setembro 11, 2014

Por Este Mundo Acima - Patrícia Reis


Título original: Por Este Mundo Acima
Ano da edição original: 2011 
Autor: Patrícia Reis 
Editora: Publicações D. Quixote

"Um cenário de terrível desastre assola Lisboa.
Entre os sobreviventes há um velho editor procurando amigos e amores desaparecidos. Encontra um manuscrito e um rapaz e, neles, a porta para uma outra dimensão na vida.
Por Este Mundo Acima é a consagração dessa melhor forma de amor a que chamamos amizade. Uma história sobre a importância redentora dos livros."


O nome Patrícia Reis ficou-me na memória depois de ter lido Morder-te o Coração de que gostei muito (opinião aqui). A forma como escreve deixou-me curiosa para outros livros dela. Na feira do livro deste ano aproveitei e comprei. Para além do título, que acho lindo, fiquei curiosa para descobrir como seria um livro num cenário pós-apocalíptico escrito por ela. :)

Eduardo é a personagem principal da história. Conhecemo-lo já depois do "acidente", como um dos poucos sobreviventes de um desastre natural qualquer que empurrou de volta para a idade da pedra a humanidade. Sem tecnologia, electricidade, água canalizada ou saneamento básico. Coisas que todos consideramos básicas para sobrevivermos... No entanto Eduardo sente, acima de tudo falta dos amigos, Sofia, Lourenço e Jaime. Sente falta de ter com quem conversar, das risadas e da música. Aterrorizado com o que possa encontrar para lá da porta de casa, vai ficando, fechado em casa, com os seus livros, as suas memórias e o medo. No dia em que finalmente ganha coragem para sair, encontra um cenário desolador, de destruição total. Pensa em procurar os amigos, mas não sabe se o conseguirá fazer. Vislumbra outras pessoas na rua mas, tal como Eduardo, todos sentem receio de falar uns com os outros e seguem caminho sem trocarem uma palavra. A necessidade altera o comportamento das pessoas, nunca se sabe se nos querem fazer mal. As ruas estão cheias de corpos, toda a ordem social eclipsou-se. Não existem autoridades, não existe um governo não existe nada, apenas o caos. Eduardo sente-se deslocado, não é novo, não sabe se conseguirá sobreviver - ter de pilhar, de lutar pela última lata de atum... Regressa a casa cansado e triste e a sentir cada vez mais a falta dos amigos, que acredita estarem mortos. Que outra razão existiria para que não tivessem ido até ele?
Aos poucos Eduardo começa a adaptar-se à nova vida, os corpos nas ruas já nem os vê, aventura-se pelas redondezas e vai sobrevivendo. Em casa tem a companhia dos livros, a preciosa biblioteca da avó repleta de histórias que nunca o deixam só.
Redescobre um sentido para a vida quando lê um manuscrito que lhe tinha sido entregue, Eduardo era editor antes do "acidente", para publicar - A Noiva Chegou de Autocarro, e que ainda não tivera oportunidade de ler. O livro, escrito por um jovem escritor desconhecido, deixa Eduardo fascinado e, ao mesmo tempo, angustiado por não ser possível partilhá-lo com ninguém, de não ser possível publicá-lo. Queria gritar ao mundo que no meio de todo aquele caos, tinha encontrado vida, que ainda era possível criar e progredir. Os anos passam e nada muda na vida de Eduardo, até ao dia em que encontra Pedro, uma criança de 8 anos, que tinha acabado de perder a mãe. A partir desse dia, Eduardo acredita que é possível fazer alguma coisa pelo mundo. Que não pode deixar que toda a história da humanidade se perca para as crianças que como Pedro, não têm memória de outra realidade. Eduardo acolhe Pedro em sua casa e, como um pai, educa-o, mostra-lhe todo um novo mundo através dos livros da avó e partilha com ele todas as suas memórias e as memórias dos seus amigos, para que, de alguma forma não sejam esquecidos. O livro acaba com Pedro já crescido, Eduardo acaba de morrer, mas o mundo que é descrito por Pedro já não é um mundo de medo e sim de esperança. As pessoas organizaram-se, de certa forma, e vivem em comunidades pequenas onde partilham aquilo que têm e o que sabem fazer. Toda a comunidade agradece a Eduardo o seu papel no restabelecimento da ordem e, A Noiva Chegou de Autocarro, foi o primeiro livro a ser publicado depois do "acidente", publicado por Pedro.

É um livro muito interessante. A escrita de Patrícia Reis é muito clara, muito fluída que facilmente nos transporta para a realidade que descreve. Gostei muito de Eduardo e dos amigos que conhecemos apenas através da sua memória deles. A história é, às vezes angustiante, nem sempre os piores momentos são os que ocorrem após o acidente, mas acima de tudo é uma história que homenageia a amizade e os livros.

Gostei e recomendo!

Boas leituras!

Excerto (pág. 88):
"Vi o meu primeiro cadáver três semanas depois de tudo ter mudado. Tinha-me aventurado. Sair à rua era um passo gigante. Ver da janela o estado da rua, deserta, os carros parados, a ausência de militares a marchar pelas ruas e as nuvens pretas foram suficiente. Até que a necessidade me fez sair. Na minha decisão de deixar a casa, estava também o sentimento de abandono, de quase indiferença. Queria morrer. A exactidão desse sentimento de morte que ansiei, ainda a consigo sentir. Não valia a pena continuar. Estava condenado, barricado em casa a abrir latas de atum que me feriam os dedos de pele seca. Estar vivo, apenas por estar vivo, não era suficiente. Por isso, quando saí à rua, fi-lo com a coragem dos soldados na linha da frente, pronto para qualquer coisa, orações ditas, a cabeça vazia, o coração pronto para o fim."

setembro 01, 2014

A Estrela do Diabo - Jo Nesbø

Título original: Marekors
Ano da edição original: 2003
Autor: Jo Nesbø
Tradução do inglês: Maria João Freire de Andrade
Editora: Publicações Dom Quixote

"Oslo sufoca no calor de verão, quando uma jovem é assassinada no seu apartamento. Um dedo é-lhe cortado, e um minúsculo diamante vermelho com o formato de um pentagrama - uma estrela de cinco pontas - é encontrado debaixo da sua pálpebra. O detetive Harry Hole é designado para investigar o caso com Tom Waaler, um colega de quem ele não gosta e em quem não confia. Tom trabalha para um bando de traficantes de armas - e é o assassino da sua antiga parceira. Mas Harry, um alcoólico inveterado, mal consegue aguentar o seu emprego, e a sua única hipótese é aceitar o caso. Cinco dias depois, outra mulher é dada como desaparecida. Quando o seu dedo cortado é encontrado enfeitado com um diamante vermelho com a forma de uma estrela, Harry receia que haja um serial killer à solta. Determinado a encontrar o assassino e a expor o corrupto Tom Waaler, Harry descobre que as duas investigações se fundem de um modo inesperado. Mas perseguir a verdade tem um preço, e em breve Harry dá por si em fuga e forçado a tomar decisões difíceis acerca de um futuro que pode nem viver para ver. Jo Nesbø já foi comparado a Ian Rankin, Michael Connelly e Henning Mankell. Os seus romances são best sellers por toda a Europa"

Não conhecia este autor nórdico, Jo Nesbø mas fiquei agradada. Embora os policiais não sejam o meu género de eleição, gosto de os ler e tenho gostado especialmente dos que nos chegam vindos do norte. Não sei se é da escrita mais crua, a menor fantasia, não sei, mas identifico-me mais com estes do que com os americanos, por exemplo. :)
Este não foi a excepção, bem escrito com uma história bem estruturada e suportada.

Senti o típico desconforto causado pelo facto de, de certa forma, estar a entrar a meio da história, uma vez que Harry Hole é o protagonista da série de livros de Jo Nesbø e este A Estrela do Diabo é já o 5º volume da série. O desconforto de haver coisas que tenho a sensação de não estar a perceber completamente porque estará relacionado com o passado da personagem contado nos volumes anteriores.
Outra dificuldade típica nos livros de autores nórdicos é a questão dos nomes... São mulheres ou são homens? Por mais "tacanha" que seja a divisão que naturalmente fazemos entre géneros para organizar o mundo em que vivemos, a verdade é que me faz confusão como conseguem viver com uma linguagem que não distingue os géneros... Ainda por cima quando os nomes são todos tão parecidos... :)

Ultrapassadas as dificuldades iniciais, A Estrela do Diabo é, aparentemente apenas mais um caso na vida de Harry Hole - uma mulher é encontrada morta na banheira do seu apartamento, sem um dos dedos da mão e junto dela é encontrado um diamante vermelho, conhecido nalguns meios como a Estrela do Diabo.
Com o decorrer da leitura, vamo-nos apercebendo de que, na realidade, Harry Hole está a passar por uma fase má na sua vida, aparentemente relacionado com coisas que se passaram nos 4 volumes anteriores. Bebe cada vez mais e anda obcecado por desmascarar a índole duvidosa do colega Tom Waaler, com quem terá de trabalhar neste caso, que acaba por não ser um homicídio isolado e caminha para uma sucessão de assassínios em série. Para ajudar, devido ao seu comportamento inapropriado, esta será muito provavelmente a sua última investigação como detective e, para piorar ainda mais as coisas, a sua relação com Rakel não está a atravessar uma boa fase.
No entanto, nada disto parece perturbar a investigação dos homicídios que, acaba por ser um pouco secundária, sendo que a verdadeira história que acaba por ser contada aqui é a das suspeitas que Harry tem sobre Tom Waaler, o detective estrela lá do sítio, e a história de um Harry Hole que conheço em plena queda e acaba a redescobrir muitas coisas pelas quais ainda vale a pena viver.

De uma forma geral, não houve grandes surpresas no desfecho do livro porque todas dicas que foram sendo dadas, apontavam apenas para um caminho. Nesse aspecto, embora não goste de ser enganada, neste tipo de livros uma pequena surpresa no fim é sempre bem-vinda. Parece-me que este volume terá servido um pouco para reabilitar a personagem de Harry Hole e o seu objectivo não era ser apenas mais um policial. No entanto gostei, gostei da escrita, gráfica q.b. e bastante fluída. Gostei das personagens e, embora tenha achado Harry Hole um pouco estranho , a verdade é que é muito fácil gostar dele porque, é claramente um bom rapaz. :)

Por isto e mais algumas razões recomendo sem qualquer hesitação.

Boas leituras! :)

Excerto (pág. 11-12):
"A água não demorou muito tempo a encontrar um caminho através do chão, sob o soalho. Para além da infiltração em 1968 - no mesmo ano em que fora colocado o novo telhado sobre a casa -, os soalhos de madeira tinham permanecido imperturbáveis, a secarem e contraírem-se, de modo que a fenda entre as duas tábuas de sustentação interiores do chão tinham agora quase meio centímetro. A água pingava na viga por baixo da fenda, e continuava para oeste até à parede exterior. Aí infiltrava-se no estuque e na argamassa que fora misturada há cem anos, também a meio do verão, por Jacob Andersen, um mestre pedreiro e pai de cinco. Andersen, como muitos pedreiros da época em Oslo, misturava a sua própria argamassa e estuque para as paredes. Para além de ter a sua própria mistura de cal, areia e água, também tinha os seus ingredientes especiais: pêlo de cavalo e sangue de porco. (...) Alguns dos pedreiros consideravam aquilo imoral, outros pensavam que ele estava conluiado com o Diabo, mas a maior parte apenas se ria dele."

agosto 24, 2014

Anatomia dos Mártires - João Tordo


Título original: Anatomia dos Mártires
Ano da edição original: 2011
Autor: João Tordo
Editora: Publicações D. Quixote

“Um jornalista insensato e ambicioso quer provar ao seu editor – um comunista irascível, alcoólico e com bastante desprezo pelos jovens – que não é só mais um na redacção. Escolhido para ir a Berlim entrevistar o biógrafo de um mártir religioso, aproveita a deixa para fazer, no seu artigo, uma analogia com a história de Catarina Eufémia, a camponesa que se tronou um ícone do Partido Comunista, mas de quem, na verdade, pouco ou nada sabe. Quando, porém, o artigo é publicado, as reacções de indignação por parte dos leitores não se fazem esperar, algumas das quais bastante ameaçadoras; e, na noite em que o editor é encontrado na rua em coma, aparentemente brutalizado, o jornalista pergunta-se se não terá sido por defender publicamente o seu artigo e começa a suspeitar de que existe muito mais em jogo do que a simples memória de uma camponesa assassinada pela GNR durante a ditadura. É então que decide investigar obsessivamente a vida de Catarina, desbravando por entre o nevoeiro que paira sobre os mártires e os transforma em mitos de que sempre alguém se apodera. E encontra realidades bem distintas – e mais tenebrosas – do que podia esperar.”

João Tordo tem sido um escritor que me tem dado algum gozo conhecer. Com Anatomia dos Mártires, embora o tema seja muito interessante e as reflexões que faz muito pertinentes, achei-o um pouco repetitivo ao longo de todo o livro, o que me deu uma sensação de estagnação. Ao longo da leitura só me lembrava de uma crítica algures que dizia que João Tordo utilizava demasiadas provocações, referindo-se muito a acontecimentos já passados mas dos quais o leitor nada sabe, ou seja levanta muito a ponta do véu e no fim, debaixo do véu não havia assim nada de muito extraordinário. Confesso que este Anatomia dos Mártires é um pouco assim. Não é que me tenha sentido defraudada nas minhas expectativas, mas esta técnica de prender o leitor à história terá sido utilizada em demasia. :)

Expectativas à parte, o meu gosto na descoberta de João Tordo em nada foi beliscado por este livro menos ao meu gosto. A escrita dele agrada-me e a forma como ele nos apresenta uma história, como explora as personagens e nos mantém interessados é algo com o qual me identifico. Neste Anatomia dos Mártires gostei sobretudo do tema. Da reflexão que faz sobre a relação das pessoas com a política, das crenças humanas e da religião. Gostei da interpretação que dá as estas personagens que vivem muito para além dos seus feitos, como Catarina Eufémia, nome que não me era estranho, mas não sabia ao certo quem era e qual o papel que lhe coube numa época tão cheia de mártires.
Achei a caracterização da personagem principal, o jornalista, muito bem conseguida. A representar muito bem a soberba dos jovens, o facto de acreditarmos que sabemos tudo e que não existe nada que a geração que nos criou tenha para nos ensinar. A ignorância de toda uma geração sobre um dos, senão mesmo o mais importante acontecimento da nossas vidas, como país e como sociedade, o 25 de Abril de 1974 e toda a luta que o tornou possível.
O jornalista representa a geração daqueles que ficou sem nada por que lutar, uma geração sem ideologias, sem fé, um pouco desenraizada da terra, culturalmente europeu, uniformemente europeu, sem nada que o distinga de um alemão ou francês.
Um jovem adulto, não estou a falar da geração que agora atravessa os 20, mas dos que já entraram há muito nos 30 e se aproximam dos 40, os filhos da revolução dos cravos. Um homem, adulto, egoísta, que não soube lidar com a morte da mãe e não sabe como viver com o envelhecimento do pai, que despreza e praticamente abandona. A forma como este homem lida com o pai é, à falta de melhor expressão, chocante. Um homem que vive obcecado consigo mesmo, até quando pensa que está a fazer coisas pelos outros, é só em si e na sua sanidade mental que pensa.
Este jornalista parece horrível... e na realidade não me ocorre nada de muito positivo sobre ele. É depressivo, centrado em si, incapaz de assumir responsabilidades pelos seus actos.

Resumindo, a história é boa, as personagens estão bem construídas. O que me deixou um travo amargo foi a repetição de ideias que acabam por não ser mais desenvolvidas a cada repetição e o uso excessivo do "se eu soubesse na altura o que ia acontecer...". Tirando isso, gostei. Não é o meu preferido dele, mas acho que tem coisas muito boas que fazem com que o recomende sem hesitações.

Boas leituras!

Excerto (pág. 156):
"«Claro que estás enganado. Olha para o país à tua volta: quem é que grita à porta dos tribunais hoje em dia? São as mulheres. Quem é que vai à frente das manifestações contra o governo? São as mulheres. Historicamente, elas tornam a repressão mais suave. Por um lado, e em certos contextos, são muito mais histriónicas; por outro têm a seu favor o poder da comoção, que lhes permite desafiar a autoridade.» Ouvi-a pigarrear. «Seria impensável que um polícia, hoje, se atrevesse a tocar numa mulher, que carrega um filho ao colo, pelo menos numa sociedade democrática. Ou talvez tenha sido isso que pensou Catarina e as outras mulheres que a acompanhavam: que, apesar de não conhecerem a democracia ou nunca terem ouvido falar nela, que nem uma besta como o tenente Carrajola se atreveria a tocar-lhe mesmo debaixo de um regime que usava a força como modo de repressão. Teoricamente, está correcto: é uma demonstração de força e, ao mesmo tempo, de fragilidade. Faz parte do reportório da resistência, em situações de manifestação, que os mais fracos tomem a liderança.»
«Enganaram-se.» rematei.
«E não nos enganamos todos?» (...) "

agosto 03, 2014

As Memórias de Cleópatra (2º Vol) - O Signo de Afrodite - Margaret George

Título original: The Memoirs of Cleopatra
Ano da edição original: 1997
Autor: Margaret George
Tradução: Sérgio Gonçalves
Editora: Saída de Emergência

"A autora do best-seller mundial A Paixão de Maria Madalena está de volta com o segundo volume de um convite irrecusável: a visita ao Antigo Egipto e à vida de Cleópatra, a rainha do Nilo. Escritas na primeira pessoa, As Memórias de Cleópatra começam com as suas recordações de infância e vão até ao seu glorioso reinado, quando o Egipto se torna um dos mais deslumbrantes reinos da Antiguidade. Mas, mais do que uma saga fascinante sobre ambição, traição e poder, As Memórias de Cleópatra são uma grande história de amor.
Na riqueza e autenticidade das personagens, cenários e acção, As Memórias de Cleópatra são um triunfo da ficção. Misturando história, lenda e a sua prodigiosa imaginação, Margaret George dá-nos a conhecer uma vida e uma heroína tão magníficas que viverão para sempre."

Terminado o 2° volume da trilogia que Margaret George dedicou a Cleópatra - As Memórias de Cleópatra - continuo moderadamente impressionada com a história que nos é contada. Cleópatra é, sem qualquer dúvida uma personagem histórica fascinante, no entanto continuo a sentir alguma estranheza na forma como a autora decidiu abordar a vida de Cleópatra, a Rainha do Egipto. Para mim está demasiado romanceada e, de certa forma, demasiado centrada nos homens da vida dela, Júlio César no 1º volume e, Marco António neste 2° volume. Estranhezas à parte, gostei mais deste volume e da vida de Cleópatra com Marco António. Este romano pareceu-me de longe bem mais interessante do que César! ;)

Neste O Signo de Afrodite, segunda parte das "Memórias de Cleópatra", a ainda Rainha do Egipto encontra-se a recuperar do choque que foi o assassinato de César e, depois da longa temporada que passou em Roma, regressa ao Egipto, para junto dos seus.

Enquanto recupera em Alexandria, o mundo romano movimenta-se para que o lugar de Júlio César não fique por ocupar muito tempo e para que o legado deste não seja usurpado pelos que planearam a sua morte. A ele correm Octávio, Marco António e Lépido. Como nenhum dos três vence, acabam por formar um triúnviro, uma espécie de liderança tripartida do vasto império romano, sendo que uns estão mais dispostos a partilhar que outros.
Depois destes três derrotarem Cássio e Bruto, os assassinos de César, Marco António, ainda no Oriente chama Cleópatra a Tarso, onde está acampado a reunir homens para os triúnviros, para que esta se defenda dos boatos de que teria ajudado Cássio e Bruto, com navios da sua frota. Cleópatra, decidida a não dar parte de fraca e a não perder a independência do Egipto, vai até Tarso, mas quem domina o encontro é ela, não Marco António. :)
A partir deste encontro, Cleópatra redescobre a vontade de viver e de partilhar a sua vida com outro homem, algo que ela não achou possível depois de César. Marco António é completamente diferente de César, mais humano, é um homem divertido que gosta de estar com as pessoas. É um apaixonado pelo Oriente e o seu exotismo. Completamente apaixonado por Cleópatra, vai fazer tudo para que a relação dos dois resulte. Num mundo em guerra, na qual ele é um dos protagonistas, este equilíbrio entre o que se quer e o que efectivamente se pode ter é complicado de conseguir e manter. Mas ele esforça-se. :)

Os dois mantêm uma relação bonita, sincera e intensa, os dois a tentar evitar que a política se intrometa entre os dois, algo que nem sempre conseguem, afinal de contas ela é a Rainha do Egipto e ele um dos mais promissores candidatos ao lugar de César.

Este é um volume onde se explora mais o lado pessoal de Cleópatra, como mulher e como mãe, uma vez que no primeiro ela estava demasiado ligada a César e aos objectivos dele e de Roma, não havendo muito espaço para ela. Neste segundo volume a postura dela é diferente, mais madura, a orientar Marco António, a espicaçar nele a ambição de ser mais. Embora não existam dúvidas de que ama Marco António, provavelmente mais do que amou César, o homem, a realidade é que, sem um Marco António forte Cleópatra teria muita dificuldade em manter a independência do Egipto e, portanto existe obviamente algum interesse político na ligação pessoal que tem com ele e na forma como o influencia.

Neste segundo volume deixamos Roma, a cidade, para trás,e passamos mais tempo em Alexandria e nos territórios conquistados. Apercebemo-nos da riqueza do Egipto, da organização que tinham, da forma como viviam, tão diferente da vida em Roma, e das suas crenças.

Como disse, a escrita de Margaret George não me convence e a forma como conta a história não é a que mais me agradaria, no entanto, de uma forma geral, estou a gostar de conhecer as memórias de Cleópatra. Acho que os livros valem pela história e pela personagens históricas, já de si muito interessantes.

Gostei e, até agora recomendo. :)

Boas leituras!

Exerto (pág. 132):
"Ser-se estadista significa ser-se mestre em  muitas áreas - até nas mais improváveis. Enquanto adormecia, eu sabia que tinha aprendido aquilo com César, e que ele teria orgulho de mim. Tinha orgulho de mim. Talvez António estivesse certo. Ele sabia que eu podia travar as minhas próprias batalhas."

julho 06, 2014

Feira do Livro de Lisboa - 2014

Embora a Feira já tenha acabado há umas semanas, a verdade é que não tenho tido oportunidade de actualizar este meu cantinho com a frequência que gostava... E a Feira do Livro este ano foi um pouco como o blogue, estou mesmo lá ao lado e apenas consegui ir lá uma vez para comprar livros. :)

Estes foram os que vieram comigo para casa (curiosamente todos de autores portugueses):

João de Melo - "O Mar de Madrid" -  Para os livros de João de Melo não preciso de justificação. São bons e eu gosto, portanto tenho de os ter aqui por casa.

"A primeira vez em que viajou até ao país vizinho, Francisco Bravo Mamede, o senhor poeta, viu que as cidades de Espanha ficavam no fim de todos os caminhos. Para se ir de uma para a outra, e não havendo passagem para a cidade seguinte, andava-se por ali ao deus-dará, às voltas e mais voltas para não se enredar a gente no fio de orientação que levava para fora do emaranhado urbano, como quem procura e finalmente encontra a porta de saída de uma casa desconhecida. Ia-se então adiante, sem rumo nem certeza alguma sobre a hora de chegada ao destino que se havia traçado (se haciendo el camino al andar, como no verso do querido mestre Antonio Machado) - e logo toda ela se recortava ao longe, muito nítida de luz, como um baixo-relevo que emergisse do fundo da paisagem."

Patrícia Reis - "Por Este Mundo Acima" - Desta autora apenas li um livro "Morder-te o Coração" (opinião aqui) e a verdade é que me deixou uma boa impressão. Achei que estava na altura de voltar a ler alguma coisa dela.

"Um cenário de terrível desastre assola Lisboa. Poderia ser em qualquer outro lugar do mundo. Os escombros passam a ser paisagem, a cidade e as relações humanas transformam-se vertiginosamente. Entre os sobreviventes há um homem, um velho editor. Procurando amigos e amores desaparecidos encontra um manuscrito e um rapaz e, neles, a porta para uma outra dimensão da vida.
Por Este Mundo Acima é uma peregrinação futurista e um relato de memória. Consagração dessa melhor forma de amor a que chamamos amizade, é também uma história sobre a importância redentora dos livros."




José Luís Peixoto -  "Nenhum Olhar" - Depois de "Livro" (opinião aqui) de que gostei muito, nunca mais li nada de José Luís Peixoto. A principal razão creio que tem sido o preço dos livros dele... Este, comprei-o num dos alfarrabistas e, para além de estar em excelentes condições, traz como brinde a assinatura do escritor. :)

"Numa aldeia do Alentejo, com um pano de fundo de uma severa pobreza, o autor vai tecendo histórias de homens e mulheres, endurecidos pela fome e pelo trabalho, de amor, ciúme e violência: o pastor taciturno que vê o seu mundo desmoronar-se quando o diabo lhe conta que a mulher o engana; o velho e sábio Gabriel, confidente e conselheiro; os gémeos siameses Elias e Moisés, cuja terna comunhão se degrada no momento em que um deles se apaixona; ou o próprio Diabo. As suas personagens são universais, assim como a sua esperança face à dificuldade. «... a partir da segunda ou terceira sequência ficamos seguros de que a inclinação é fatal: vamos embater num limite, num muro, num enigma, na origem do mundo e no desastre final...»"


Embora só lá tenha ido uma vez para comprar livros para mim, estive lá no dia da criança com as minhas pipocas e este ano já foram elas a escolher os livros para elas. Dentro do que conseguiam ver, dada a multidão que deambulava por lá... :)

Quiseram livros da Dora, A Exploradora e foi isso que levaram para casa. :)




As visitas relâmpagos que fiz ao recinto, depois de sair do trabalho já tarde, sem tempo para uma voltinha a sério, foram para matar a gula de doces, com as Bolas da Praia e as farturas! :p

E foi a Feira do Livro deste ano. Achei-a mais dinamizada, mais atractiva e o facto de terem começado mais tarde foi uma boa ideia. Apanharam a semana dos feriados em Lisboa e o tempo esteve fantástico.


Para o ano há mais! Espero ter mais tempo para gastar dinheiro!

Boas leituras!

julho 05, 2014

Um Gato, um Chapéu e um Pedaço de Cordel - Joanne Harris

Título original: A Cat, A Hat and a Piece of String
Ano da edição original: 2012
Autor: Joanne Harris
Tradução do Inglês: Ana Saldanha
Editora: Edições Asa

"Crianças de vida difícil e coração vibrante, fantasmas domésticos, velhas senhoras em busca de aventura, uma paixão impossível sob os céus de Nova Iorque, a improvável magia de uma sanduíche, as extravagâncias a que a saudade obriga...
O universo romântico, místico e sempre especial de Joanne Harris está de volta em dezasseis histórias que são como bombons: deliciosas, tentadoras e irresistíveis."
 
Não é nos contos que o talento e encanto de Joanne Harris mais se destacam. Esta colectânea tem alguns bons momentos mas, no geral, não é memorável.
Gostei de reencontrar as simpáticas velhotas, Faith e Hope,  do  Danças & Contradanças (comentário aqui), das quais é impossível não gostar.
Gostei particularmente da primeira história, "Canção do Rio", cuja menina me fez lembrar a saudosa Framboise de "Cinco Quartos de Laranja" (comentário aqui). :) E gostei das duas bonitas histórias de amor, "Fantasmas na Máquina" e "Dríade".
As que referiam poderes sobrenaturais, os Deuses ou Aspectos não me cativaram por não ser um universo que conheça ou associe à escritora e porque as histórias em si me pareceram mais direccionadas para um público juvenil.
 
Embora goste muito de Joanne Harris, já aqui tinha dito que nos contos ela perde algum do brilho que lhe é tão característico e, embora a imaginação faça claramente parte das histórias, parece que a autora se perde um pouco sem saber como lidar com o formato conto.

De uma forma geral é um livro que acima de tudo entretém e que, embora não vá ficar na minha memória por muito tempo, acho que é um livro que vale a pena ler. Além disso, o título do livro é bonito e a capa é mais uma vez bem catita!!! :)

Recomendo sempre Joanne Harris e este não será a excepção.
 
Boas leituras!

Excerto (pág. 202):
"Ele sente o coração a bater com força.
Ela sente a cabeça a andar à roda.
E se ela não estiver lá?, pensa ele.
E se ele não vier?, pensa ela.
E ele escreve: Há uma coisa que precisas de saber.
E ela escreve: Há uma coisa que eu não disse.
Mas agora também os computadores foram abaixo; o ecrã está em branco; não se vê nada a não ser o cursor a piscar contra um fundo azul; não se sente nada a não ser a linha Braille paralisada na sua onda final."

junho 22, 2014

Crime e Castigo - Fiódor Dostoiévski

Título original: Prestuplénie i Nakazánie
Ano da edição original: 1866
Autor: Fiódor Dostoiévski
Tradução do Russo: Nina Guerra e Filipe Guerra
Editora: Editorial Presença

"Com Crime e Castigo, a Editorial Presença inaugura a publicação da obra de um dos maiores escritores de sempre, numa nova e criteriosa tradução, feita directamente a partir do russo. Datado de 1866, este é o primeiro dos grandes romances que Dostoiévski escreveu já na plena maturidade literária, e provavelmente, a mais bem conhecida de todas as suas obras. Recriando um estranho e doloroso mundo em torno da figura do estudante Raskólnikov, perturbado pelas privações e duras condições de vida, é uma das obras por excelência fundadoras da modernidade. Pelo inexcedível alcance e profundidade psicológica, sobretudo no que implica a exploração das motivações não conscientes e a aparente irracionalidade nos comportamentos das personagens, este autor russo tornou-se uma referência universal na literatura, sem perda de continuidade até aos nossos dias. Esta nova versão em língua portuguesa das obras de Dostoiévski, cuja qualidade permite ao leitor fruir plenamente da extraordinária riqueza dos textos originais, é da responsabilidade de Nina Guerra e Filipe Guerra."

Sem grande inspiração para opinar sobre tão grande obra... Como é que vou dar a volta a isto? Esta é uma dificuldade que me assalta, normalmente quando sinto que me faltam capacidades (e tempo) para uma análise mais profunda de uma obra que de certeza o merecia. Depois penso, o que posso dizer sobre este clássico e que já não tenha sido dito? Dilemas e mais dilemas, piores só mesmo os que assaltam Raskólnikov durante todo o livro. :) Enfim, vamos manter isto simples.

Raskólnikov é um ex-estudante de direito, que deixou os estudos, aparentemente por falta de condições económicas para continuar a sua formação. Digo aparentemente, porque ao longo do livro o próprio Raskólnikov admite que se deixou cair numa prostração e falta de vontade, passando dias inteiros fechado no seu cubículo minúsculo e claustrofóbico, e que poderia ter continuando a pagar os estudos com as explicações que dava a acabou por abandonar.
Quando conhecemos Raskólnikov este já nos é apresentado como alguém com um feitio complicado, dado a explosões de raiva quando é contrariado, com súbitas mudanças de humor e, embora já nessa altura ande atormentado pela possibilidade de levar a cabo o plano monstruoso que traçou, a verdade é que esta é uma característica que todos os que lhe são próximos lhe atribuem, é temperamental e irritadiço. No entanto, também o conhecemos como uma pessoa desapegada dos bens materiais, que é capaz de dar a sua última moeda a desconhecidos apenas e só porque lhe parece a coisa certa de se fazer naquele momento. Posto isto, as razões que levaram este jovem a planear e executar o assassínio da "velha", uma agiota cujo negócio é a compra e venda de objectos de valor, são ainda menos racionais e objectivas. Embora possa parecer que o fez por dinheiro, a verdade é que, Raskólnikov não ficou mais rico e o medo de ser descoberto quase o matou.

Já aqui se disse que Raskólnikov era especial, tinha um temperamento difícil, vivia angustiado pela normalidade da sua vida e confessa, algures no livro, que o principal motivo para assassinar a velha foi o tentar perceber a que categoria de humanos pertencia, se era alguém superior, que ultrapassava limites e regras estabelecidas, sem ser apanhado e sem ser alterado por isso. Raskólnikov vivia obcecado com esta questão, seria ele capaz de cometer assassinato e conseguir escapar impune, vivendo o resto da sua vida sem qualquer arrependimento? Que tipo de pessoa é então Raskólnikov? Um ser extraordinário ou apenas uma pessoa normal? A verdade é que vi muito pouco arrependimento em Raskólnikov, vi muito medo de ser descoberto, vi muita frustração por não encontrar nele a capacidade de enganar os outros, de não conseguir controlar o seu temperamento. Vi essencialmente um Raskólnikov desiludido com o facto de ter chegado à conclusão de que afinal seria apenas uma pessoa "normal" e com enorme dificuldade em aceitar esse facto. Arrependimento pelo acto em si, nunca o senti da parte de Raskólnikov, pela morte da "velha" nunca, pela morte de Lizaveta a irmã da velha, talvez alguma pena pelo azar que a rapariga teve ao aparecer naquela altura. Por isso, Raskólnikov, para mim, estaria longe de ser uma pessoa "normal" e, embora tenha sido apanhado, mais por sua culpa que por habilidade dos que investigavam os crimes, a verdade é que, noutras circunstâncias, acredito que Raskólnikov teria conseguido viver com o facto de ter tirado a vida, de forma brutal, a duas pessoas.

Paralelamente surgem outras histórias e personagens que apenas tornam a acção de Raskólnikov ainda mais incompreensível. Idolatrado pela mãe e irmã, inteligente, com alguns amigos fiéis, enfim, com tudo para ser alguém na vida e ser feliz, é difícil perceber o que leva Raskólnikov a fazer o que faz, a pensar da forma que pensa Eu, na minha "normalidade" apenas consigo entender a necessidade de Raskólnikov e justificá-la se pelo meio houver referência a doença mental. De outra forma, o mundo seria um lugar demasiado assustador! :)

Concluindo, este é mais um grande livro do genial Dostoiévski, provavelmente o maior. Mais um grande livro sobre obsessões, paranóias, defeitos de carácter e personagens irracionais e desequilibradas na sua aparente normalidade. Mais um grande livro com uma escrita envolvente e uma história dos diabos! :)

Como é óbvio, recomendo. Mais do que recomendar, é de leitura obrigatória!

Boas leituras!

Excerto:
"De repente, parou; uma questão nova, inesperada e extremamente simples fê-lo perder o tino e espantou-o amargamente: «Se tudo aquilo foi feito conscientemente, e não por estupidez, se foi de facto um desígnio teu determinado e firme, porque não abriste ainda o porta-moedas e não sabes sequer quanto te rendeu o acto tão vil, tão abominável e tão abjecto que cometeste conscientemente? Não quiseste até atirá-lo à água, o porta-moedas, juntamente com os outros objectos que também ainda mal viste?... Como é então?»"