julho 19, 2011

Patagónia Express - Luis Sepúlveda

Título original: Patagonia Express
Ano da edição original: 1995
Autor: Luis Sepúlveda
Tradução: Cristina Rodriguez e Artur Guerra
Editora: Edições Asa

"Homenagem a um comboio que já não existe, mas que continua a viajar na memória dos homens e das mulheres da Patagónia, estes «apontamentos de viagem» - como lhes chama Luis Sepúlveda - vêm uma vez mais comprovar a qualidade literária já evidenciada em livros como O Velho que Lia Romances de Amor, Nome de Toureiro ou Mundo do Fim do Mundo. Desde os seus primeiros passos na militância política, que o levaram à prisão e depois ao exílio em diferentes países da América do Sul, até ao reencontro feliz, anos depois, com a Patagónia e a Terra do Fogo, é uma longa viagem (e uma longa memória) aquela que Luis Sepúlveda nos propõe neste seu novo livro. Ao longo dele, confrontamo-nos com uma extensa galeria de personagens inesquecíveis e com um conjunto de histórias magníficas, daquelas que só um grande escritor é capaz de arrancar dos labirintos da vida."

Para quem já conhece a escrita de Luis Sepúlveda, este livro é tudo aquilo que esperamos encontrar quando pegamos num livro dele para o ler. Estão lá, o bom humor, a genuinidade, as paisagens deslumbrantes da América do Sul, as personagens pitorescas mas reais e a tão apreciada habilidade do escritor sul americano para contar histórias. Histórias da sua vida e das vidas que se cruzam com a dele e o marcam de alguma forma.

Sendo assim, neste livro não pode faltar, nem faltam, referências à agitação política que o Chile e a América do Sul atravessaram há algumas décadas. Nele Sepúlveda conta-nos como foram os anos que passou preso, ainda adolescente, e a forma como o faz é desconcertante, porque o tom é de comédia, com histórias caricatas, que pelo meio mencionam a brutalidade do tratamento dado a todos os prisioneiros políticos. Sem entrar em descrições detalhadas e sem recorrer a pormenores chocantes, senti-me mais incomodada do que se o fizesse.

Este é, no entanto, um livro que vai muito para além do protesto político, do querer manter na memória colectiva os erros do passado para que não se repitam.
É também uma homenagem ao avô de Sepúlveda, um anarquista convicto que tanto parece ter influenciado a vida e a forma de pensar do escritor.
A descrição dos passeios de domingo com o avô, que o enchia de gelados e sumos para depois o "obrigar" a fazer xixi à porta das igrejas é deliciosa.


"- Então? Não queres mijar? Bolas, meu filho. Com o que tu bebeste...
A minha resposta natural e habitual devia soar dramaticamente afirmativa, com junção de pernas a acompanhar as palavras. Então ele, tirando o resto do charuto que sempre lhe pendia dos lábios, suspiraria antes de exclamar com o mais didáctico dos tons:
- Espere, meu menino. Espere e aguente até encontrarmos a igreja adequada."

Patagónia Express é uma verdadeira declaração de amor à Patagónia e às suas gentes, as que lá nasceram e as que a escolheram como sua casa e, claro ao comboio que dá nome ao livro.
Um amor que aconteceu quando Sepúlveda tentou cumprir a promessa que fez ao avô, de ir a Martos, em Espanha, a terra natal do avô.

"Bom, meu menino. Este livro* tens de ser tu a lê-lo, mas antes do to entregar quero duas promessas tuas.
- Quantas quiser, Vô.
- Este livro será um convite para uma grande viagem. Promete-me que a farás.
- Prometo. Mas para onde vou viajar, avô?
- Possivelmente a lado nenhum, mas garanto-te que vale a pena.
- E a segunda promessa?
- Que um dia irás a Martos.
- Martos? Onde fica Martos?
- Aqui - disse ele, batendo no peito com a mão."

*O livro de que falam é Assim Foi Temperado o Aço de Nicolai Ostrovsky.

Promessas que, mais que promessas, são formas de viver e de pensar e, por isso impossíveis de declarar como cumpridas.

Patagónia Express é uma declaração de amor à família, aos amigos, à liberdade e à vida. É um livro que, essencialmente fala de pessoas e das suas histórias e que deixa em nós um bom sentimento. No meio de tantas histórias partilhadas, a passagem do autor pela prisão, é apenas mais uma história, apenas mais uma experiência e, da qual Sepúlveda destaca, principalmente, as pessoas que conheceu e que nunca esqueceu. A melhor retaliação contra aqueles que se julgam no direito de mexer com o futuro dos outros é viver de forma a reduzir as más memórias a isso mesmo, memórias e nada mais.

Gostei muito deste livro e aconselho-o sem qualquer hesitação. :)

Boas leituras!


Excerto:
"Daí sai o mais austral dos caminhos-de-ferro, o verdadeiro Patagónia Express, o qual, depois de duzentos e quarenta quilómetros de andamento que unem cidades como El Zurdo e Bellavista, chega a Río Gallegos, na costa atlântica.
O comboio, formado por duas carruagens de passageiros e dois vagões de carga, é arrastado por uma velha locomotiva a carvão fabricada no Japão no princípio dos anos trinta. Cada carruagem de passageiros tem dois longos bancos de madeira que a percorrem de uma ponta a outra. Numa delas há um fogão a lenha que os passageiros têm de ir alimentando e, por cima dele, um quadro com a imagem de Nossa Senhora de Luján."

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