outubro 25, 2009

As Brumas de Avalon - Marion Zimmer Bradley

Excertos do prólogo:
" Fala Morgaine...
No meu tempo chamaram-me muitas coisas: irmã, amante, sacerdotisa, maga, rainha. Agora, em verdade, acabei por me tornar uma maga, e pode vir um tempo em que estas coisas precisem de ser conhecidas. Mas em perfeita verdade, penso que serão os cristãos a ter a última palavra. O mundo das Fadas está a afastar-se definitivamente do mundo em que Cristo governa. Não tenho nada contra Cristo, apenas contra os seus sacerdotes que chamam à Grande Deusa um demónio e negam que ela alguma vez tenha tido poder neste mundo. Dizem que, no máximo, o poder dela era o de Satanás. Ou então vestem-na com o manto azul da Senhora de Nazaré - que, de facto, à sua maneira, também teve poder - e dizem que foi sempre virgem. Mas o que é que uma virgem pode saber da labuta e dos sofrimentos da humanidade?
E agora que o mundo mudou e Arthur - meu irmão, meu amante, rei que foi e rei que será - jaz morto (o povo diz que dorme) na Ilha Sagrada de Avalon, deve-se contar a história de como era antes dos padres de Cristo Branco chegarem e cobrirem tudo com os seus santos e lendas."

"E assim Arthur jazia finalmente com a cabeça no meu colo, vendo em mim não a irmã, não a amante, não a inimiga, mas apenas a maga, a sacerdotisa, a Senhora do Lago; e assim descansou no seio da Grande Mãe de quem veio quando nasceu e para quem, no fim, como todos os homens, terá de ir. E talvez, enquanto eu dirigia a barca que o levava, desta vez não para a Ilha dos Padres, mas para a verdadeira Ilha Sagrada no mundo das trevas por trás do nosso, essa Ilha de Avalon onde agora poucos, exceptuando eu, podem ir, ele se tenha arrependido da inimizade que nascera entre nós."

"Ao contar esta história, falarei por vezes de coisas que aconteceram quando era ainda demasiado jovem para as compreender ou de coisas que aconteceram quando não estava presente, e talvez o meu ouvinte se retraia e diga: Isto é a magia dela. Mas tive sempre o dom da Visão e de ver dentro do espírito dos homens e das mulheres; e durante todo este tempo estive perto de todos eles. E assim, às vezes, de uma forma ou de outra, sabia tudo o que eles pensavam. E assim contarei esta história.
Pois um dia os padres também contarão como a conhecem. Talvez entre as duas se consiga ver qualquer vislumbre da verdade."

"E assim, talvez a verdade gire algures entre a estrada para Glastonbury, Ilha dos Padres, e a estrada para Avalon, perdida para sempre nas brumas do Mar do Verão.
Mas esta é a minha verdade. Eu que sou Morgaine, conto-vos estas coisas, Morgaine a quem mais tarde chamaram Morgan Le Fay."

Quando me falam de As Brumas de Avalon sorrio, porque gosto mesmo muito dos livros. Já os li mais que uma vez e, agora por estar a escrever sobre eles, tenho vontade de reler tudo outra vez! É para verem quão fantástica é a história. :)
Adoro os livros da Marion Zimmer Bradley, uns mais do que outros, como é natural. Quando começo a ler um livro dela tenho a certeza absoluta que vai ser tempo bem gasto, excepto os do Poder Supremo, que sinceramente não me convenceram. As Brumas de Avalon são, no entanto, os meus favoritos.

Nos quatro volumes que constituem esta saga, a autora dá-nos uma versão diferente da Lenda do Rei Artur. A história é contada sempre na perspectiva das mulheres, são elas quem tem o poder, são elas as responsáveis por muitos dos acontecimentos, provocado-os deliberadamente ou não. É uma história cheia de magia, de misticismo e de beleza. Conta um pouco da história da mítica Ilha Sagrada de Avalon, onde as mulheres são iniciadas nos segredos da vida e da Deusa. Do aparecimento dos primeiros cristãos com o seu Deus Único, castigador e castrador. Nessa altura, as mulheres começam a ser vistas como figuras secundárias da sociedade, servindo para pouco mais que procriar. As sacerdotisas de Avalon começam a ser consideradas feiticeiras, bruxas que servem Satanás.
É evidente uma crítica ao cristianismo, no entanto a imagem que se passa da Deusa, suposta Mãe de todos nós é também ela de uma entidade vingativa, intolerante, segregadora que não olha a meios para atingir objectivos e que, para continuar a ser adorada é capaz de tudo. Não vejo grandes diferenças entre o Deus dos padres e a Deusa da sacerdotisas. Embora a figura da Deusa seja muito mais apelativa por invocar a beleza da mulher, a harmonia e o respeito pela natureza. Existe magia, existe liberdade, não é castradora dos desejos humanos. Talvez por isso a ideia de uma Deusa em vez de um Deus seja mais simpática e enquanto lemos, torcemos sempre pelas mulheres de Avalon. :)

Muito bem escrito, como seria de esperar, é sem dúvida daqueles livros que se têm que ler antes de morrer e, reler sempre que nos apetecer. Li, emprestados pela minha prima linda, mas quando os apanhei aos quatro nesta edição especial da Difel, tive de os comprar e valeram cada cêntimo que custaram (e não foram assim tão poucos como isso).

Se tivesse que os classificar, dar-lhes-ia cinco estrelas! :)

outubro 19, 2009

O Deus Das Moscas - William Golding

"Um grupo de rapazes abandonados numa ilha deserta desfruta da liberdade total festejando a ausência de adultos. Porém, à medida que o frágil sentido de ordem dos jovens começa a colapsar, também os seus medos começam a tomar sinistras e primitivas formas. De repente, o mundo dos jogos, dos trabalhos de casa e dos livros de aventuras perde-se no tempo. Agora, os rapazes confrontam-se com uma realidade muito mais urgente - a sobrevivência - e com o aparecimento de um ser terrível que lhes assombra os sonhos."

Este é um livro perturbador. É a primeira coisa que me ocorre quando penso nele. Já o li há uns meses, mas continuam na minha cabeça imagens dos últimos capítulos do livro. A subtil alteração que vai ocorrendo com estes rapazes, pré-adolescentes, que se vão tornando cada vez mais primitivos, territoriais, guerreiros de palmo e meio que lutam pelo poder como gente grande.

Um avião cheio de rapazes, entre os 6 e 12 anos, ingleses despenha-se numa ilha deserta. Nenhum adulto sobrevive. Temos pois, um bando de rapazes que se vêm livres de qualquer controlo parental e de todas as regras impostas pelos adultos. Com a certeza de que serão salvos mais cedo ou mais tarde, decidem que devem aproveitar e divertirem-se à grande. O que poderá correr mal? Pelos vistos muita coisa...
Corre mal o facto de que o ser humano, quando se encontra livre de regras e de alguém que julgue os seus actos, ser capaz de coisas atrozes.
Corre mal quando na ânsia de acalmar medos primitivos e de encontrar um sentido para as coisas, procuramos ajuda nos sítios errados, procuramos liderança e deixamos de ser indivíduos e passamos a ser ovelhas num rebanho cego e obediente. Entregamos o poder nas mãos de quem não merece e idolatramos as pessoas erradas. Entramos numa histeria de grupo que não é complacente com o que nos distingue dos outros animais, a racionalidade e a consciência.
Isso torna-se ainda mais perturbador quando tudo isso é exemplificado num bando de miúdos que, em pouco mais de uns dias, perde toda e qualquer noção do bem e do mal e do respeito pela vida humana e não humana.
Apenas duas das crianças demonstram bom-senso, uma delas é morta pelos colegas, a outra vive atormentada pelo facto de não ter sido capaz de os manter mentalmente sãos, por ter perdido o controlo e por sentir medo. Medo de perder a pouca sanidade que lhe resta e tornar-se num deles, medo de não ser salvo, medo de morrer.

No fim são salvos mas a inocência e a infância ficam na ilha, agora meio destruída, onde descobriram a capacidade de matar, para alguns até o gosto de matar.

O livro vale sobretudo pela história. O que parece inicialmente um livro para adolescentes ao estilo de Robinson Crusoé ou A Ilha do Tesouro, torna-se em algo completamente diferente. Está cheio de cenas arrepiantes e bem conseguidas. Não está especialmente bem escrito, principalmente quando o autor tenta descrever os vários sítios da ilha, torna-se confuso e é difícil situar geograficamente a acção. Mas é definitivamente um daqueles livros que se devem ler. Foi-me sugerido pelo meu mais que tudo, que embora não o tivesse lido, ouviu falar dele e, como sempre foi uma óptima sugestão! Gostei muito de o ler.

outubro 17, 2009

Shalimar O Palhaço - Salman Rushdie

"Los Angeles, 1993. Maximilian Ophuls é brutalmente assassinado pelo seu motorista muçulmano, Noman Sher Noman, também conhecido por Shalimar o Palhaço. O que à primeira vista parece ser um crime político - Ophuls tinha sido embaixador dos Estado Unidos na Índia e depois chefe do contraterrorismo americano - é afinal um caso passional. Shalimar o Palhaço é uma obra profundamente humana que junta as paixões mais ferozes e os conflitos mais graves do nosso tempo. Uma história de amor. Uma fábula mágica onde os mortos falam."

Não sei bem o que pensar deste novo romance do Salman Rushdie. Li-o com algum prazer, a história é interessante e prende. Temos sempre vontade de passar ao capítulo seguinte para sabermos mais um pouco das vidas de Max Ophuls, India Ophuls e do Shalimar. De que forma as vidas deles se entrelaçaram para que o desfecho, indicado no próprio prólogo, seja a trágica morte de Max, um homem nos seus oitentas e aparentemente inofensivo.

Para além destas personagens, consideradas principais, somos também levados a conhecer a vida de duas aldeias e dos seus habitantes, Pachigan e Shirmal, em Caxemira. O vale de Caxemira surge aqui como um paraíso onde muçulmanos e hindus convivem num ambiente de verdadeira interajuda, onde a religião não é o mais importante. Prova disso é o casamento celebrado entre os protagonistas da história de amor que se conta no livro, segundo os rituais das duas religiões e com a aprovação de todos. No entanto, Caxemira com toda a sua tradição de tolerância e humanidade, torna-se pouco a pouco um osbtáculo para os interesses de dois países, Índia e Paquistão, bem como para os interesses ocultos de alguns, que tudo fazem para quebrar a paz no lugar. Salman Rushdie acaba por nos dar a visão dele sobre o conflito que dura há anos entre a Índia e o Paquistão.
É, como diz o prólogo, uma obra muito humana, sobre o que de melhor e pior o ser humano é capaz. De como o mais profundo amor se pode tornar no mais profundo ódio, sem no entanto deixar de ser amor... De como muitas vezes, debaixo da capa do pretenso bem maior, se escondem apenas e só os interesses e ódios pessoais.

Deu-me gozo ler este livro e cheguei ao fim com a sensação de que tinha lido um bom livro. Mais que não seja porque já tinha tentado ler Os Versículos Satânicos, do mesmo autor, e não o consegui acabar... Por isso foi a medo que comecei este. Acabá-lo foi uma vitória pessoal. :)
Senti alguma dificuldade porque o livro faz muitas referências à cultura indiana, com muitos termos indianos, nomes indianos que, por estarem tão afastados da nossa própria cultura e quotidiano me pareceram sempre complicados quebrando um pouco o ritmo da história. Mas pronto, isso é defeito meu e não do autor. :)

Depois de ter lido este livro, não ponho completamente de parte a possibilidade de voltar a ler outro livro dele. Quem sabe, tentar ler novamente Os Versículos Satânicos dando-lhe uma nova oportunidade.

outubro 15, 2009

A Filha do Capitão - José Rodrigues dos Santos


"O Capitão Afonso Brandão mudou a vida, quase sem o saber, numa fria noite de boleto, ao prender o olhar numa bela francesa de olhos verdes e voz de mel. O oficial comandava uma companhia da Brigada do Minho e estava havia apenas dois meses nas trincheiras da Flandres quando, durante o período de descanso, decidiu pernoitar num castelo perto de Armentiéres. Conheceu aí uma deslumbrante baronesa e entre eles nasceu uma atracção irresistível.
Mas o seu amor iria enfrentar um duro teste. O Alto Comando Alemão, reunido em segredo em Mons, decidiu que chegara a hora de lançar a grande ofensiva ara derrotar os aliados e ganhar a guerra e escolheu o vale de Lys como palco do ataque final. À sua espera, ignorando o terrível cataclismo prestes a desabar sobre si, encontrava-se o Corpo Expedicionário Português."

Vou abrir as hostilidades com este grande livro, não me estando a referir apenas às magníficas 629 páginas que o compõem. Ultimamente tenho tido algum azar com os livros que escolho para ler e A Filha do Capitão do José Rodrigues dos Santos foi definitivamente uma lufada de ar fresco. É o primeiro livro que leio deste jornalista/escritor. Já o admirava com jornalista e fiquei curiosa quando os livros dele começaram a surgir nas livrarias.

É de longe um livro como não lia há muito tempo. Muitíssimo bem escrito, com uma história de amor simples e bonita, muito ao estilo de Eça de Queirós, sem a fantástica ironia do mesmo e completamente contemporâneo. O que mais me surprendeu neste livro foi a envolvente histórica, a descrição quase perfeita de uma época, de costumes e mentalidades, como se o autor tivesse vivido nos fins do Séc. XIX, inícios do Séc. XX. Seria de esperar que tanto pormenor sobre a época em questão, que tanta descrição de factos históricos tornassem o livro maçador mas, isso não acontece. Antes pelo contrário, os factos são de tal forma integrados na ficção que tudo se conjuga de forma perfeita.

Com este livro, aprendi imenso sobre a história de Portugal, sobre a Instauração da Républica e da participação de Portugal na 1ª Guerra Mundial. O porquê de termos entrado na guerra, a falta de condições dadas aos soldados, o quase abandono a que foram votados. Acho que é um livro que só poderá ser inteiramente compreendido por nós, portugueses, por vivermos diariamente num pais cheio de contradições e por vezes tão ingrato para quem o defende. Ao ler o livro, identificamo-nos muito com as personagens portuguesas, com as suas frustações, desesperos e desejos porque, embora tenham passado tantos anos, não somos assim tão diferentes como povo.

A sensação com que fiquei depois de acabar de o ler é que, é definitivamente um livro escrito por um português, sobre Portugal, porque ficamos com a sensação que os nossos avós poderiam ser uma das personagens do livro. As expressões usadas pelos soldados da Brigada do Minho, reforçam ainda mais essa sensação, são hilariantes!

Resumindo, vale a pena ler e fiquei com curiosidade para ler as outras obras dele, já cá tenho A Fórmula de Deus. A ver se é tão refrescante como A Filha do Capitão. :)

Quero um Livro

Desde miúda que sempre gostei muito de livros e de ler. Ainda não sabia ler e, segundo a minha mãe, já andava de volta dela, com livros aos quadradinhos na mão, a contar-lhe a minha versão das histórias! Segundo ela, não falhava por muito... :)
Quando aprendi a ler, lembro-me de ter ficado fascinada pela quantidade de coisas que finalmente conseguia compreender, pela enormidade de coisas que até aí me estavam vedadas, incluindo o que raio dizia o MacGeyver. :) Tudo o que tivesse letras era devorado.
Mais do que ler, gostava dos livros em si, do cheiro e do toque do papel. Ainda hoje acho fantástico o facto de "gatafunhos" fazerem sentido em todo o mundo e podermos comunicar com as palavras.
Os livros sempre foram o melhor presente, e provavelmente os únicos que sobreviveram à passagem do tempo e aqueles que guardo com maior carinho. Lembro-me da excitação que senti quando recebi o meu primeiro livro a sério, sem bonecada em todas as páginas... :)
O "Quero Um Livro" surgiu porque muitas vezes, quando acabo de ler um livro, sinto necessidade de falar sobre ele, reflectir sobre o que li. As palavras escritas sempre me pareceram mais fáceis pelo que decidi entrar no maravilhoso mundo da blogoesfera. Vamos lá ver como corre! :)