Título: El Peso del Corazón
Ano da edição original: 2015
Autor: Rosa Montero
Tradução: Helena Pitta
"Três anos, dez meses e vinte e um dias.
Ano da edição original: 2015
Autor: Rosa Montero
Tradução: Helena Pitta
Editora: Porto Editora
É o tempo que resta a Bruna Husky. A detetive replicante, que é uma sobrevivente capaz de tudo, continua a debater-se com a independência total e a necessidade desesperada de carinho, como uma fera aprisionada na jaula de uma existência a prazo.
Contratada para resolver um caso aparentemente simples e lucrativo, Bruna vê-se envolvida numa trama de corrupção internacional de tal forma sinistra e ameaçadora que pode comprometer a existência da própria Terra. Num futuro no qual os direitos, outrora considerados essenciais, se tornaram reféns do dinheiro, a replicante revela-se uma guerreira empenhada na luta contra esquemas de organização social baseados em preconceitos, regras rígidas e fanatismo, que põem em causa a existência de todos os seres.
O Peso do Coração é um romance distópico que, a partir do debate claro e atual das consequências das opções do presente, reflete de forma madura sobre as condições de vida e da morte, e sobre aquilo que é, na essência, a própria definição de humanidade, constituindo um regresso extraordinário ao mundo fascinante de Lágrimas na Chuva."
Tenho a estranha sensação de que cada vez mais as distopias me parecem mais realistas, menos improváveis e, por isso, mais perturbadoras. É o caso deste O Peso do Coração de Rosa Montero, que se passa num futuro não tão longínquo, onde o Homem quase destruiu a Terra, conquistou o espaço, inventou Tecno-Humanos, batizou-os de Replicantes e, estes conquistaram direitos.
A Terra ainda existe, mas é um lugar diferente do que conhecemos e está em pleno processo de renascimento. A sociedade parece continuar assente numa lógica de dinheiro: quem o tem pode pagar qualidade de vida, quem não o tem, é como se não existisse. Pensando bem, afinal a Terra não é assim um lugar tão diferente. Talvez a diferença esteja no descaramento com que tudo é feito, sem dilemas morais porque, as coisas são como são. Uma questão de sobrevivência, a normalização da lei do mais forte, talvez.
Os replicantes são uma espécie de androides muito evoluídos que coabitam com os humanos, convivem com os humanos e relacionam-se com os humanos. Parecem humanos, agem como humanos, parecem sentir como os humanos mas não são humanos. Tem um tempo predeterminado de vida e "morrem" de uma forma feia e humana. Quando se aproxima a data em que são desativados, as suas partes orgânicas começam a degradar-se, até que deixam de funcionar por completo na data que estava programada desde a sua criação.
Bruna Husky é um replicante e, restam-lhe três anos, dez meses e vinte e um dias de vida e ela não consegue deixar de pensar nisso. Sente a toda a hora a sua finitude e o aproximar do seu fim. Bruna é um Replicante de combate e, desde que foi dispensada do serviço militar, é detetive.
Bruna sempre foi diferente dos outros porque quem a criou, colocou em Bruna algumas das suas memórias pessoais, o que a tornou, se assim se pode dizer, mais humana, porque as memórias, para todos os efeitos, são reais. Não são dela, ela sabe que não lhe pertencem, mas a memória dos sentimentos que lhe foi implantada é real. Isto torna Bruna mais sensível, empática e até capaz de amar, romanticamente, os humanos.
O Peso do Coração é o segundo livro que Rosa Montero escreveu com Bruna Husky, o primeiro é Lágrimas na Chuva. Não tendo lido o primeiro, não me senti deslocada no mundo de Bruna. Parece-me que podem perfeitamente funcionar de forma independente.
Neste, Bruna vê-se envolvida numa investigação que coloca em risco os três anos, dez meses e vinte e um dias que lhe restam. Vê-se de volta às Zonas Zero, é mordida por uma miúda meio selvagem e, para lhe salvar a vida, aceita ficar responsável por ela, trazendo-a de volta consigo e, volta a trabalhar com Lizard, o polícia com quem tem um relação complicada, a todos os níveis.
Tendo como pano de fundo a investigação de Bruna, vamos vendo, através dos seus olhos, o estado da humanidade, as consequências de todas as decisões de humanos pouco escrupulosos, baseadas no dinheiro, no poder efémero mas, também as decisões de humanos bem intencionados que não souberam fazer de outra forma.
São interessantes os dilemas de Bruna, que vive torturada, sabendo que não é humana mas sentindo-se como uma. Capaz de amar, de sentir prazer e dor, de questionar as suas ações e as dos outros, de tomar decisões que vão para além do seu bem-estar. Não deixa, no entanto, de pensar até que ponto tudo o que sente não está programado e, por isso, Bruna é tão Replicante como os seus semelhantes?
Até que ponto, nós humanos, não estamos também pré-programados? Até que ponto não somos apenas química e o que sentimos, não são apenas reações químicas, balanços energéticos que podem ser replicados num laboratório?
É um livro que é mais do que a investigação, o entretenimento e a ação. Levanta algumas questões sobre as quais devemos todos refletir, que nos assustam, mas das quais não devemos fugir.
Este é o terceiro livro que li de Rosa Montero, e acho-os a todos muito diferentes uns dos outros e todos eles são muito bons e surpreendentes. Gosto muito da escrita dela, da forma como desenvolve as histórias e gosto dos temas. Gosto mesmo muito de Rosa Montero. Para além do conteúdo dos livros, acho que têm dos títulos mais originais e bonitos e, adoro todas as capas que circulam por cá. É o pacote completo! :)
Recomendo sem qualquer hesitação.
Boas leituras! :)
Excerto (pág. 9)
"Os humanos são paquidermes, lentos e pesados, ao passo que os Replicantes são tigres rápidos e desesperados, pensou Bruna Husky, consumida pela impaciência de ter de esperar na fila. Recordou uma vez mais a frase de um autor antigo que, um dia, o seu amigo arquivista citara: «As ininterruptas idas e vindas do tigre diante dos barrotes da jaula para que não se lhe e escape o único e brevíssimo instante da salvação.» Impressionada, Bruna decorara-a. Ela era esse tigre, preso no minúsculo cárcere que era a sua vida. Os humanos, com as suas existências longuíssimas e velhice intermináveis, costumavam glorificar com vaidade as vantagens da aprendizagem; até das mas experiências, defendiam, se podiam tirar lições. Husky é que não tinha tempo a perder com tais tontices; como qualquer androide, só vivia uma década, que terminaria dentro de três anos, dez meses e vinte e um dias, e tinha a certeza de que havia saberes que não valia a pena interiorizar. Por exemplo, teria vivido feliz sem conhecer a imundície das Zonas Zero; no entanto ali estava ela no que parecia agora ser uma viagem inútil à miséria."