fevereiro 03, 2019

A Ridícula Ideia de não Voltar a Ver-te - Rosa Montero

Título original: La ridícula ideia de no volver a verte
Ano da edição original: 2013
Autor:Rosa Montero
Tradução: Helena Pitta
Editora: Porto Editora

"Quando Rosa Montero leu o diário que Marie Curie começou a escrever depois da morte do marido, sentiu que a história dessa mulher fascinante era também, de certo modo, a sua. Assim nasceu A rídicula ideia de não voltar a ver-te: uma narrativa a meio caminho entre a memória pessoal da autora e as memórias coletivas, ao mesmo tempo análise da nossa época e evocação de um percurso íntimo doloroso. São páginas que falam da superação da dor, das relações entre homens e mulheres, do esplendor do sexo, da morte e da vida, da ciência e da ignorância, da força salvadora da literatura e da sabedoria dos que aprendem a gozar a existência em plenitude.
Um livro libérrimo e original, que nos devolve, inteira, a Rosa Montero de a Louca da Casa - talvez o mais famoso dos seus livros."

À semelhança do único livro que li de Rosa Montero, já comentado aqui, fui atraída pelo título e pela capa. Este com a vantagem de já conhecer a escritora e ter vontade de voltar a ela.

A ridícula ideia de não voltar a ver-te não é um romance, é uma espécie de catárse, uma forma de fazer o luto, uma tentativa lembrar as coisas boas e que estas acabem, um dia, por se sobrepor à dor da perda.
Tendo como base o diário que Marie Curie escreveu após a morte do marido, Rosa Montero dá a conhecer uma mulher fascinante, inteligente, trabalhadora, cheia de contradições e estranhamente humana. Uma mulher que é muito mais do que uma breve referência na história das grandes descobertas científicas no século XIX / XX.
Marie Curie era retratada como, extremamente inteligente e competente. Era considerada uma mulher pouco feminina, de certa forma fria e de sorriso difícil. No diário que sente necessidade de escrever após a morte de Pierre, toda essa imagem acaba por ser desmontada, uma vez que nele, Marie põe a nu toda a sua fragilidade, os sentimentos profundos pelo marido e o desespero que sentiu quando ele morreu e a paixão pelo trabalho.
Descobrimos, também, uma mulher cheia de contradições, por um lado uma mulher que lutou desde cedo para fugir ao papel tradicional que a sociedade esperaria que assumisse mas que, ao mesmo tempo, deu sempre prioridade às ambições profissionais de Pierre em detrimento das suas e, não deixava de assumir, em casa todo o trabalho doméstico e a educação das filhas, sem que isso parecesse ser um problema para ela. Era uma mulher de paixões, apaixonada pelo seu trabalho e pelo marido, mas, curiosamente pouco maternal. As filhas pareciam ser, apenas, uma consequência do amor por Pierre.
Rosa Montero diz, no início, que A ridícula ideia de não voltar a ver-te não é um livro sobre a morte e, na realidade não é. Fala muito da morte e é, por vezes, um livro triste e doloroso, mas é, acima de tudo, um livro sobre a vida, sobre sonhar, sobre conquistas e uma homenagem àqueles que nos deixam para sempre e cujo vazio é impossível de preencher.

Gosto de Rosa Montero e gostei muito deste livro. É um livro que descreve de forma comovente e muito realista a dor que a morte de alguém que amamos provoca.
É também um retrato curioso de uma personagem importante na história da ciência mundial e que nos faz refletir, entre outras coisas, sobre o papel da mulher na sociedade, na investigação cientifica em particular.

Recomendo sem reservas.

Boas leituras!

Excerto:
(pág.19)
"A verdadeira dor é indizível. Se conseguirmos falar do que nos angustia estamos com sorte: significa que não é assim tão importante. Porque quando a dor cai sobre nós sem paliativos, a primeira coisa que nos arranca é a #Palavra. É provável que reconheças o que digo: talvez o tenhas sentido, porque o sofrimento (tal como a alegria) é algo comum em todas as vidas. Falo daquela dor que é tão grande que nem sequer parece que nos nasce de dentro, que é como se tivéssemos sido sepultados por uma avalancha. E assim ficamos, tão enterrados sob essas toneladas pedregosas de pena que nem conseguimos falar. Temos a certeza de que ninguém nos vai ouvir."
(...)
"Entro na sala. Dizem-me:«Morreu.» Acaso se pode compreender semelhante palavra? Pierre morreu, ele, que no entanto vira sair de manhã; a ele, que esperava apertar entre os meus braços nessa tarde, já só o voltarei a ver morto, e acabou-se, para sempre.

«Sempre», «nunca», palavras absolutas que não conseguimos compreender sendo, como somos, pequenas criaturas presas no nosso pequeno tempo. Nunca brincaste, na infância, a tentar imaginar a eternidade? O infinito abrindo-se à tua frente como uma fita azul enjoativa e interminável. É a primeira coisa que nos atinge num luto: a incapacidade de pensar nisso e de o admitir. A ideia simplesmente não nos cabe na cabeça. Mas como é possível que não esteja? Essa pessoa que ocupava tanto espaço no mundo, onde se meteu? O cérebro não consegue compreender que tenha desaparecido para sempre. E que diacho é sempre? É um conceito inumano. Isto é, está fora da nossa capacidade de entendimento. Mas como, «não verei mais»? Nem hoje, nem amanhã, nem depois de amanhã, nem dentro de um ano? É uma realidade inconcebível, que a mente rejeita: não o ver nunca mais é uma piada de mau gosto, uma ideia ridícula."

O Tímido e as Mulheres - Pepetela

Título original: O Tímido e as Mulheres
Ano da edição original: 2013
Autor: Pepetela
Editora: Publicações Dom Quixote

"Estamos em Luanda nos dias de hoje.
Acompanhamos Heitor, um escritor em início de carreira, o tímido.
Ouvimos a voz quente de Marisa, responsável por um programa de rádio de grande audiência, que a todos encanta e seduz.
Conhecemos Lucrécio, seu marido, uma mente brilhante aprisionada numa cadeira de rodas.
É este o trio que une as diversas histórias e personagens deste romance. Além dele, encontramos ainda os amigos de Heitor, o Senhor do Dia 13 e os habitantes de um musseque na periferia de Luanda: a grande família de dona Luzilu e, em especial, a bela Orquídea, outra das poderosas mulheres que habitam este livro. Todos eles nos conduzem por uma cidade que fervilha e cresce a um ritmo alucinante, onde os homens se apaixonam, sonham e desesperam, procuram novos caminhos, novas formas de vida e novas soluções.

Com a sua habitual mestria, Pepetela volta a surpreender-nos com este romance, desenhando uma paisagem imparcial e objetiva da atual sociedade angolana, fruto de muitas mutações culturais e políticas derivadas da sua história recente."

O Tímido e as Mulheres leva-nos para uma Luanda atual, cheia de novidades, progresso, uma cidade em franco crescimento. À semelhança de outras cidades que passaram ou estão a passar por processos similares, Luanda cresce a duas velocidades. Existem pessoas que não têm condições para acompanhar todas as mudanças que surgem, umas por razões sócio-económicas outras por estarem presas a um tempo e formas de pensar que deixaram de ser compatíveis com o mundo atual.
Um mundo onde as mulheres trabalham e querem ser igualmente reconhecidas pelo trabalho que fazem, onde assumem o controlo das suas vidas, da sua sexualidade e dos seus corpos. Um mundo onde os homens têm de se adaptar a esta realidade e onde as mulheres tentam conciliar este novo mundo, cheio de oportunidades, com o papel tradicional que sempre lhes esteve atribuído. Embora não tenham de ser necessariamente incompatíveis, a verdade é que se toda a sociedade não estiver estruturada e orientada para a igualdade, continuará a existir uma pressão extra sobre as mulheres que castra o seu futuro, que as mantêm na linha da frente da pobreza, da baixa escolaridade e por isso mais frágeis e dependentes.

Luanda é uma cidade em transformação, onde todos os dias nasce mais um negócio, mais um prédio de escritórios ou de habitação. Está a crescer para a periferia, a alargar as suas fronteiras e a afastar cada vez mais todos os que, não tendo condições para viver na grande cidade, todos os dias têm de deixar as suas casas, apanhar os decrépitos candongueiros para poderem trabalhar e regressar ao fim do dia, nas mesmas condições. Luanda é uma cidade deslumbrada pelas aparências e refém da construção desenfreada, sem planeamento, sem outra estratégia que não seja a do dinheiro rápido, menosprezando as necessidades básicas de todos o que nela vivem ou trabalham.

Esta nova Luanda é-nos apresentada através de Heitor, um jovem escritor em início de carreira. Heitor é o tímido desta história. As mulheres são, Marisa uma mulher inteligente, estrela de um programa de rádio, dona de uma voz quente inconfundível, é extremamente sedutora e muito pouco acessível e Orquídea, uma jovem universitária, determinada, com sentido de humor e, mais uma vez, muito bonita.
É através desta espécie de triângulo amoroso que vamos conhecendo Luanda e as diferentes pessoas que a habitam, os seus medos, os seus sonhos, as suas lutas pessoais, as suas dúvidas e as suas ambições.

Pepetela é um dos meus escritores favoritos. Sei que, quando pego num livro dele a experiência vai ser boa. Às vezes é mesmo muito boa e acabo o livro com a sensação de que li algo que me mudou de alguma forma. Outros não têm esse efeito em mim, não deixando de ser livros que, para mim, são sempre bons! O Tímido e as Mulheres é um destes últimos casos, não me deixou arrebatada, mas é bom, como tudo o que li de Pepetela.

Recomendo, naturalmente.

Boas leituras!

Excerto (pág.213):
" - Pode haver alguma verdade na crítica que os estrangeiros fazem à nossa baixa produtividade, mais-velho. Está explicado, as sociedades camponesas têm outros rítimos de trabalho, embora não seja justo dizer que são imbumbáveis, como já ouvi. Fazem o que têm a fazer, só com o seu tempo definido pela natureza. E são sobretudo as mulheres quem mais trabalha.
Uma vénia em relação às donas, as quais sorriram. As três. Ganhou fôlego para continuar:
 - Os nossos trabalhadores abandonaram o campo há poucas gerações, a maior parte ainda cresceu nele. Também as relações sociais e familiares são vitais nessas sociedades precárias, sempre em risco. Daí a solidariedade forte, o parentesco fundamental, nunca se sabe quando vamos precisar do apoio da família ou do grupo social. Por isso ninguém pode faltar a um óbito de um conhecido para ir trabalhar, é contra as normas da convivência. A razão é portanto cultural. Mas pode ser modificada aos poucos. Se houver incentivos para que se mudem os costumes. Leva tempo. Com bons salários, boas oportunidades de promoção, os costumes começam a ser menos rígidos..."