Título: Tanta Gente, Mariana / As Palavras Poupadas
Ano da edição original: 1959 / 1961
Autor: Maria Judite de Carvalho
Editora: Minotauro
Ano da edição original: 1959 / 1961
Autor: Maria Judite de Carvalho
Editora: Minotauro
"A presente coleção reúne a obra completa de Maria Judite de Carvalho, considerada uma das escritoras mais marcantes da literatura portuguesa do século XX. Herdeira do existencialismo e do nouveau roman, a sua voz é intemporal, tratando com mestria e um sentido de humor único temas fundamentais, como a solidão da vida na cidade e a angústia e o desespero espelhados no seu quotidiano anónimo.
Observadora exímia, as suas personagens convivem com o ritmo fervilhante de uma vida avassalada por multidões, permanecendo reclusas em si mesmas, separadas por um monólogo da alma infinito.
Este primeiro volume inclui as duas primeiras coletâneas de contos de Maria Judite de Carvalho: Tanta Gente, Mariana (1959) e As Palavras Poupadas (1961), Prémio Camilo Castelo Branco."
Primeiro contacto com a escrita de Maria Judite de Carvalho e sinto que já deveria ter sido exposta a ela há muito mais tempo.
Gostei de tudo. Gosto da escrita, da forma leve e irónica como nos transporta para dentro das vidas das mulheres, essencialmente mulheres, que habitam as suas histórias.
São mulheres sozinhas, por vezes sós, solteiras ou viúvas, na meia idade, que suponho seja, para a altura em que foram escritas, uns quarenta anos e cujos pensamentos, angustias e reflexões sobre as suas vidas e sobre o que as rodeia vamos conhecendo de forma muito natural. Impressiona que sejam, à primeira vista histórias sobre nada, onde nada acontece mas, que sejam afinal de conta histórias profundas sobre o ser humano, sobre a mulher, sobre o amor e sobre a vida.
Recomendo sem qualquer hesitação. Desconfio de escritores ou obras que são consensuais e das quais todos gostam mas, na verdade, não sei o que levaria alguém a não gostar de Maria Judite de Carvalho.
Além disso as edições da Minotauro têm uma qualidade extraordinária e com capas lindíssimas. Dá vontade de andar com eles para todo o lado. :)
Boas leituras!
Fica também o link para um documentário que passou na RTP e que continua disponível na RTP Play - A Vida é Um Autocarro Vazio - sobre a vida e obra de Maria Judite de Carvalho. Não deixem de ver.
Excerto (pág. 34)
"Não quero deixar nada atrás de mim. Levei hoje a tarde a rasgar papéis. Entre eles achei o meu retrato de braços pendentes, encostada a uma árvore... Porque o guardei? Não sei, já não me lembro. Pu-lo em cima da cómoda, sabe-me bem olhar para ele.
Tantos papéis, tantas folhas que tenho escrito! Diários, cartas que não seguiram o seu destino porque afinal, pensando bem, não valia a pena mandá-las... Papéis bordados a letra miúda que eu desconheço. Mais firme, mais igual, mais redonda. A minha letra de agora engelhou e amoleceu com a minha cara e as minhas mãos, com o meu próprio corpo de seios flácidos, de carne desbotada e só.
O cesto está cheio da minha vida. Pedaços rasgados, fragmentos, frases que alguém me dirigiu e eu já mão me recordo de ter ouvido, palavras que eu disse a alguém e já esqueci. Tudo tão baralhado como as minhas recordações. Postais do Luís Gonzaga com selos de Itália e vistas de catedrais. Palavras de um desconhecido dirigidas a alguém que já não sou eu. O tempo tem estado muito agradável... Roma que é uma maravilha... e a terminar muitos desejos de felicidades. Já nem rir me sinto capaz."
"Tanta Gente, Mariana"
Excerto (Pág. 190)
"Libertei-me do círculo magnético e pus-me a subir a rua. Não fui dar aulas, não podia. Voltei para a minha casa sem calor, onde nada me esperava. Uma casa vazia, sem objetos de mau gosto, sem sentimentos de mau gosto. E pensei muito nela.
«Talvez fizesse alguma coisa louca...» Que pensarão os homens que a vão julgar? Uma mulher velha e feia, que talvez se apresente no tribunal vestida de verde e amarelo, a matar por amor... Se não é repugnante! E ridículo, acima de tudo. Mas eles os dois, creio que já o disse, nunca tinham tido a noção do ridículo."
"Uma História de Amor"
Obrigado pela partilha. Gosto das suas recensões que acompanho com frequência. Maria Judite de Carvalho como mulher que viveu na sombra de um escritor conhecido, tem um percurso singular e até pouco divulgado, no entanto com críticas muito positivas.
ResponderEliminarÉ realmente uma escritora com um percurso peculiar. O documentário na RTP acaba por enquadrar isso muito bem. Fico contente por a sua obra estar a ser recuperada, de outra forma acho que nunca me iria cruzar com ela.Obrigada pelo comentário. :)
Eliminar