agosto 23, 2020

O Paraíso Segundo Lars D. - João Tordo

Título: O Paraíso Segundo Lars D.
Ano da edição original: 2015
Autor: João Tordo
Editora: Companhia das Letras

"Numa manhã de Inverno, Lars sai de casa, enxotado por uma dolorosa insónia, e encontra uma desconhecida a dormir no seu carro. Ele é um escritor sexagenário há muitos anos sem vontade de escrever; a rapariga chama-se Glória e vive os dias conturbados da juventude. Poucas horas mais tarde, Lars parte em viagem com a jovem, deixando para trás um casamento de uma vida inteira e um romance inédito: O luto de Elias Gro.
A mulher de Lars é quem assume as rédeas da narrativa, tal como tentara fazer com a vida do marido, cavaleiro solitário. Refém das memórias, por vezes cómicas, por vezes dolorosas, dos anos vividos com o escritor, a narradora reconstrói uma cartografia emocional do seu casamento, que é afinal um mapa de solidão e de afectos. Com a vida paralisada pela ausência de Lars, o seu caminho cruza-se com o de Xavier, um jovem estudante de Teologia. Juntos, investigação o paradeiro de Lars e, pelo caminho, explorarão uma certa ideia do Paraíso."

O Paraíso Segundo Lars D. é um livro intimista e essencialmente triste. Há algo de intrinsecamente triste em toda a história de Lars D., contada pela sua mulher quando Lars, um dia sai de casa e nunca mais regressa. Há muita solidão nesta narrativa que acaba por se tornar numa viagem quase desapegada pelo casamento dos dois.
Lars D., um escritor genial, uma personagem respeitada, cujo processo de criação surge como sendo muito difícil, muitas vezes doloroso, que o afasta de todos, que o obriga a viver apenas consigo e com os seus traumas e problemas interiores. 
A mulher de Lars D., aparece-nos como a pessoa por detrás do génio, que afasta todas as interferências no processo criativo, que o ajuda a levantar-se quando cai, que o alimenta e mantém fisicamente saudável. A mulher que vive todo o seu casamento, a cuidar de um homem que, na maior parte das vezes não parece aperceber-se que ela está lá. A mulher que abdica de tudo para que ele possa continuar a escrever e ela tenha o privilégio de estar ao lado dele. A mulher que casou com ele e não esperava mais do que isso, apenas estar presente quando ele precisasse, antecipar as suas necessidades e dar-lhe condições para criar a sua próxima grande obra. A mulher que, quando ele desaparece, se apercebe que os anos do seu casamento foram os anos mais solitários da sua vida. Com Lars D. fora da sua vida, terá de reaprender a viver para si, apenas para si, e a aceitar que nunca é tarde para se ser feliz.

Agrada-me muito esta fase mais intimista de João Tordo, a escrita mais madura e o que consegue transmitir-nos enquanto leitores. Tinha gostado muito do Luto de Elias Gro (opinião aqui)e, acho que gostei ainda mais deste O Paraíso Segundo Lars D.. Mais simples na narrativa, mas muito eficaz nas emoções que transmite.

Gostei muito e recomendo sem qualquer hesitação.

Boas leituras!

Excerto (pág. 74):
"Xavier trouxe tudo para a mesa e começamos a comer. A refeição era um dos rituais que eu e Lars nunca descurávamos. Ao longo de várias décadas, a maneira de comer do meu marido levou-me ao desespero e ao amor mais profundo. Quando ainda era jovem, ele comida apressadamente e, depois de terminar, ficava a observar-me enquanto eu comia, muito mais devagar. Os anos passaram e, no período de trabalho mais fértil, ele chegava às refeições como quem chega a uma corrida de estafetas e comia ainda mais depressa, mastigando tudo ao mesmo tempo (brócolos, bife, vinho, pudim). Depois dizia:
    Sabe tudo a coentros.
    Até o pudim?, perguntava eu. 
    Sobretudo o pudim. 
    E desaparecia para o escritório. 
No entanto, nem depois de ter deixado de escrever, quando se dedicava ao ascetismo e comia pouquíssimo, Lars faltava às refeições. Nunca: as refeições eram nossas e ele participava sempre delas, como um cavalo que tem de ir ao bebedouro para não perecer."

1 comentário:

  1. Olá N. Martins,
    Tenho alguns livros deste escritor aqui na estante para ler.
    Não conhecia este livro, mas depois de ler a tua opinião fiquei com a pulga atrás da orelha.
    Boas leituras!

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