outubro 30, 2010

Um Amor Sem Tempo - Carlos Machado

"Após seis anos de ausência, Eduardo regressa à ladeia onde nasceu para vender a propriedade da família, votada ao abandono desde a morte do avô. Estava uma tarde quente, modorrenta, que lhe despertou as memórias das longas tardes douradas da infância e adolescência. «Ia ficar pouco tempo», pensava encostado a uma árvore do carvalhal que bordejava a aldeia. Mas, subitamente, uma sucessão seca de tiros fez reverberar o ar sólido do estio e acabou com a paz daquele dia. Os famosos pombos-correios de Severino Sarmento, o homem mais poderoso da terra, tinham sido traiçoeiramente abatidos. E é, então, que numa atmosfera espessa e perturbada se dá o reencontro de Eduardo com o seu passado e como todos aqueles que o marcaram de forma indelével. Sobretudo Mariana, a bela filha de Severino e o seu grande amor. Partindo deste facto aparentemente inócuo, Carlos Machado, num romance apaixonante, conduz-nos através de uma trama que tem lugar nos tempos agitados do pós-25 de Abril e que nos coloca, sem moralismos, perante fraquezas e grandezas da natureza humana."

Nunca tinha lido nada do Carlos Machado e o que encontrei foi um Engenheiro Electrotécnico que escreve sobre o amor de uma forma que me surpreendeu. Surpreendeu-me ainda mais a riqueza do vocabulário, onde é notória a preocupação de tornar o texto o mais rico possível aproveitando a diversidade da língua portuguesa. Posso ter achado esse esforço às vezes um pouco deslocado mas, fiquei rendida quando ele conseguiu colocar a expressão "eixos da cristalografia" num romance pós-25 de Abril, de uma forma tão natural. ;)

A história em si, não traz nada de muito novo. É sobre um amor que não conhece o significado da palavra tempo, um amor que dura uma vida toda e que resiste às adversidades saindo delas amadurecido e fortalecido. Assim é o amor de Eduardo e Mariana, um amor sem tempo.
Eduardo passava todos os Verões na aldeia, em casa dos avós. Mariana é a filha do homem mais poderoso da aldeia, Severino Sarmento, homem ambicioso e implacável. Mariana cheira a pêssego e frutos silvestres, cheira a Verão e para Eduardo é a sua paixão de Verão ano após ano. Namoram, de forma inocente durante o Verão e separam-se todos os anos com o regresso de Eduardo a Lisboa, onde vive com os pais. Num Verão, Eduardo não regressa, pois com a morte do avô deixou de fazer sentido o regresso à aldeia, como se mais nada o prendesse ao local. Quando seis anos depois, Eduardo volta e reencontra Mariana, encontra uma jovem amargurada e desiludida com a vida. Para Eduardo, mortificado pela culpa de nunca mais ter dado notícias, ela continua a cheirar a Verão e embora tenha medo de o admitir, continua a amá-la da mesma forma. O Eduardo que regressa é um jovem de esquerda, cheio de sonhos e certezas quanto ao futuro do país. No entanto, não se sente preparado para viver com Mariana o amor que sentem um pelo outro e parte novamente, não se permitindo descobrir como cheira Mariana no Outono, no Inverno ou mesmo na Primavera. Resistirá este amor a mais uma separação? É o que poderão descobrir se lerem o livro. Para além disso, vão ainda descobrir, com Eduardo, uma aldeia que pouco mudou desde que ele partiu, uma aldeia por onde a Revolução dos Cravos parece não ter passado pois, quem tinha poder continua a tê-lo e quem obedecia continua a fazê-lo, de forma resignada. Encontrarão também muitas referências históricas, do 25 de Abril e não só, encontrarão algum mistério e intriga, aventura e livros. Sim, porque um Engenheiro que escreve da forma que Carlos Machado escreve só pode gostar muito de livros e de os ler. :)

É um livro interessante, especialmente pela forma como está escrito, onde existe um cuidado na escolha das palavras e na descrição quase poética dos cenários exteriores, bem como na descrição das sensações e lembranças que o protagonista vai vivendo. Gostei da personagem do Eduardo e da sua evolução, sincero e ingénuo no seu regresso à aldeia e, mais terra a terra no final do livro. Gostei do retrato que o autor faz da vida pós-25 de Abril numa aldeia afastada dos grandes centros urbanos, onde se concentrava quase toda a acção política. Gostei também das boas lembranças que me trouxe, porque facilmente a aldeia do livro é a aldeia dos nossos avós onde passamos, em crianças, dos melhores momentos das nossas vidas. E por isso, também foi muito penoso identificar-me com o afastamento que, de forma quase inevitável, acontece quando crescemos. Esta familiaridade que o autor consegue criar tornou a leitura próxima e portadora de um certo aconchego gostoso. :) Esta é uma característica que dificilmente encontro em autores estrangeiros e, é por isso que ler escritores portugueses e histórias portuguesas como esta é por vezes uma necessidade física, porque tudo nos é familiar, coisas que fazem parte da nossa memória colectiva e que provocam um sentimento de pertença que dificilmente vivenciamos com autores estrangeiros.
Por isso, o facto de a história não ser muito original e de por vezes o palavreado ser exagerado e onde facilmente se identificava a formação técnica do autor, não é muito relevante para o sentimento final que fica depois de lermos a última página, que é de que acabei de ler um bom livro escrito de uma forma que me surpreendeu.

Recomendo. ;)

Nota: Obrigada, mais uma vez, ao blogue ...Viajar Pela Leitura..., pela oferta do livro e à Editorial Presença pela disponibilização do livro para oferta e pela rapidez no envio. :)

7 comentários:

  1. Não estava a pensar em arranjar este, mas agora vai para a minha lista de próximas aquisições...

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  2. redonda: Não me venhas dizer depois que dou cabo do teu orçamento! ;)

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  3. Gostei desta tua opinião e aguardava por ela.
    Não sei se o irei adquirir, mas gostava muito de o ler, sem dúvida.

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  4. tonsdeazul: Obrigada. :) Não sei se o compraria, mas é um autor que vou manter debaixo de olho. Sendo um escritor novo, senti espaço para algo de original. Tem uma forma de escrever que foge um pouco à regra e isso é sempre interessante.

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  5. Natacha, coloquei um link deste teu post no meu blog, sei que não te importas...Bom ano de 2011!

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  6. Cara Natacha Martins,

    Enveredei também, não há um mês, pela "aventura" de um blogue de seu nome pro(e)scrito, http://cbmachado.blogspot.com
    Julgo que me permitirá fazer o link da sua apreciação a meu livro

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  7. Carlos Machado: Permito concerteza! :) E vou seguir o seu blogue para assim me ir mantendo actualizada acerca do seu trabalho.

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