leitor cria com o livro que está a ler é muito subjectiva e tão pessoal que a minha opinião vale o que vale. ;)

Boas leituras!

Excerto:
"Um gato esticou as pernas, as paredes se retesaram. A pressão do ar achatou os corpos contra o colchão, a casa inteira se acendeu e apagou, uma lâmpada no meio do vale. O trovão soou comprido até alcançar o lado oposto da serra. Debaixo da construção a terra, de carga negativa, recebeu o raio positivo de uma nuvem vertical. As carga invisíveis se encontraram na casa dos Malaquias. 
O coração do casal fazia a sístole, momento em que a aorta se fecha. Com a via contraída, a descarga não pôde atravessá-los e aterrar-se. Na passagem do raio, pai e mãe inspiraram, o músculo cardíaco recebeu o abalo sem escoamento. O clarão acendeu o sangue em níveis solares e pôs-se a queimar toda a árvore circulatória. Um incêndio interno que fez o coração, cavalo que corre por si, terminar a corrida em Donana e Adolfo."

março 24, 2013

O Caso das Mangas Explosivas - Mohammed Hanif

Título original: A Case of Exploding Mangoes
Ano da edição original: 2008
Autor: Mohammed Hanif
Tradução: Teresa Curvelo
Editora:Porto Editora

"No dia 17 de Agosto de 1988, o presidente paquistanês Zia ul-Haq morreu num acidente aéreo. No avião presidencial viajavam igualmente o chefe dos serviços secretos e o embaixador dos Estados Unidos. Não houve sobreviventes e ainda hoje a razão que levou à queda do avião continua envolta em mistério. O acidente ficou a dever-se a:
Falha mecânica?
Falha humana?
Impaciência da CIA?
Maldição de uma cega?
Generais descontentes com as suas pensões de reforma?
A estação das mangas?
Ou o responsável terá sido o próprio narrador, Ali Shigri, um jovem cadete da Força Aérea, que nos relata a sua participação nos acontecimentos?
Com um humor ácido e um ritmo trepidante, digno dos melhores thrillers políticos, Mohammed Hanif retrata sem contemplações os aspectos mais absurdos da vida militar durante os últimos dias de vida do cruel ditador Zia ul-Haq, expondo as manipulações de todos pois implicados que, com a sua miopia política, contribuíram para o auge do fanatismo radical."

Depois de um livro tão pesado como Autópsia de um Mar de Ruínas do João de Melo (comentado aqui), andava com vontade de ler alguma coisa divertida e leve. Este sobressaiu na estante, pelo título, pela cor, mas essencialmente porque veio como oferta quando comprei O Centenário que Fugiu pela Janela e Desapareceu do Jonas Jonasson, já lido (e comentado aqui) e que me divertiu imenso, achei que este podia ser na mesma onda. :) É divertido, mas a onda não é a mesma. Este tem um sentido de humor mais negro, o tom é mais satírico e as personagens não são tão facilmente acarinhadas como os idosos de Jonas Jonasson. Deixemos, portanto, de comparar o incomparável. :)

O Caso das Mangas Explosivas leva-nos até ao Paquistão. Em plena ditadura militar liderada pelo General Zia ul-Haq, nos anos de 1978 a 1988, ano em que morreu quando o avião onde seguia se despenhou. É no momento em que Zia entra no avião, acompanhado pelo embaixador dos EUA, Arnold Raphel, pelo general Akhtar Rahman chefe maior das forças armadas paquistanesas e outras altas patentes do país, que a história narrada por Ali Shigri tem início.
Sabemos que todos os que embarcaram no C130 presidencial morreram e Shigri dá a entender que poderá ter tido alguma participação na morte trágica do presidente Zia. Será que teve?

Shigri leva-nos a percorrer os meses que antecederam a queda do avião e a morte de Zia. Foi um acidente? Foi um homicídio? Quem era o alvo e porquê? Vamos descobrindo tudo isso, ao mesmo tempo que vamos conhecendo a ditadura militar de Zia, um homem temido por todos, que aqui surge mais como o rosto da repressão levada a cabo pelos seus subordinados, sem que pareça controlar muito do que se vai passando no seu país. Vive numa espécie de bolha, sem qualquer noção de como vive o povo que tanto diz amar. Paranóico com a sua segurança, vive aterrorizado com a ideia de que um dia o possam matar, o que o afasta ainda mais da realidade que o rodeia. Fanático religioso impõe a todos os que o rodeiam a mesma conduta moralmente irrepreensível. O ditador parece viver numa outra dimensão, rodeado por gente interesseira e ambiciosa e que não o leva muito a sério, conspirando para ocupar o seu lugar à frente dos destinos da jovem nação.

O exército e a comunicação social controlam completamente tudo o que se passa no país, inventam notícias, controlam todo a informação que passa para o exterior, encenando celebrações para que a imagem do presidente seja imaculada.
Junto ao presidente Zia surgem os americanos, representados pelo seu embaixador destacado para o Paquistão, Arnold Raphel, enviado para garantir que a luta contra os comunistas russos se mantém activa e viva, apoiando os afegãos e paquistaneses nessa luta contra os infiéis.

Embora nada do que descrevi até agora pareça particularmente divertido, a verdade é que o tom com que são descritas as situações aligeira o que está subjacente a um período da história paquistanesa que terá sido tudo menos divertida. O tom é de ironia e de gozo, de exagero, para ridicularizar todas estas altas personalidades que se julgam imortais e omnipotentes.

Gostei porque é um livro bem escrito com uma história que prende, com personagens bem desenvolvidas e com quem criamos empatia. Gostei do General Zia, que deve ser o estereótipo que se aplica a quase todos os ditadores passados, presentes e futuros, a viver num auto-deslumbramento e a pensar que manda realmente alguma coisa, quando na realidade é apenas um fantoche, facilmente manobrável até que um dia é posto de parte, quer por outro ditador quer pelo povo que julgava complemente domesticado. :)

Gostei. Não é uma obra-prima mas é bom o suficiente para que o recomende sem qualquer hesitação.

Boas leituras!

Excerto:
"Quando Zia lhe ordenou que arranjasse um buraco no horário de maior audiência para o Programa de Reabilitação das Viúvas do Presidente, o ministro começou por se mostrar relutante.
- É o que fazemos sempre no Ramadão, sir - murmurou o ministro da Informação em tom de desculpa. Não sabia muito bem como reunir um tal número de viúvas nessa época do ano.
- Existe alguma lei neste país que me proíba de ajudar os pobres no mês de Julho? - volveu, irritado, o general Zia. - Foi feito algum estudo económico que diga que as nossas viúvas necessitam de ajuda durante o Ramadão mas não amanhã de manhã?
O ministro da Informação cruzou as mãos na braguilha e assentiu com entusiasmo.
- É uma ideia brilhante, sir. Seria uma excelente alternativa para a agenda noticiosa. As pessoas começam a perder o interesse por toda essa embrulhada de os soviéticos se irem embora e os nossos mujahideen afegãos se andarem a matar aos tiros uns aos outros.
- Certifique-se de que as notas de cem rupias são novas. Essas velhas adoram o cheiro do dinheiro fresco."

março 15, 2013

El Príncipe de Parnaso - Carlos Ruiz Zafón


El Príncipe de Parnaso é um pequeno conto inédito de Carlos Ruiz Zafón que está a ser oferecido (não sei se com todas as edições) na compra do último romance do escritor, El Prisionero del Cielo (O Prisioneiro do Céu na edição portuguesa).
É neste pequeno livro que se faz, pela primeira vez, referência ao Cemitério dos Livros Esquecidos, lugar mítico referido em todos os livros de CRZ.

Na Barcelona do século XVII, António Sempere trava conhecimento com aquele que viria a ser um dos escritores mais importantes de Espanha, de seu nome Miguel de Cervantes Saavedra. Reza a história que o escritor, na altura apenas aspirante a escritor, teria passado uns tempos em Barcelona com a sua grande paixão, a italiana Francesca, dona de uma beleza singular e cobiçada pelos mais diversos artistas para ser a sua musa inspiradora. Cervantes chega a Barcelona, preso a um pacto selado com uma personagem sinistra, Andreas Corelli, o mesmo editor que fez a vida negra a David Martín, o protagonista de O Jogo do Anjo e, não parece trazer nada de melhor para Cervantes e a sua amada.  Segundo este conto é durante esta estadia que o escritor trava conhecimento com Sancho, fiel amigo até aos seus últimos dias.

É um pequeno conto que, à semelhança dos outros livros de CRZ se lê muito bem. Por ser um conto e por isso uma história mais pequena não há tanto espaço para as descrições tenebrosas e fascinantes de Barcelona e talvez por isso não me tenha prendido particularmente. :) Foi um regresso gostoso a um autor que não me enchendo as medidas me vai mantendo interessada no que escreve. Além disso é óptimo para treinar o espanhol! Não sei se esta oferta também esta a ser aplicada na edição portuguesa (este pertence ao meu professor de espanhol), se for esse o caso as horinhas dispensadas na sua leitura não serão, por certo dadas como perdidas.

Boas leituras!

março 05, 2013

Autópsia de um Mar de Ruínas - João de Melo

Título original: Autópsia de um Mar em Ruínas
Ano da edição original: 1984
Autor: João de Melo
Editora: Círculo de Leitores

"«(...) João de Melo oferece-nos um romance cuidadosamente elaborado, o arado da sua escrita revolve bem fundo no chão onde pisamos as palavras do quotidiano, a autópsia proposta talvez não se circunscreva ao cadáver de uma guerra morta à nascença, mais morta que a maior parte das guerras, porquanto até para matar, trucidar, exterminar é preciso ter objectivos e motivações - por egoístas ou irracionais que sejam (são-no sempre) uns e outros - não se chacina pelo simples prazer de sentir o cheiro do sangue ou verificar se a cor do plasma vital que corre nas veias dos Negros é igual à do que circula  nas artérias dos Brancos. Ora, ao povo português faltava, felizmente, essa sanha de ferocidade mórbida que só a irracionalidade «justifica», cabendo-nos viver no limiar de um misterioso ritual selvático de que desconhecíamos as fórmulas litúrgicas e as palavras mágicas despoletadas do transe exaltador. (...)» João de Melo pega-nos pela mão e põe-nos «a andar às arrecuas no lodo que o nosso imaginário acumulou, numa regressão psicológica até às vísceras de nós mesmos, porquanto esse pesadelo de vinte e três anos nos salpicou a todos de dor, e sangue, e vergonha. Quem se atreverá a invocar a neutralidade para não ser engolido pela mancha da desonra colectiva? (...)»"

Esta é uma obra incontornável sobre a guerra colonial. É um relato emocionado e fortíssimo sobre o que foram, para os militares portugueses e para o povo angolano, os duros tempos de uma guerra que uns se viram obrigados a fazer e os outros obrigados a viver. João de Melo conheceu de perto o que de forma tão dura relata nesta autópsia de um mar em ruínas. Cumpriu o serviço militar em Angola, em Calambata uma zona do interior, experiência essa que por certo serviu para que este seja um livro de cortar a respiração de tão realista, de tão sujo, de tão duro e feio, de tão vergonhosamente real e genuíno. Aliada a esta dureza, está a escrita poética de João de Melo que nos permite afastar um pouco do que é descrito.

Autópsia de um Mar em Ruínas é contado a muitas vozes, mas duas destacam-se claramente, a do alferes Renato e a da negra Natália, uma das muitas mulheres que vivem na Sanzala da Paz. A história é, portanto contada sob dois pontos de vista que, ao contrário do que poderíamos achar, são muito mais coincidente que divergentes. 
Do lado dos militares portugueses conhecemos homens de olhar perdido, de corpos exaustos, afectados física e psicologicamente pelo que já viveram na guerra, pelos companheiros mortos e pela certeza de que a sua hora não tardará a chegar. Não compreendem a guerra, não a querem fazer, não querem matar ninguém, só não querem morrer sem poderem abraçar uma última vez as namoradas, as mulheres, os filhos ou os pais. Acreditam que a forma mais rápida de acabar com a guerra é a apatia, é miná-la por dentro. Afinal não existe guerra se ninguém estiver disposto a combater. Na messe do quartel de Calambata mantinha-se a seguinte frase escrita numa das paredes: 

É PROIBIDO DIZER QUE HÁ GUERRA.

Em Calambata os militares seguem convictamente esta máxima, vivem os dias em contagem decrescente para o fim da comissão em Angola, passando os dias a beber, a jogar às cartas, ou a pensar nas namoradas que deixaram em Portugal. Até que uma emboscada os põe frente a frente com os horrores de uma guerra que ainda não tinham conhecido e a partir desse dia nada mais pode voltar a ser o que era.

Do lado dos negros, que vivem na sanzala da paz, assistimos à miséria a que estavam sujeitos. Deslocados da sua terra natal, viviam como prisioneiros, trabalhando praticamente de graça para os colonos da região. Tratados como animais e brutalizados pelos brancos, são homens e mulheres resignados à miséria, sem força ou armas para lutar. Desejam secretamente que os seus patrícios na mata acabem de vez com a presença dos brancos em Angola. As crianças são a única referência positiva naquele lugar. Mesmo mal-nutridas, são inúmeras as vezes que se referem as barrigas arredondadas com o umbigo pontiagudo destes meninos (curiosamente não falam das meninas, apenas dos meninos), é nas crianças que surge o sorriso da esperança, da alegria de viver. As mulheres surgem como o pilar da pequena comunidade, desesperadas pela resignação dos maridos que gastam tudo em bebida, todos eles precocemente envelhecidos e derrotados.
Quando João de Melo refere os maus-tratos por parte dos brancos, estes quase nunca envolviam os militares, que desempenhavam, neste caso, um papel mais neutro. Convém também referir que os colonos da região não aceitavam muito bem a presença militar na zona. Diziam-se capazes de dar caça aos "turras" e ensinar-lhes uma lição que os ia colocar nos seus devidos lugares e terminarem com o conflito num piscar de olhos.

Na mata escondem-se autênticos fantasmas, um pesadelo para os militares portugueses, incapazes de se protegerem de um inimigo que simplesmente não conseguiam vislumbrar. Expostos às inúmeras emboscadas, os militares faziam o melhor que sabiam para sobreviver, para adiar o dia em que iriam morrer.
As descrições dos ataques é tremenda, no sentido em que, por diversas vezes, quis fechar os olhos e não ler... Tamanha violência e irracionalidade é muito difícil de conceber para quem, felizmente, nunca a sentiu de perto, mas julgo que o relato de João de Melo nos consegue fazer chegar bem perto. O mesmo se aplica à violência física sobre os negros, essa sim, completamente irracional e arbitrária, que me fez sentir vergonha. Como é que sentimentos destes se continuam a perpetuar pelas gerações mais novas?

É um livro imenso, imensamente triste, violento, real e um documento que não pode nunca ser esquecido. Este é daqueles que deveria ter lugar no "Cemitério dos Livros Esquecidos" de Carlos Ruiz Zafón. :)
Todos nós sabemos o final desta história. O que gostaria de frisar é que Autópsia de um Mar de Ruínas não é só mais um livro sobre a guerra colonial, é muito mais do que isso. João de Melo é sem dúvida um escritor extraordinário, com uma enorme capacidade de expor as emoções e deixa-nos, enquanto leitores, completamente desprotegidos.

Recomendo sem qualquer hesitação! Mesmo os mais sensíveis deveriam fazer um esforço... :)

Boas leituras!

Excerto:
" Agora, pensei, tem de haver um músculo. Vai ter de abrir-se um músculo no meu olhar. A memória fechar-se-á logo de seguida sobre tudo isto, fechar-se-á de fora para dentro e talvez para sempre - e então eu jamais esquecerei aquele dia. (...) O músculo da minha memória estava-me devolvendo agora um cheiro a chamusco de porco, porque toalhas de fumo se agitavam ao longo da picada e havia tudo: havia nela o tal solo de emboscada com crateras de sonhos mortos à granada, havia o silêncio translúcido dos cemitérios da minha noite de toda a vida; havia tudo, tudo, desde o espanto daqueles náufragos cujo olhar acreditava ainda na possibilidade de uma ilha deserta, até à completa destruição dos olhos gelados onde o sol dava de chapa e também morria. Nenhuma respiração agitava a lâmina daquele dia, nem sopro algum faria estremecer a manhã sem horas da sua eternidade."