junho 27, 2011

A Senhora de Avalon - Marion Zimmer Bradley

Título original: Lady of Avalon
Ano da edição original: 1997
Autor: Marion Zimmer Bradley
Tradução: Ana Maria Pinto da Silva
Editora: Rocco - Temas e Debates

"Depois de As Brumas de Avalon e de A Casa da Floresta, Marion Zimmer Bradley regressa agora com esta nova saga da ilha mágica, contada por três gerações de sacerdotisas que, nos primeiros quinhentos anos da era cristã, protegem o seu reino encantado da avidez do Império Romano. A primeira, Caillean, esconde Avalon dos legionários, envolvendo-a sabiamente numa nuvem de brumas intransponíveis; a segunda, Dierna, promove de forma astuta a união de uma das suas noviças com um general romano, transformando-o num potencial imperador bretão que assegurará a preservação do solo sagrado; a terceira, Viviane, guardiã do Cálice Sagrado, partirá da casa dos pais adoptivos na ilha de Mona aos catorze anos para se encontrar com a verdadeira mãe, a senhora de Avalon, e preparar o caminho para o nascimento do rei Artur. Rico na descrição de ambientes e na construção de personagens, este romance - onde não faltam guerra, e traições, amores e ódios, profecias e maldições - tem a mesma grandiosidade mítica e épica que caracteriza as outras obras da autora, evocando com igual dinamismo, os mitos, a magia e a história da Inglaterra lendária."

Regressar à escrita encantada de Marion Zimmer Bradley é sempre bom, principalmente quando o tema é Avalon e toda a magia envolvida. E, mais uma vez, ao ler Marion Zimmer Bradley, sinto vontade de reler As Brumas de Avalon, que já li não sei quantas vezes. :) E esta vontade surge mesmo que, na minha opinião, A Senhora de Avalon, não seja o livro mais inspirado da autora. E a questão é mesmo essa, mesmo menos inspirado, o livro não deixa de ser muito bom! :)

Em A Senhora de Avalon, como muito bem diz a sinopse, são retratadas três eras na história da Britânia. A primeira, de 96dc a 118dc, com o domínio do Império Romano a aumentar e a Ilha de Avalon a ser ameaçada, bem como, a vida das sacerdotisas e druidas que nela se refugiaram. Para proteger o culto da Deusa, Caillean, a Senhora de Avalon, envolve a ilha em brumas, tornando-a invisível ao comum dos mortais. Avalon passa a ficar situada entre o mundo dos homens e o mundo das Fadas.
Gostei muito de conhecer o que levou a que a ilha tivesse ficado envolta em brumas, tornado-se um lugar ainda mais místico.
Numa segunda parte, de 285dc a 293dc, a Britânia vive em paz com o Romanos, sem no entanto desistir de recuperar a sua autonomia. É nesse sentido que Dierna, a Senhora de Avalon, força a união entre Caráusio, um general romano, e uma das suas noviças Teleri, a quem quer como a uma irmã. Será que, com a benção da Deusa, Caráusio conseguirá alcançar a vitória pela qual toda a Britânia anseia? Ou a vontade da Deusa nada pode contra o desejo, por vezes inabalável, dos homens? É curioso que num livro onde se fala tanto de destino, de reencarnações e de forças superiores à nossa compreensão, os homens tenham tanta influência no seu próprio destino, sendo eles os únicos responsáveis pelos acontecimentos. É curioso. :)
Na terceira e última parte, de 440dc a 452dc, Ana, a Senhora de Avalon, manda buscar a sua única filha, Viviane, à família adoptiva, para que esta possa ser iniciada nos mistérios da Deusa e, assumir o seu lugar quando a altura chegar. Viviane é extremamente talentosa e tem com a mãe uma relação complicada e cheia de ressentimentos. Controlar os seus feitios em prol da defesa da Britânia contra os consecutivos ataques dos Saxões, povo rude e selvagem que ao longo dos tempos tem atormentado as costas da ilha, é essencial para que Avalon não seja mais uma vez ameaçada pelo mundo exterior. Alianças são novamente forjadas nos rituais de Avalon e mais uma vez a Deusa tenta fazer prevalecer a sua vontade exigindo sacrifícios que nem sempre são compreendidos.
Nesta terceira parte conhecemos as três irmãs que vão dar origem a toda a história das Brumas de Avalon. Viviane, é a Senhora de Avalon, Igraine é a mãe de Morgaine e Arthur e, Morgause é a tia menos simpática da família. ;) Foi esta aproximação à era de Arhur, retratada nas Brumas de Avalon, que fez com que esta terceira parte do livro fosse aquela que mais prazer me deu ler e que me deixou com vontade de reler toda a saga. :)

No início estranhei um pouco a história, estranhei os pormenores acerca dos rituais e todas as referências à luz, à paz, aos Deuses e afins. Estava a achar o livro demasiado espiritual e isso deixou-me preocupada, porque não estava a gostar. Não me recordo de os outros livros dela serem tão pormenorizados nesse aspecto e é por isso que acho o livro menos inspirado. No entanto, a história foi-me agarrando, fui-me embrenhando na vida das personagens e cheguei ao fim com pena por ter de abandonar o mundo mágico de Avalon.
É um livro repleto de misticismo e de beleza com paisagens de sonho que me aguçaram ainda mais a vontade de visitar os locais que ela refere, para descortinar, passados tantos séculos, alguns recantos que tenham guardado algum do misticismo que permitiu que a lenda da ilha de Avalon tenha chegado aos nossos tempos ainda tão cheia de encanto.

É um livro que vale a pena ler para quem gosta do mundo que Marion Zimmer Bradley tão bem sabe descrever e, para quem gosta de história, é também um livro que poderá dar uma perspectiva diferente daquela a que estamos habituados. A escrita é, como sempre, muito límpida e envolvente e, as personagens muito ricas e, claro que as mulheres continuam a ser as peças chave de toda a história. Como é comum nos livros da autora, o amor é um tema importante e está sempre presente. Continua é a ser feito de sofrimento e de desencontros dolorosos. O amor nos livros desta autora não é um sentimento que traga muita felicidade... :/

Seria incapaz de não recomendar um livro de Marion Zimmer Bradley, pelo que apenas posso dizer: LEIAM! :)


Excerto:
"Fala a Rainha das Fadas:
Aproxima-se uma nova era, em que Avalon vai parecer tão distante para eles como o parecem agora as Fadas. A rapariga que governa agora sobre o Tor vai utilizar os seus poderes para tentar mudar esse destino e a que vier depois dela fará o mesmo. Ambas falharão... Até mesmo o Defensor, quando vier, vai dominar apenas durante algum tempo. Como poderia ser de outra forma, quando as suas vidas não passam de momentos para a vida do mundo?
Serão os seus sonhos que sobreviverão, porque um sonho é imortal... tal como eu também o sou. E, apesar do mundo dever mudar inteiramente quando os seus conhecimentos se reflectirem aqui, existirão igualmente outros lugares onde um pouco de luz do Outro Mundo brilhará através do mundo dos homens. E essa luz não se perderá entre os homens, desde que eles continuem a procurar consolo nesta terra sagrada que se chama Avalon."

junho 18, 2011

Ernestina - J. Rentes de Carvalho

Título original: Ernestina
Ano da edição original: 1998
Autor: J. Rentes de Carvalho
Editora: Quetzal Editores
"Ernestina é mais do que um romance autobiográfico ou um volume de memórias de família ficcionadas. É um retrato de Trás-os-Montes, dos anos 1930 aos anos 1950, um romance que transcende o relato regionalista e que transpôs fronteiras, transformando-se num fenómeno editorial na Holanda. Ernestina é também o nome da mãe do autor e da intrépida protagonista deste livro. Sobre ela J. Rentes de Carvalho disse: «Mãe de um só filho, a sua vida, que foi de uma tristeza, amargura e terrível solidão, dava um livro. Escrevi-lho eu. E a sua morte quebra o último elo carnal que me ligava à terra onde nasci. Felizmente são ainda muitos e fortes os laços que a ela me prendem.»"

Quando lemos pela primeira vez um escritor e gostamos muito do que encontramos, gera-se quase automaticamente uma certa ansiedade quando pegamos num segundo livro para ler. E se A Amante Holandesa tivesse sido o único livro de jeito que J. Rentes de Carvalho escreveu? Felizmente não foi esse o caso e, Ernestina só veio confirmar que este é um autor para se continuar a ler. :)
Ernestina é um livro que o autor assume ser autobiográfico e onde nos é contada a história da sua família, o seu nascimento,"Deus criou o mundo em Vila Nova de Gaia, numa tarde quente de Maio em 1930", a sua infância em Vila Nova de Gaia, onde nasceu, e na aldeia de Estevais, em Trás-os-Montes, onde regressava todos os anos e onde viveu durante algum tempo com os avós. "E como se de par em par se abrissem as portas que me tinham ocultado a grandeza do viver, gritei de alegria e corri ladeira acima na pressa de encontrar o meu destino." É desta forma que termina a narrativa de J. Rentes de Carvalho, que com quinze anos acaba de encontrar mais uma razão para sorrir. :)
Numa escrita despretensiosa e bem-humorada, J. Rentes de Carvalho partilha connosco as suas memórias de infância, homenageia os avós e a terra que o viu crescer e faz-nos sentir da família. E que família esta! Repleta de personagens cativantes, com histórias caricatas, faz com que ler sobre as suas vidas seja uma autêntica viagem ao passado. É um livro cheio de humor, de cheiros e de cor, de certa forma inocente e, porque o autor não se coíbe de partilhar connosco as coisas menos boas da história familiar, o livro acaba por ser muito genuíno e enternecedor. Mais do que uma história autobiográfica, este é também um livro sobre Trás-os-Montes e sobre o Portugal das décadas 30 a 50, a forma como vivíamos e convivíamos.
Gostaria de destacar a viagem que J. Rentes de Carvalho descreve com mais pormenor, e que era feita todos os anos, entre a cidade e a aldeia. É fascinante a forma como ele descreve esta viagem longa, feita de comboio pelos velhinhos caminhos de ferro portugueses. É um dos pontos altos deste livro! :)
Enfim, é uma leitura que aconselho vivamente a todos. Aos que tiveram infâncias felizes junto de avós com cheiro a terra e a fumo e que se identificam com as memórias aqui desfiadas e, aos que não conhecendo esta realidade poderão, de certa forma, vivê-la nas palavras de J. Rentes de Carvalho.

Recomendadíssimo!

Boas leituras!

Excerto:
"Que mais me ficou? O banho na varanda, numa tina de água fria. O cheiro dos lençóis de linho e o da palha fresca das enxergas. Os cachos de uvas do ano anterior, pendurados para se tornarem passas. Uma gaveta com brinquedos esquecidos. O gosto da água bebida por uma pucarinha de barro. Correr de nossa casa para a casa da avó e ao abrir da porta aspirar fundo, por gosto, o odor conjunto dos estábulos, das pipas vazias, das talhas do azeite e das arcas da salmoura, dos toros de pinho, da resina das estevas, da fuligem secular entranhada em paredes seculares."

junho 04, 2011

A Solidão nos Números Primos - Paolo Giordano

Título original: La Solitudine dei Numeri Primi
Ano da edição original: 2008
Autor: Paolo Giordano
Tradução: José J. C. Serra
Editora: Bertrand Editora (Colecção 11x7)

"Um número primo é inerentemente solitário: só pode ser dividido por si próprio ou por um, nunca se adaptando aos outros. Alice e Mattia também, vivendo em torno do seu próprio eixo, sozinhos com as suas respectivas tragédias. Alice, uma criança bastante introvertida, é obrigada pelo pai a frequentar um curso de esqui para ser forte e competitiva. No entanto, um acidente terrível deixará marcas no seu corpo para sempre. Mattia é um menino de inteligência brilhante cuja irmã gémea é deficiente. Quando são convidados para uma festa de anos, ele deixa-a sozinha num banco de jardim e nunca mais torna a vê-la. Estes dois episódios irreversíveis marcarão a vida de ambos para sempre. Anos depois, quando estes "números primos" se encontram, são como gémeos, que partilham uma dor muda que mais ninguém pode compreender. E tal como os números primos, ambos estão destinados a viver vidas paralelas sem nunca se encontrarem."

Alice é obrigada pelo pai a esquiar, coisa que ela odeia, e que a faz odiar o pai também. Um dia, enquanto esquia, Alice sofre um acidente grave que a deixa marcada para o resto da vida. A menina tímida que apenas desejava que a deixassem sossegada encontra, depois do acidente, mais uma razão para se isolar do mundo e de todos os que a rodeiam.
Mattia é um rapaz com uma inteligência acima da média, cuja irmã gémea não consegue acompanhar por ter problemas mentais. Mattia, nos poucos anos de vida que tem, vive angustiado e envergonhado pela irmã que o atrasa e que chama a atenção de todos para os dois. Um dia, são os dois convidados para uma festa de aniversário e Mattia contrariado por ter de levar a irmã com ele, deixa-a sozinha num parque perto de casa, prometendo-lhe que voltará para a buscar. Michela desaparece e nunca mais ninguém a vê.

As vidas de Mattia e Alice cruzam-se anos mais tarde, quando Mattia é transferido para a escola onde Alice estuda. São ambos miúdos solitários e completamente desajustados numa sociedade que lhes exige coisas que eles não conseguem, nem querem dar. Alice é uma miúda que anseia por aquilo que todas as adolescentes anseiam: ser aceite, sentir o interesse dos rapazes e ter amigos que minimizem o sofrimento que é crescer. Alice sofre de anorexia e vive em permanente conflito com o seu corpo, marcado pelo acidente de esqui. O pai, que ela culpa pelo acidente, é um homem por quem tem sentimentos ambíguos e a mãe é uma presença quase transparente, sem qualquer influência no crescimento da filha.
Mattia, desde o desaparecimento da irmã, vive com a culpa de a ter deixado sozinha e a partir desse dia tenta fazer tudo de forma a que a sua presença altere o menos possível tudo o que o rodeia. Quando anda tenta não fazer qualquer ruído e, no dia-a-dia, luta para ser o mais imune possível à emoção e ao sentimento. A única coisa que aparentemente lhe interessa é a matemática, especialmente o que diz respeito aos números primos, "números desconfiados e solitários" que Mattia "acha maravilhosos".
O sofrimento destes dois miúdos acaba por aproximá-los e mantêm, ao longo dos anos, uma espécie de amizade, onde Alice é o catalisador e a força que os mantém unidos. Apaixonados um pelo outro, não sabem como fazer coabitar esse sentimento e os fantasmas que os atormentam desde crianças.
Alice e Mattia são números primos, números apenas divisíveis por um e pelo próprio número. Mais do que números primos, Alice e Mattia são números primos gémeos, "sós e perdidos, próximos mas não o suficiente para se tocarem realmente", porque os números primos gémeos são pares de números primos próximos um do outro, separados sempre por um número par.

Este é um livro difícil de ler porque é angustiante e muitas vezes comovente. O sofrimento de todas as personagens é quase palpável e o ambiente é no mínimo pesado.
É fácil para quase todos nós identificarmo-nos com a ansiedade, com o preconceito e com o sofrimento que, muitas vezes, encontramos durante a a adolescência. Crescer é um processo complicado, principalmente quando somos diferentes, quer fisicamente, quer em termos de personalidade.
Gostei muito deste livro, é surpreendente e está muitíssimo bem escrito, com um toque que é quase autobiográfico. As analogias matemáticas estão tão bem conseguidas, que quase não nos apercebemos do difícil que seria para o comum dos mortais escrever um romance tão cheio de sentimentos, que encontram, de alguma forma, correspondência no mundo da ciência exacta que é a matemática. Muito interessante esta visão alternativa que Paolo Giordano dá do mundo que nos rodeia.

Um livro de leitura obrigatória!


Excertos:
"Os anos do liceu foram uma ferida aberta, que para Mattia e Alice parecera tão profunda que jamais acharam que pudesse cicatrizar. Passaram por eles como que em apneia, ele rejeitando o mundo e ela sentido-se rejeitada pelo mundo, e aperceberam-se de que, no fundo, a diferença não era muita. Construíram uma amizade defeituosa e assimétrica, feita de longas ausência e de muito silêncio, um espaço vazio e limpo em que ambos podiam voltar a respirar, quando as paredes da escola se tornavam demasiado apertadas para ignorar a sensação de sufoco."

"Finalmente, a gigantesca esfera vermelha separou-se do mar, como uma bola incandescente. Por um instante, Mattia pensou nos movimentos rotatórios dos astros e dos planetas, no Sol que à noite se punha atrás de si e de manhã nascia à sua frente. Todos os dias, dentro e fora da água, estivesse ele ali a observá-lo ou não. Não era mais do que mecânica, conservação da energia e do momento angular, forças que se equilibravam, impulsos centrípetos e centrífugos, nada mais que uma trajectória, que não podia ser diferente de como era."