maio 31, 2024

O Hotel New Hampshire - John Irving

Título original: The Hotel New Hampshire
Ano da edição original: 1981
Autor: John Irving
Tradução: Ana Falcão Bastos
Editora: Distri Editora - Círculo de Leitores

"Um romance imaginativo, original e encantador. 
No centro da história está uma família, uma família muito especial, extraordinária: um pai sonhador, sem qualquer espírito prático; uma mãe meiga e carinhosa; três rapazes e duas raparigas, quatro dos quais veremos crescer e o outro que, juntamente com um dos progenitores, morrerá novo, de maneira trágica."

O Hotel New Hampshire acompanha a vida dos Berry, o pai Winslow, a mãe Mary Bates e os cinco filhos, Frank, Franny, John, Lilly e Egg. E a vida deles passa por New Hampshire, pelo Maine, pela Áustria e por Nova Iorque. 

Como é habitual nas histórias de John Irving, tem ursos, prostitutas vienenses, comunistas e artistas de circo e anões. Tem personagens complexas, sexualidades complicadas e acontecimentos que não nos deixam indiferentes. 
Fala de violação, de incesto, de morte, de fatalidades e de sonhos. Mas, acima de tudo, O Hotel New Hampshire é sobre o amor e sobre lealdade. O amor que nos liga, de forma por vezes irracional, à nossa família, em particular aos nossos irmãos. Quem tem irmãos conseguirá perceber que o amor que nos une aos nossos irmãos é incondicional. Com esquisitices e defeitos incluídos. São as pessoas que sempre estiveram lá e que sempre estarão, mesmo quando não estão. E os irmãos Berry não são diferentes, são apenas mais estranhos que o comum dos mortais. 

Dentro de toda a típica estranheza nos livros de Irving, este é talvez o mais estranho que já li. A história é absurda. Talvez a maior parte do tempo seja mesmo absurda e inverosímil. Mas é divertida e é difícil parar de ler. 

Gostei porque dificilmente não gosto de Irving mas, sinto que não devia gostar, principalmente pela excessivas referências sexuais, que incomodam e são confrangedoras por envolver adolescentes. 

Talvez não seja o melhor livro para primeira leitura de Irving mas, para quem conhece o escritor o livro é incontornável. 

Recomendo a quem já leu Irving. 

Boas leituras. 

Excerto (pág. 165):
"Recordo-me que sobre as nossas cabeças pairava algo mais pronunciado do que a habitual mistura de patetice e tristeza, como se, de quando em quando, tivéssemos consciência de quase não nos lembrarmos da morte do Iowa Bob - e, noutros momentos, consciência de que a nossa maior responsabilidade (não apesar da morte do Iowa Bob, mas por causa dele) era divertimo-nos. Foi talvez o nosso primeiro teste de uma máxima que havia sido transmitida ao meu pai pelo próprio Iowa Bob; era uma máxima que o Pai nos repetia vezes sem conta. Era-nos tão familiar que nem sonhávamos comportar-nos como se não acreditássemos nela, embora provavelmente nunca tivéssemos sabido - até muito mais tarde - se aceditávanos ou não. 
A máxima estava ligada à teoria do Iwoa Bob de que estávamos todos num grande barco - num grande cruzeiro à volta do mundo. E apesar do perigo de sermos varridos pela tempestade a qualquer momento, ou talvez devido a esse mesmo perigo, não nos era permitido sentirmo-nos deprimidos ou infelizes. O modo como o mundo funcionava não justificava qualquer tipo de distanciamento cénico ou de desespero imaturo. Segundo o meu pai e o Iowa Bob, o modo como o mundo funcionava - e funcionava mal - era justamente um forte incentivo para se viver com determinação e para ter por objetivo saber viver."

Existe um filme, de 1984, baseado no livro - The Hotel New Hampshire, com uns novíssimos Jodie Foster e Rob Lowe

 

A Mulher Comestível - Margaret Atwood

Título original: The Edible Woman
Ano da edição original: 1969
Autor: Margaret Atwood
Tradução: Paulo Moreira
Editora: Edições Livros do Brasil

"Marian é uma mulher deliberadamente vulgar, que espera casar-se mais dia menos dia. Gosta do seu trabalho, da amiga quase ninfomaníaca com quem partilha o apartamento, do seu noivo excessivamente fleumático. Ao princípio tudo parece correr bem. Mas Marian não contou consigo mesma, com aquilo que é na realidade: uma mulher que deseja um pouco mais do que aquilo que tem, que inconscientemente vai sabotando os seus próprios planos, a sua rotina, a sua digestão. E Marian descobre, por fim, que há coisas que não suporta.
A Mulher Comestível foi publicado em 1969, coincidentemente com a ascensão do feminismo na América do Norte. Muita gente pensou de imediato que o livro era, pois, um produto desse movimento. Ora o romance fora escrito, na verdade, quatro anos antes. Como diz a própria autora: «Eu encaro o livro mais como protofeminista do que como feminista, Não existia qualquer movimento feminista quando o escrevi, em 1965, e eu não tenho o dom da clarividência apesar de, a exemplo de muitas mulheres dessa época, ler Betty Friedan e Simone de Beauvoir à porta fechada. Vale a pena realçar que as opções da minha heroína se mantêm praticamente inalteradas ao longo de todo o livro: ou uma carreira que não conduz a parte alguma, ou um casamento para escapar à carreira. Mas estas eram as opções de qualquer jovem, ainda que instruída, no Canadá dos anos 60. E seria aliás um erro acreditar que as coisas mudaram verdadeiramente.»"

A Mulher Comestível foi o primeiro livro que Margaret Atwood publicou. Foi escrito nos anos 60 e foi publicado durante os anos 70.

Marian é uma jovem mulher que trabalha numa empresa de inquéritos, partilha casa com Ainsley e namora Peter, um advogado júnior.
Marian, tirou um curso superior, não gosta particularmente do trabalho que faz e não se identifica com as colegas de trabalho. 

Conhece e namora Peter há algum tempo e Peter é uma espécie de Peter Pan, não quer casar tão cedo, quer continuar a viver a vida de um jovem sem responsabilidades e sem compromissos. Gosta de Marian porque acha que ela o compreende e é sensivel às suas necessidades. 
Marian parece conviver bem com esta espécie de acordo entre os dois. Não sabe se quer casar, ou se o quer fazer com Peter. Por outro lado, sente que gostaria que ele o quisesse.

Na verdade Marian não sabe muito bem quem é e o que quer para ela. Não se sente enquadrada com o que esperam dela, como mulher mas, ao mesmo tempo também não sabe o que fazer senão o que esperam dela: casar, deixar de trabalhar, ter filhos e cuidar da casa e do marido. Que alternativa tem?

Por outro lado Ainsley a amiga com que partilha casa, é aparentemente mais moderna, não quer casar mas quer ter um filho porque acha que a maternidade é o ponto alto da feminilidade. Inicia, por isso, uma busca incessante do pai ideal para o seu futuro bebé. Vale tudo para conseguir um progenitor que seja bonito, inteligente e saudável. 

Os dias vão passando sem grandes sobressaltos até que Marian conhece Duncan um rapaz estranho que a intriga e desafia. Não percebe porquê mas acaba sempre por gravitar para ele. Na mesma altura, Peter lá se decide que está na altura de dar o passo seguinte e pede Marian em casamento, numa noite de grande confusão e de desorientação para Marian. Esta aceita. Que outra resposta possível poderia existir?

A partir dessa altura algo muda em Marian. Começa de forma gradual a rejeitar todo o tipo de alimentos. É incapaz de comer carne ou peixe porque sente que está a matar os animais. Acaba por deixar de comer até os vegetais porque começa a olhar para eles como seres vivos capazes de sentir dor.

Nada disto a faz parar para pensar no que se passa com ela. Não relaciona o seu distúrbio alimentar com estes novos acontecimentos na sua vida, no entanto, Marian parece estar, de forma inconsciente a gritar por ajuda. Quer mesmo casar com Peter? Quer ter filhos e deixar de trabalhar? O que significa Duncan na meio de toda a confusão em que se transformou a sua vida, até então, previsível?

A Mulher Comestível é um livro muito bem conseguido e divertido  que fala sobre o papel da mulher na sociedade e no quão pernicioso pode ser contrariarmos constantemente aquilo que somos, a nossa verdadeira essência.

Gostei muito, como tem sido habitual, Margaret Atwood não desilude, nem com o seu primeiro livro. :)

Recomendo sem qualquer hesitação. 

Boas leituras. 


Excerto (pág. 88):
"Queria que Peter se voltasse para mim e falasse comigo, queria ouvir a sua voz normal, mas ele não o fez; estudei os reflexos dos meus três companheiros no tampo preto da mesa, à medida que eles se moviam no que parecia uma espécie de piscina localizada por baixo do mesmo; exceção feita aos olhos de Ainsley, gentilmente pousados no seu copo, só via queixos. Passado algum tempo, notei com ligeira curiosidade que uma enorme gota de qualquer coisa molhada se tinha materializado perto da minha mão. Tacteei-a com a ponta do dedo e brinquei um pouco com ela antes de perceber, horrorizada, que se tratava de uma lágrima. Sendo assim, eu devia estar a chorar! Dentro de mim, algo se transformou num labirinto de trémulo pânico, como se tivesse engolido um enorme sapo. Estava prestes a soçobrar e a fazer uma cena, mas não podia.
Deslizei para fora da cadeira, tentando parecer o mais natural possível, atravessei a sala tendo todo o cuidado para evitar as outras mesas e dirigi-me para a casa de banho das senhoras. Certifiquei-me de que não estava lá mais ninguém - não podia ter testemunhas -, tranquei-me num dos pequenos cubículos cor-de-rosa e chorei durante vários minutos. Não conseguia perceber o que me estava a acontecer e porque estava a chorar daquela maneira; nunca me tinha acontecido nada assim e parecia-me tudo o mais completo absurdo.
 - Vê se te controlas - murmurei. - Não faças figuras parvas.
Indefeso, branco e macio, o rolo de papel higiénico era a minha única companhia, que esperava pacientemente pelo seu próprio fim. Arranquei-lhe algumas folhas e assoei o nariz."