setembro 24, 2010

O Físico - Noah Gordon

"No século XI, Rob Cole abandona com apenas onze anos a pobre e doente cidade de Londres para vaguear pela Inglaterra. Durante as suas deambulações, fazendo malabarismos e vendendo curas para os doentes, vai descobrindo a dimensão mística da sanação. E é através dessa peregrinação que descobre o seu verdadeiro dom, que o levará a converter-se em médico num mundo violento, cheio de superstições e preconceitos. Tão forte é o seu sonho que decide empreender uma insólita e perigosa viagem à Pérsia, onde estudará na prestigiada escola de Avicena. Aí dar-se-à uma transformação que modificará para sempre a sua vida e o seu destino..."

Andava a adiar a leitura deste livro porque precisava de baixar as expectativas. Afinal de contas as opiniões que circulam consideram-no uma obra-prima. :) Agora que o li, acho que o li na altura certa, com calma e sem as expectativas demasiado elevadas. Gostei bastante, não o considero uma obra-prima, mas é uma leitura que se faz de forma fluída, com uma história muito bem delineada e bem contada e onde aprendi umas quantas coisas. Gostei! :)

O Físico relata a história de Rob Cole, desde o momento em que fica orfão, com 9 anos , na Londres medieval do séc. XI. Rob e os seus irmãos mais novos são distribuídos, como mercadorias, por diversas pessoas. Rob parte com Henry Croft, um barbeiro-cirurgião que o contratou como aprendiz. O Barbeiro, homem rude mas honesto, afeiçoa-se a Rob e, como a um filho, ensina-lhe tudo o que sabe sobre a arte de fazer espectáculos de aldeia em aldeia com o objectivo de vender o Específico Universal, a solução para todos os males possíveis e imagináveis do corpo humano. Mas acima de tudo, o que o Barbeiro transmite a Rob é o amor pela medicina, o prazer de ajudar quem necessita e a responsabilidade que esse dom acarreta. Rob fica fascinado e ao mesmo tempo frustrado pela limitação dos seus conhecimentos, por haver tanta gente por quem ele não pode fazer nada. Quando o Barbeiro morre, Rob decide partir para a Pérsia onde há uma escola de físicos, o Maristan, dirigida pelo lendário e conceituado físico, Ibn Sina. Convencido de que para conseguir ser aceite no maristan tem de ser judeu (todos os bons físicos que encontrou em Inglaterra eram judeus) Rob assume a identidade de Jesse ben Benjamin, um judeu inglês, e parte numa viagem que lhe vai mudar a vida. Atravessa meio mundo, passando por dificuldades mas também conhecendo pessoas honestas e solidárias. Apaixona-se, toma decisões difíceis e chega a Ispahan sedento de começar a sua aprendizagem. Lá impressiona todos, com a sua persistência, inteligência e competência. Impressiona o próprio Xá Ala, o Rei dos Reis, um homem violento e caprichoso e, o não menos importante Rei dos Físicos, Ibn Sina, homem dedicado ao conhecimento mas muito condicionado pelas regras e superstições impostas pela religião. Rob, ajuda uma povoação vizinha na luta contra a peste, faz amigos para a vida, torna-se físico, casa-se, perde amigos e sai de Ispahan, com destino a Londres, pela calada da noite, com a mulher e os filhos antes da cidade ser invadida por um exército inimigo. O homem que regressa a casa já não é mesmo que partiu da cidade com 9 anos, receoso do futuro. Aprendeu e cresceu, mas a coragem e determinação que sempre o caracterizou não se perderam. :)

Como disse, gostei bastante deste livro. Gostei muito do Rob, da sua honestidade e, de certa forma, da sua ingenuidade. Gostei, principalmente que Noah Gordon tenha criado Rob com uma personalidade curiosa e inquisitiva, o que me permitiu, como leitora, reflectir e aprender com ele. Torci sempre para que as coisas lhe corressem bem, que encontrasse os irmãos, de quem perdeu o rasto quando os pais morreram, e que a sua falsa identidade não fosse descoberta, pois Rob poderia ser condenado à morte. Torci para que todos os seus desejos fossem realizados porque, era verdadeiramente uma boa pessoa, um espírito livre, sem preconceitos, cujo único interesse era o desenvolvimento da ciência em prol do bem comum. Foram homens como Rob Cole que levaram o conhecimento da humanidade àquilo que hoje temos.
Um dos temas fortes do livro é a religião, pois Rob sendo cristão, fingiu ser judeu para poder tornar-se Hakim (físico). Nos judeus encontrou o rigor dos rituais e o cumprimento escrupuloso das proibições mas, ao mesmo tempo, encontrou um povo afectuoso e solidário, com um forte espírito de inter-ajuda entre eles. Na Pérsia, Rob conviveu com muçulmanos e os seus radicalismos, a sua violência latente e as suas contradições relativamente à maneira como vivem os ensinamentos do profeta. Eram no entanto um povo caloroso e alegre. A parte cristã de Rob, não é muito aprofundada por Noah Gordon, este apenas se refere aos cristãos como intolerantes, principalmente na forma como tratam os judeus. Não sei se Noah Gordon é judeu ou sequer se é religioso, mas tem uma predilecção pela judaísmo, isso é notório.
No entanto, Rob é indiferente às religiões, usa-as para adquirir conhecimentos. O que realmente move Rob não é Deus, mas a sede de conhecer, a curiosidade e a vontade de romper barreiras, características que têm sido transversais a todos os avanços científicos e tecnológicos que a humanidade já experimentou. A ciência e a religião não podem nem devem andar juntas, é isso que Rob percebe quando ignora a proibição, de todas as religiões, de dissecar cadáveres humanos. É transgredindo que Rob se apercebe que o porco não é igual ao Homem e descobre coisas importantes acerca do funcionamento do corpo humano. Mesmo correndo o risco de ser condenado à morte, Rob assume o risco porque lhe parece que a medicina e, consequentemente a humanidade só têm a ganhar com isso. Rob é uma personagem inspiradora. :)
Aliás todas as personagens neste livro estão muito bem conseguidas. É um dos seus pontos fortes. Outro ponto forte é a própria história que nos dá a conhecer um pouco da história da medicina. É fascinante ler sobre os procedimentos arcaicos e sobre as teorias baseadas mais na crença e na religião do que na ciência (afinal estava-se no séc. XI). Não deixa de ser surpreendente que com tantas limitações já tanto se conseguisse fazer. Gostei muito desta vertente do livro. :)
Por ser um livro que atravessa diversos países permite-nos conhecer muitas culturas e costumes, o que só torna o livro ainda mais rico. Noah Gordon descreve-nos um mundo de uma diversidade estonteante.

Pontos menos favoráveis: a minha dificuldade em acreditar que a história se passava no séc. XI. O comportamento das personagens e os próprios acontecimentos eram descritos de uma forma que não me transportava para a época em questão. Provavelmente é defeito meu e não do escritor, mas a verdade é que me fez ler de uma forma menos envolvente por achar algumas passagens, atitudes ou diálogos pouco credíveis. Para além disso achei o desenrolar dos acontecimentos previsível e a narração por vezes era um pouco desapaixonada, um mero relato de acontecimentos (talvez porque Noah Gordon é um jornalista de formação).
Continuo a achar que a escrita de Noah Gordon não é especialmente inspirada mas com uma boa história, que é o caso, isso deixa de ser muito relevante. De salientar ainda o salto qualitativo gigantesco que aconteceu entre o O Rabi, primeiro romance do autor e já comentado aqui, e este o O Físico.

Gostei do livro, vou querer ler os restantes livros da trilogia, Xamã e a A Doutora Cole e recomendo-o sem reservas! :)

Boas leituras! :)

Uma nota positiva para as escolhas de autores e obras que a revista Sábado tem vindo a disponibilizar e, para as excelentes edições que têm constituído a Biblioteca Sábado.

setembro 08, 2010

A Festa do Chibo - Mario Vargas Llosa

"Em A Festa do Chibo, Mario Vargas Llosa recupera uma tradição na literatura latino-americana, a do romance sobre ditadores, e retratando a ditadura de Trujillo, na República Dominicana, recupera também a força das suas melhores obras. O inegável talento do autor para manejar conflitos, criar tensões, descrever situações, revelar as razões humanas que se ocultam por detrás dos factos históricos, para poder criar personagens que inspiram repugnância e compaixão, resulta num romance magistral e surpreendente."

A Festa do Chibo é uma viagem ao passado violento e repressor vivido pelos dominicanos durante a ditadura de Rafael Leónidas Trujillo, que decorreu de 1930 a 1961, ano em que o ditador foi assassinado.

Pela voz de Urania Cabral, regressada a Santo Domingo depois de ter estado 35 anos afastada do país, única filha do Agustín Cabral, um dos mais leais seguidores de Trujillo e das suas políticas, é-nos dada a conhecer a influência que Trujillo tinha em todas as famílias dominicanas e a relação doentia que os seus seguidores tinham com ele. Uma relação que passava necessariamente pelo medo, mas também pela veneração cega, de humilhação perante um homem que acreditavam estar muito próximo de Deus. No caso de Agustín Cabral, o apoio dado ao regime não passava por ter acesso facilitado ao poder e, consequentemente a dinheiro, mas por convictamente acreditar que Trujilo era o melhor que alguma vez tinha acontecido à República Dominicana. Quando, sem perceber como caiu em desgraça aos olhos do General viu-se na miséria, capaz de tudo para regressar ao círculo restrito dos colaboradores do regime. Como Agustín Cabral existiriam muitos outros dominicanos, que cometeram atrocidades inimagináveis para provar a sua lealdade para com Trujillo.
Paralelamente, Mario Vargas Llosa conta-nos a história do assassinato de Trujillo no dia 30 de Maio de 1961. Acompanhamos o último dia de vida de Trujillo, na perspectiva do próprio. Conhecemos as suas angústias e os seus medos, bem como a sua forma fria e calculista de governar. A frustração que sente por nem todos os dominicanos aceitarem e valorizarem o esforço que sente ter feito pelo país, transformando-o num país próspero e com importância no mundo, pelo menos enquanto teve o apoio dos EUA e da Igreja. O medo que tem de envelhecer e de que o seu corpo deixe de acompanhar a sua agilidade mental. A forma como Mario Vargas Llosa humaniza Trujillo, sem no entanto deixar de expor a sua personalidade violenta e narcisista, torna esta personagem (real) muito interessante. Conhecemos o que o move e o porquê de determinadas acções. Não olhamos para ele apenas como uma figura histórica.
Para além de Trujillo, Mario Vargas Llosa conta-nos o último dia de vida do ditador na perspectiva dos homens que o mataram: Antonio de la Maza, Salvador Estrella Sadhala, Tenente Amado Garcia Guerreiro e Antonio Imbert Barreras, sentados num carro, à beira da estrada enquanto aguardam pelo Chevrolet Bel Air azul-claro do General, que alguns quilómetros à frente crivam de balas, matando-o.
A história vai alternando entre estes três núcleos: a família Cabral, pela voz de Urania, o último dia de Trujillo, narrado pelo próprio e, os quatro homens no carro, onde o autor nos vai, separadamente, dando a conhecer os motivos pessoais que os levaram a estar ali, à beira da estrada no dia 30 de Maio de 1961.
Depois da morte de Trujillo, temos o relato assombroso da perseguição e represálias que sofreram os heróis do 30 de Maio, bem como as suas famílias e amigos próximos. Temos também a parte em que Balaguer, o presidente fantasma do regime, assume as rédeas do país após a morte de Trujillo e dono de muito jogo de cintura encaminha a República Dominicana para uma democracia, com o apoio dos EUA e sem melindrar em demasia os familiares e seguidores de Trujillo, impedindo o país de cair numa guerra civil e evitando uma invasão por parte dos EUA ou dos vizinhos do Haiti e Cuba, países comunistas. Não é claro, ao longo de todo o livro, se Balaguer era ou não um Trujillista ou se apenas esperava oportunidade de libertar os dominicanos da ditadura que durava há tantos anos. Gostei desta dualidade na personalidade do presidente, um verdadeiro político. :)

A Festa do Chibo foi a minha estreia na escrita de Mario Vargas Llosa e o que posso dizer é que gostei muito. Gostei principalmente da forma como o autor encadeia a acção, alternando entre diferentes narradores à medida que o último dia de Trujillo avança. Gostei da caracterização de todas as personagens, e saber que todas elas, à excepção da família Cabral, foram homens e mulheres reais tornou a narrativa mais emotiva e arrepiante. Entrar na cabeça de Trujillo foi fascinante e assustador, pois é aflitiva a forma como a inteligência humana pode ser usada de forma tão distorcida e doentia. A descrição das torturas e das perseguições, embora desconfortável, é imprescindível para uma verdadeira compreensão do medo e horror vividos na sociedade dominicana.
O único ponto negativo que tenho a apontar foi a minha dificuldade em memorizar tantas personagens, não só porque eram realmente muitas, mas também porque o autor ora os tratava pelo primeiro nome, ora pela alcunha ou então pelo nome completo. Às tantas já não sabia bem de quem se estava a falar... Nada que manche a qualidade inquestionável da obra, a leitura tornou-se foi menos fluída.

Este livro é, com as devidas ressalvas para o facto de ser uma história que ficciona alguns acontecimentos reais, uma autêntica lição de história. O meu conhecimento acerca da República Dominicana e da sua história era praticamente nulo, pelo que gostei mesmo muito de ler este livro. Aprendi imenso e está muitíssimo bem escrito, com uma estrutura narrativa muito eficaz. Fiquei muito curiosa para ler outros livros do Vargas Llosa, num outro registo que não o romance histórico.

Recomendo sem reservas.

Boas leituras! :)

Nota: Trailer do filme La Fiesta del Chibo, realizado por Luis Llosa com Paul Freeman e Isabella Rossellini, entre outros:


setembro 06, 2010

Brevemente...

Achei que devia dar sinal de vida, o Quero Um Livro não morreu nem hibernou. Eu é que ando com menos tempo livre e as leituras começam a ressentir-se.

Estou quase a acabar o "A Festa do Chibo" do Mario Vargas Llosa e brevemente podem contar com a minha humilde opinião sobre o livro. :)

Boas leituras e até breve! ;)