março 16, 2014

A Glória dos Traidores - George R. R. Martin


Título original: A Storm of Swords (part 2)
Ano da edição original: 2000
Autor: George R. R. Martin
Tradução: Jorge Candeias
Editora: Saída de Emergência

"O bafo cruel e impiedoso do Inverno já se sente. Quando Jon Snow consegue regressar à Muralha, perseguido pelos antigos companheiros do Povo Livre, não sabe o que irá encontrar nem como será recebido pelos irmãos da Patrulha da Noite. Só tem uma certeza: há coisas bem piores do que a hoste de selvagens a aproximarem-se pela floresta assombrada.   O Jovem Lobo também está em viagem, na companhia da mãe e do tio, numa tentativa de reconquistar duas coisas fundamentais para os Stark: a aliança da Casa Frey e o Norte. A primeira parece bem encaminhada, mas é sabido como o velho Walder Frey é traiçoeiro. Quanto à segunda, é uma incógnita, pois a tarefa que lhe cabe é quase impossível: conquistar Fosso Cailin a partir do sul.   Em Porto Real, há dois casamentos em perspectiva, qual deles o mais importante para o destino dos Sete Reinos. Mas quem sabe o que os caprichos do destino têm reservado para os noivos? Jaime Lannister, agora mutilado, regressa para junto dos seus sem saber o que o aguarda. E do outro lado do mar, o poder dos dragões renasce, com Daenerys à cabeça de uma hoste de eunucos treinados para a guerra e finalmente rodeada de amigos. Mas serão esses amigos... dignos de confiança?"

*Pode conter spoilers*

Oh boy! Oh boy! Ohhh boy!!! É o que apetece dizer depois de terminar o 3º volume (6° nas edições da Saída de Emergência) da saga As Crónicas de Gelo e Fogo, de George R. R. Martin. Este é, até agora, dos melhores da saga. Cheguei a pensar que não ia sobrar ninguém vivo e a mexer... :)
Nem sei bem o que posso dizer aqui sem estragar todos os acontecimentos do livro... Vou ser sucinta.

Em Porto Real todos se preparam para o casamento de Joffrey com Margeary Tyrell uma união que os Lannister desejam e necessitam para ganhar a guerra e manterem Joffrey no trono de ferro. 
Tyrion ainda não se adaptou ao papel que o pai lhe reservou e anda meio perdido até ao dia em que... tudo muda e o Lannister mais novo se vê outra vez, entre a vida e morte, a lutar para manter a cabeça agarrada ao corpo.
Jaime Lannister regressa, são e salvo, para os braços da sua Cersei mas não parece encontrar nisso grande conforto. Tudo aquilo por que passou parece tê-lo mudado mais do que seria de esperar. À semelhança do irmão Tyrion, sente alguma dificuldade em reencontrar o seu lugar em Porto Real e em seguir aquilo que o pai espera dele.

A, até agora, gloriosa caminhada do Jovem Lobo até à vitória, parece estar prestes a terminar. Os homens do norte vão sofrer um inesperado golpe que parece acabar definitivamente com as pretensões dos Stark ao trono dos Sete Reinos. E sobre os Stark mais não digo. O autor George R. R. Martin parece ter desenvolvido uma aversão qualquer aos Senhores de Winterfell. Por mais voltas que o mundo dê, para os Stark não existem segundas oportunidades. :/

Sammy e Gilly, na sua fuga aos Outros, com dificuldade em encontrar o caminho que os levará até à Muralha de gelo, são salvos de um ataque das criaturas de olhos azuis, por um misterioso cavaleiro de mãos frias e vestido de negro. Quem é este homem que os leva até onde Bran e os seus jovens companheiros se encontram abrigados? Quem é este homem que pede a Sammy que traga Bran até ele?

Jon Snow enfrenta a desconfiança dos irmãos de negro quando regressa à Muralha, depois de ter viajado com os selvagens que seguem Mance, o Rei-para-lá-da-Muralha. No entanto, o tempo escasseia, pois hostes de selvagens e gigantes dirigem-se para a Muralha com a intenção de a atravessar. Nem eles querem continuar a viver do mesmo lado que os Outros. A batalha vai ser sangrenta e Jon, sem nunca esquecer Ingrid, vai ter oportunidade de provar aos irmãos de que nunca os traiu.

Daenerys, a Mãe dos Dragões, continua a sua caminhada até Westeros, conquistando cidade atrás de cidade e reunindo um batalhão impressionante de fiéis seguidores. A traição espreita e ronda mas nada parece travar a ascensão dela. Entretanto os dragões continuam a crescer... :)

Esta segunda parte do 3º volume está cheia de surpresas, de segredos revelados e de mortes violentas e inesperadas. É um volume que nos deixa com o coração nas mãos, sempre à espera que uma das "nossas" personagens deixe de existir... :) 
Este deve ser dos mais importantes para a evolução da história e todas as personagens, sem excepção, evoluem de forma abismal.

Este, acho que chega às 5 estrelas! É muito bom... :)

Termino como comecei: Oh boy! Isto promete...

Boas leituras!

Excerto:
" - És um verdadeiro rei? - perguntou Jon de súbito. - Nunca tive uma coroa na cabeça nem sentei o cu na porcaria de um trono, ser é isso que estás a perguntar - respondeu Mande. - O meu nascimento é tão baixo como poderia ser, nenhum septão me besuntou a cabeça com óleos não sou dono de castelos, e a minha rainha usa peles e âmbar, e não seda e safiras. Sou o meu próprio campeão, o meu próprio bobo, e o meu próprio harpista. Não te tornas Rei-para-lá-da-Muralha por causa de quem foi o teu pai. O Povo Livre não seguirá um nome, e não se importam com qual dos irmãos nasceu primeiro. Seguem lutadores. Quando abandonei a Torre Sombria, havia cinco homens a fazer ruído acerca de como podiam ser do material de que são feitos os reis. Tormund era um, Magnar outro. Matei os outros três, quando tornaram claro que preferiam lutar a seguir-me. - Podes matar os tais inimigos - disse Jon sem rodeios - mas serás capaz de governar os teus amigos? Se deixarmos o teu povo passar, és  suficientemente forte para os fazer manter a paz do rei e obedecer às leis? - Às leis de quem? Às leis de Winterfell e de Porto Real? - Mande soltou uma gargalhada. - Quando quisermos leis, faremos as nossas. Podes fixar também com a tua real justiça e os teus reais impostos. Estou a oferecer-te o corno, não a nossa liberdade. Não nos ajoelharemos perante vós."

março 09, 2014

El Cuaderno de Maya - Isabel Allende

Título original: El Cuaderno de Maya
Ano da edição original: 2011
Autor: Isabel Allende
Editora: Debols!llo

"Soy Maya Vidal, diecinueve años, sexo femenino, soltera, sin un enamorado, por falta de oportunidades y no por quisquillosa, nacida en Berkley, California, pasaporte estadoudinense, temporalmente refugiada en una isla al sur del mundo. Me pusieron Maya porque a mi Nini le atrae la India y a mis padres no se les ocurrió otro nombre, aunque tuvieron nueve meses para pensarlo. En hindi, maya significa «hechizo, ilusión, sueño». Nada que ver con mi carácter. Atila me calzaría mejor, porque donde pongo el pie no sale más pasto."

Sou fã da Isabel Allende não só porque a escrita me agrada e as histórias são sempre diferentes, mas também porque se sente que ela trabalha muito para chegar ao produto final, para que tudo o que lemos, faça de uma forma ou de outra sentido, para que as personagens sejam credíveis e os acontecimentos realistas. Gosto principalmente das personagens que cria, normalmente mulheres que ficam connosco depois de lermos a última palavra e fecharmos os livros. El Cuaderno de Maya (edição portuguesa: O Caderno de Maya - Porto Editora) não é uma excepção e nesse aspecto é definitivamente um livro típico da Isabel Allende, a novidade está na época. A história que Maya Vidal escreve no seu caderno é actual. No mundo de Maya existem telemóveis e internet e não se anda a cavalo, mas sim de carro e de avião. :)

Maya Vidal é uma jovem que foi criada pelos avós, o seu Popo e a sua Nini. A mãe deixou-a nos braços do avô com poucos meses de vida, e partiu para a Europa. O pai é piloto e passa temporadas sem vir a casa. Embora goste muito da filha, não existem dúvidas em relação a isso, não tem grande vocação para as coisas de pai. 
Maya cresce protegida pela excentricidade da avó, Nidia Vidal e pelo  amor incondicional do avô, Paul Ditson II. 
Nidia Vidal é chilena, uma das muitas pessoas que abandonaram o Chile após o golpe de estado que matou Salvador Allende e deu início ao período negro de Pinochet. É uma mulher aguerrida e cheia de superstições, que luta para poder dar ao filho um futuro melhor. Encontra o amor da sua vida, Paul Ditson, no Canadá, um professor e astrónomo que não resiste aos encantos da explosiva chilena. Partem para os EUA, casam-se e só a morte os irá separar muitos anos depois.
Maya cresce rodeada de amor, de atenção e de liberdade. É uma miúda inteligente, sonhadora e é nitidamente uma criança feliz. Ninguém poderia sequer imaginar os problemas em que se vai meter...

Quando, o avô morre com um cancro, Maya perde o norte. O seu Popo era a sua vida, o seu pilar. Ele tinha prometido que nunca a iria deixar sozinha... A agora adolescente, enraivecida e a sofrer, começa a consumir drogas, a mentir, a enganar, a perder-se. A avó, também ela alienada pela morte do marido, não se apercebe do que está a acontecer com a neta, uma miúda sempre tão doce e equilibrada.
De alhada em alhada, Maya acaba numa clínica de reabilitação em Oregón, de onde foge acabando sozinha em Las Vegas, a cidade do dinheiro e do vício. Em Las Vegas, Maya conhece Brandon Leeman, um traficante conhecido da zona para quem começa a trabalhar, traficando para ele. Numa descida alucinante aos infernos Maya, bate no fundo e quando a avó finalmente a encontra, a neta está irreconhecível.
Envolvida em actividades ilícitas em Las Vegas, e cúmplice num caso de falsificação de notas, Nidia manda Maya, depois de recuperada das suas dependências químicas, para Chiloé, para junto de um amigo de longa data para que a neta possa recuperar e restabelecer-se e não ser encontrada pelas autoridades e criminosos que julgam andar atrás dela.
Isolada do mundo, em Chiloé, a rapariga vai reaprender a viver e a conhecer-se a si própria. Manuel, o amigo da avó que a acolhe é um sexagenário reservado e austero, ele próprio com traumas por resolver, vê a sua vida virar-se do avesso com a chegada de uma jovem, de cabelo rapado e muito intrometida. A relação destes dois é enternecedora e estas duas personagens juntas, são das melhores duplas que Isabel Allende já criou.
Chiloé e as suas gentes parecem mágicos. Chilóe é um lugar onde todos se conhecem e todos se ajudam e tudo se resolve e é lá que Maya vai encontrar o seu lugar no mundo.

Resumindo e baralhando, El Cuaderno de Maya é um livro com muitas passagens feias e duras de ler, mas é na realidade um livro com uma história humana bem bonita. :)

Recomendo sem reservas!

Boas leituras!

Excerto:
" - Mi Nini siempre ha sido ruda, Manuel, pero mi Popo era un caramelo, él fue el sol de mi vida. Cuando Marta Otter me llevó a la casa de mis abuelos, él me sostuvo contra su pecho con mucho cuidado, porque no había tomado a un recién nacido. Dice que él cariño que sintió por mí lo transtornó. Así me lo contó y nunca he dudado de ese cariño. (...) La inmensa presencia de mi Popo, con su humor socarrón, su bondad ilimitada, su inocencia, su barriga para acunarme y su ternura, llenó mi infancia. Tenía una risa sonora, que nacia en las entrañas de la tierra, le subía por los pies y lo sacudía entero. «Popp, júrame que no te vas a morir nunca», le exigía yo al menos una vez por semana y su respuesta era invariable: »Te juro que siempre estaré contigo»."

fevereiro 23, 2014

[Livro novo] Isabel Allende - O Jogo de Ripper

E já que estamos a falar de novidades literárias, aqui vai mais uma, desta vez de uma outra escritora de eleição, Isabel Allende e O Jogo de Ripper.

Sinopse (retirada do site da Wook)
"Indiana e Amanda Jackson sempre se apoiaram uma à outra. No entanto, mãe e filha não poderiam ser mais diferentes. Indiana, uma bela terapeuta holística, valoriza a bondade e a liberdade de espírito. Há muito divorciada do pai de Amanda, resiste a comprometer-se em definitivo com qualquer um dos homens que a deseja: Alan, membro de uma família da elite de São Francisco, e Ryan, um enigmático ex-navy seal marcado pelos horrores da guerra.

Enquanto a mãe vê sempre o melhor nas pessoas, Amanda sente-se fascinada pelo lado obscuro da natureza humana. Brilhante e introvertida, a jovem é uma investigadora nata, viciada em livros policiais e em Ripper, um jogo de mistério online em que ela participa com outros adolescentes espalhados pelo mundo e com o avô, com quem mantém uma relação de estreita cumplicidade.

Quando uma série de crimes ocorre em São Francisco, os membros de Ripper encontram terreno para saírem das investigações virtuais, descobrindo, bem antes da polícia, a existência de uma ligação entre os crimes. No momento em que Indiana desaparece, o caso torna-se pessoal, e Amanda tentará deslindar o mistério antes que seja demasiado tarde." 


Em breve a minha modesta opinião sobre o nada modesto "El Cuardeno de Maya" de Isabel Allende.

Boas leituras!

[Livro novo] Joanne Harris - Um Gato, um Chapéu e um Pedaço de Cordel

Já não será novidade, uma vez que já está à venda pelas livrarias desse país, mas a Joanne Harris tem livro novo e, mais uma vez, com uma capa deliciosa!

Sinopse (retirada do site da Wook)
«As histórias são como bonecas russas: abrem-se e em cada uma encontra-se uma nova.
As histórias neste livro são um pouco assim. Embora ao princípio não pareçam estar relacionadas, os leitores descobrirão que elas estão ligadas de várias maneiras, umas com as outras e também com os meus romances.
Para mim, as histórias são como mapas de mundos ainda por descobrir. Espero que estas vos levem a avançar um pouco mais por esse território inexplorado.»

Joanne Harris


"Crianças de vida difícil e coração vibrante, fantasmas domésticos, velhas senhoras em busca de aventura, uma paixão impossível sob os céus de Nova Iorque, a improvável magia de uma sanduíche, as extravagâncias a que a saudade obriga…
O universo romântico, místico e sempre especial de Joanne Harris está de volta em dezasseis histórias que são como bombons: deliciosas, tentadoras e irresistíveis."
Toca a comprar e a ler! :)
Boas leituras!

Ritual - Mo Hayder

Título original: Ritual
Ano da edição original: 2008
Autor: Mo Hayder
Tradução: Rosário Morais da Silva, Liliana Santos, Maria do Rosário Heitor, Lucília Tibério e Catarina Fonseca
Editora: Publicações Europa-América

"Nas águas do porto de Bristol, uma mergulhadora encontra a mão de um cadáver. Mais perturbante do que a ausência de um corpo é a descoberta, alguns dias depois, de uma mão. E todas as provas apontam para que o corpo tenha sido decepado ainda com vida.
Transferido de Londres, o agente Jack Caffery pertence à unidade de investigação criminal de Bristol e as suas buscas levam-no aos meandros de um submundo sinistro: o lugar mais terrível que já conheceu."

Já tinha saudades de ler um livro da Mo Hayder, autora cujos livros tanto me impressionaram e surpreenderam. Este Ritual, é o primeiro de três livros, série à qual a autora chama "The Walking Man" e onde "ressuscita" o inspector Jack Caffery, personagem que conheci no Os Pássaros da Morte, mais um livro a não perder desta autora de policiais verdadeiramente assustadores. :)

Ritual junta, Phoebe Marley, mais conhecida por Flea, e Jack Caffery. Flea pertence à equipa de mergulhadores da polícia e a sua missão é encontrar cadáveres no fundo de qualquer "poça" de água, tarefa na qual é muito boa. Flea é uma jovem insegura, que só se sente bem com o fato de mergulho vestido, no silêncio e escuridão das águas profundas. Perdeu os pais, também eles mergulhadores experientes, em Boesmansgat (Bushman's Hole - África do Sul), um dos lagos mais profundos do mundo e um dos sítios mais perigosos para mergulhar. Os seus corpos nunca foram recuperados e Flea vive atormentada pela culpa de não ter mergulhado com eles no dia em que morreram e obcecada com a recuperação dos corpos dos pais. Tem um irmão que sobreviveu ao mergulho em Bushman's Hole, mas que nunca recuperou psicologicamente do trauma daquele dia.

Flea e Caffery conhecem-se quando esta e a sua equipa de mergulho encontram no porto de Bristol uma mão, sem corpo, apenas uma mão. Uns dias depois, encontram a outra mão e continua a não existir um corpo e tudo leva a crer que as mãos foram decepadas de um corpo ainda com vida. A investigação torna-se então numa luta contra o tempo para que se encontre a vítima ainda com vida.
No decorrer da investigação a suspeita de que o crime poderá estar relacionado com rituais africanos muti torna-se cada vez menos uma suspeita e mais uma certeza. Como seria de esperar, fazer com que alguém fale sobre este assunto não será tarefa fácil e enquanto todos negam qualquer envolvimento com rituais Muti, vamos seguindo a espiral de loucura e depravação do responsável pelas mãos decepadas e assistimos ao sofrimento que este inflige à sua vítima.

E sobre a história terei de ficar por aqui para que nenhum dos leitores do Quero Um Livro sintam que acabei de lhes estragar a leitura do livro.

Mo Hayder cria um ambiente pesado, com personagens perturbadoras e perturbadas. As que são perturbadoras, andam cheias de ódio e as que são perturbadas, são pessoas cheias de traumas e vícios, ao ponto de se tornarem elas próprias perturbadoras e assustadoras.
A escritora põe a descoberto uma realidade feia, suja e perigosa que é a do mundo das drogas e do que se é capaz de fazer por mais um dose. Os prédios são escuros, cheiram mal e estão em avançado estado de degradação. Não muito diferentes das pessoas que por lá vagueiam.

Toca também o tema da emigração ilegal e legal, vinda do continente Africano, onde estes imigrantes se recusam a abandonar crenças ancestrais e trazem consigo costumes e maneiras de encarar o mundo completamente diferentes das existentes no Ocidente.

Se a estes dois temas juntarmos ainda a pedofilia... temos um livro que não será para todas as pessoas. Acho que é um livro pesado e sujo, mas nunca deixa de ser isso mesmo, um livro, uma história, embrulhada em realidades feias, mas sem deixar nunca de ser ficção.

Gosto de Mo Hayder e de Caffery, mesmo que neste Ritual ele esteja extremamente perturbado. Gosto da personagem fetiche da autora, mas até agora gostei mais dos dois livros em que ela foge ao mundo de Caffery. Isto para dizer que gostei muito deste Ritual, tal como gostei bastante do Os Pássaros da Morte, mas o que me fez voltar a ler Mo Hayder foram livros como Tóquio e A Ilha dos Porcos.

Posto isto, recomendo para quem gosta deste género de livros, com descrições mais realistas e com menos cuidados para com o leitor menos avisado. :)

Boas leituras!

Excerto:
"Para começar a rotina é a mesma - uma pancada na parte de trás do carro, depois a venda e a viagem aos solavancos. As portas abrem-se e fecham-se; depois a sensação áspera e quebradiça do sofá quando se senta, agora tem uma mola solta que lhe pressiona a parte de trás das coxas até se desviar um pouco. Mas, quando a venda é retirada, Skinny chora.
- O que é? - Mossy sente um nó de ansiedade na garganta. - Que se passa?
Skinny desvia o olhar dele. Passa o polegar e o indicador ao longo da comprida coluna que é a sua garganta e Mossy recorda a forma como, última vez sentiu o músculo a mover-se naquela garganta. Sente os nervos no estômago.
- Que é? - pergunta novamente. - Vá lá, homem, que é? Que querem eles desta vez?
Skinny olha para ele com os olhos rasos de água.
- Desculpa - diz ele, em voz sumida. - Desculpa, desculpa mesmo."

Nota para a edição: É má, tendo em conta o preço que a Europa-América pratica, exigia-se pelos menos uma revisão final para eliminar gralhas. Nesta edição são mais que muitas. Eu que nem sou de me chatear com isso, neste fez-me confusão.

janeiro 26, 2014

Desgraça - J. M. Coetzee

Título original: Disgrace
Ano da edição original: 1999
Autor: J. M. Coetzee
Tradução: José Remelhe
Editora: "Colecção BIIS" da Leya

"Com cinquenta e dois anos, o professor David Lurie perde o emprego e os amigos depois de um romance com uma das suas alunas, refugiando-se na quinta da filha, Lucy. As tentativas de David para se relacionar com Lucy e com uma sociedade feita de novas complexidades raciais são perturbadas por uma tarde de violência que os vai modificar, a ele e à filha, de uma forma que ele jamais poderia prever." 

J. M. Coetzee é um autor para o qual não devemos partir de ânimo leve. As suas histórias têm uma espécie de força para a qual temos de estar preparados . A violência, não apenas física, que lá vamos encontrar é, à falta de melhor palavra, desconcertante e toda a dinâmica que ele cria chega a ser desconfortável. 
Quando o título do livro é Desgraça, não podemos dizer que fomos apanhados desprevenidos.

(pode conter spoilers)

Desgraça passa-se na África do Sul, o país que todos conhecemos pelas piores razões, mesmo que pelo meio surjam coisas boas, quando o nome África de Sul surge, a nossa primeira reacção é, naturalmente, de apreensão. David Lurie é um dos brancos daquele país, tem cinquenta e dois anos, divorciado, com uma filha e professor universitário na Cidade do Cabo. Dá aulas apenas porque precisa da estabilidade financeira, não sente qualquer vocação e não sente por parte dos seus alunos qualquer afeição ou interesse particular pelas suas palestras literárias.
É, ao mesmo tempo, obstinado e fiel aos seus princípios, não pensa no país como sendo preto e branco, vê pessoas e principalmente vê mulheres, miúdas mais novas que lhe despertam interesse. É o que acontece com Melanie, uma das suas alunas com quem acaba por se envolver. Gosta dela, para além do físico, e em plena crise de meia idade, não vê qualquer sinal de perigo na relação que mantém com a rapariga. Naturalmente, nem tudo corre como esperado e David, após uma espécie de julgamento académico, levado a cabo pelos seus pares na universidade, é expulso da instituição, acusado de assédio sexual. Para além da questão moral, que é discutida por alguns colegas de David, principalmente colegas femininas, a sensação que fica é que, David foi expulso porque não entrou no jogo da expiação e remorso que os seus colegas teriam desejado. Não precisavam  de remorso verdadeiro apenas de um pedido de desculpa que David nunca esteve disposto a pedir. Desculpa porquê? Nunca fez nada de mal.

Sem nunca alcançar a gravidade do que lhe aconteceu mas sabendo que o melhor é desaparecer por uns tempos, parte para o interior, para viver uns tempos com a filha Lucy. E é aqui que tudo começa. É engraçado como deste livro de Coetzee as referências que tinha eram apenas a da história inicial, da relação da personagem com uma aluna e dos problemas raciais à volta. Na realidade esta é apenas uma parte da história e que fica mais ou menos resolvida assim que ele parte para junto da filha. A história com Melanie parece servir apenas para nos dar a conhecer David, a forma como vive e o que pensa. Serve também para mostrar dois mundos distintos, o meio urbano onde todos tentam ser o mais civilizados possível, e o meio rural onde a violência é uma realidade e a questão racial é um problema muito mais concreto.

A filha de David, já adulta, vive sozinha numa quinta no interior do país. Cultiva hortaliças, planta flores e tem um canil. É uma mulher branca a viver sozinha numa quinta e David não percebe como a filha não vê os perigos que isso pode trazer. Para Lucy, o pai é um homem da cidade, instruído e que vem para ali cheio de preconceitos e que simplesmente não percebe que a felicidade está nas coisas simples, trabalhar no campo, ajudar animais em perigo e viver de forma a não ofender ninguém. Ela acredita que vivendo de forma honesta, sem tiques de proprietária colonialista, nada de mal lhe pode acontecer. David acaba por se ir adaptando à vida no campo, ao contrário do que a filha pensa, ele não é um pseudo-intelectual preconceituoso. Ambos têm muito a aprender um com outro. Na verdade David gosta da oportunidade que a vida lhe está a dar para conhecer melhor Lucy, a filha independente que sempre fez o que quis, sem precisar de grande orientação por parte dos pais. Acima de tudo, existe em David uma necessidade de encontrar um lugar no mundo onde se possa sentir útil. Para David envelhecer não tem sido pacífico, principalmente por causa das mulheres, o seu calcanhar de Aquiles. :) Por isso pretende aproveitar toda a história com a aluna para recuperar o tempo perdido com a filha e ser um pai mais presente, protegê-la dos perigos e se conseguir sair de todo este processo uma melhor pessoa tanto melhor.

Infelizmente os receios de David acabam por ser concretizar no dia em que os dois são atacados na propriedade de Lucy, por um grupo de homens, quase uns miúdos, que fazem mais do que roubar o carro de David. A violência, mais insinuada do que descrita, é revoltante e as consequências vão muito para além do físico. 
David martiriza-se por não ter conseguido proteger a filha. Lucy após um período de isolamento, encontra uma forma de despersonalizar o que lhe aconteceu e tenta contextualizar, justificar o comportamento dos homens que a atacaram. Ela começa a encarar tudo aquilo como o preço a pagar para poder permanecer ali, como se a violência de que foi vítima estivesse escrita nas condições contratuais que vinham com a compra do seu pedaço de terra. Existe a partir dali uma dinâmica entre as personagens que é desconcertante. Com o pai a não saber lidar com as ideias de uma filha que achava ser mais inteligente, mais livre e evoluída, no seu entender. Sem conseguir perceber a teimosia da filha em querer continuar ali, a viver, lado a lado com um dos miúdos que violou. A lidar com a culpa, completamente incapaz de convencer a filha a sair daquele lugar, a relação entre os dois degrada-se. David regressa à Cidade do Cabo, apreensivo por deixar Lucy sozinha mas consciente de que lhe faz mais mal que bem, naquele momento. Volta para um cidade que já não reconhece e que deixou de o aceitar. Percebe finalmente o que precisa de fazer relativamente a Melanie e à família desta, pede perdão, e volta para junto da filha que, quer ela saiba quer não, precisa mais dele do que imagina. Volta redimido e predisposto a retirar-se da equação e concentrar-se na recuperação física e psicológica da filha.

Desgraça é um livro violento, com personagens difíceis de esquecer, complexas e inesperadas, que nos exasperam e nos comovem. Gosto de Coetzee e do que faz com as palavras. Gosto da forma como conta uma história e de como cria em nós, leitores, empatias. 

É um livro que deve ser lido, por toda a carga emocional e humana que transporta e porque Coetzee é realmente um escritor muito bom. 

Boas leituras!

Excerto:
"(...) Na minha opinião, aquilo que me aconteceu só a mim diz respeito. Noutra época, noutro local, talvez pudesse ser considerado um assunto público. Mas, neste local, nesta época, não é. É um assunto meu, apenas meu.
 - E a que local te referes?
 - A África do Sul.
 - Não concordo. Não concordo com o que estás a fazer. Pensas, porventura, que ao aceitares pacificamente o que te aconteceu, conseguirás diferenciar-te de agricultores como o Ettinger? Pensas, porventura, que o que aconteceu aqui foi um teste: se tiveres boa nota, recebes um diploma e um salvo-conduto para o futuro, ou uma tabuleta para colocares por cima da porta que fará com que a praga passe sem te atacar? Não é assim que a vingança funciona, Lucy. A vingança é como um incêndio. Quanto mais devora, mais fome tem."

Fica o trailer do filme inspirado na obra de J. M. Coetzee - "Disgrace" de Steve Jacobs, com John Malkovich no papel de David Lurie:

janeiro 02, 2014

La Coca - J. Rentes de Carvalho

Título original: La Coca
Ano da edição original: 2011
Autor: J. Rentes de Carvalho
Editora: Quetzal Editores

"Manuel Galeano - que sempre tivera "o contrabando no sangue" - desapareceu inesperadamente antes de um segundo encontro. O primeiro, em Amesterdão, fora uma conversa saborosa no bar de um hotel (memórias de juventude e certas confidências sobre o presente), e é o ponto de partida para uma longa evocação e uma viagem sentimental: cinco décadas de história do tráfico entre o Minho e a Galiza. Negócios de cigarros, uísque, barras de ouro, gado, café e, mais recentemente, droga. Com a história seguem também os seus deliciosos protagonistas (Diogo Romano, El Min, Sítio Minanco, o Pardal, o Pepe Mustafá e o Laurestim), que compõem o imaginário pícaro da região que o autor revisita para lembrar a sua primeira idade adulta."

Gosto muito de J. Rentes de Carvalho, não é novidade para ninguém. Mas este La Coca não me encheu as medidas. Achei-o um pouco desligado e a história pouco fluída. Está lá o cunho de J. Rentes de Carvalho, que não existam duvidas em relação a isso, não deixou de ser um livro que se leu muito bem e com gosto, só não será dos mais inspirados dele. :-)

Feita esta parte difícil da opinião, a de dizer que não amamos um livro de um escritor que nos diz muito, passemos ao livro propriamente dito. 

La Coca é, à semelhança de outros livros de J. Rentes de Carvalho, um livro de memórias, nostálgico por natureza e, por isso, muito mais do que um livro sobre os contrabandistas minhotos e galegos do século passado e dos narcotraficantes deste século. A história inicia-se quando o nosso escritor, a viver em Amesterdão, reencontra um amigo de longa data, um daqueles que fazem parte das nossas brincadeiras de infância. Desse encontro inesperado, nasce no narrador (que supomos ser o próprio escritor) uma vontade de revisitar os lugares que o viram crescer. Sob o pretexto de um trabalho de investigação acerca do novo contrabando praticado na fronteira, parte para Portugal. Lá encontra, para além do rastro perdido e incerto dos amigos de outrora, as memórias das paixonetas, as angústias da adolescência e lugares que já não são exactamente como se recorda deles. Mudanças que doem, que quase põem em causa toda uma vida estruturada em função de memórias que sempre acreditou serem concretas e reais. 
J. Rentes de Carvalho vai, desta forma, relatando as vivências dos minhotos y sus hermanos galegos numa época onde quase tudo era proibido. Recorre às suas próprias recordações e às conversas que vai tendo com quem faz, hoje em dia, a história da região.


Enfim, gostei mais uma vez da escrita de J. Rentes de Carvalho, da familiaridade que os lugares nos transmitem e da história. Não me identifiquei muito com a forma como é contada, achei-a menos envolvente, talvez porque ele acaba por não aprofundar o tema do narcotráfico e este acaba por ser pouco mais do que o fio condutor das memórias do escritor.

Recomendo por ser um livro de J. Rentes de Carvalho, o que quer dizer que, mesmo menos inspirado, vale a pena ler! ;-)

Boas leituras!

Excerto:
"Seguindo ao longo da margem refaço, pois, o que foi o caminho de casa. Mas chegado ao pequeno jardim fronteiro ao convento de Corpus Christi - o convento das freiras, como ainda se diz - paro num banco, sem vontade de me meter calçada acima e subir a escadaria medieval feita de pedras grosseiras e desiguais. Também, de facto, sem vontade de rever o largo onde nasci, porque todas as vezes que lá volto, e por muito que me esforce por reter a sua imagem actual, por mais atentamente que procure captar os rostos das pessoas, o aspecto das casas, dos armazéns de vinhos, a cor dos muros dos quintais, a amplidão do panorama, mal me vou embora logo essa imagem se desfaz. Como se a memória, ao filtrar as impressões, desdenhe das recentes e prefira aquelas sobre que pesa a recordação."