Título original: Na Drini Cuprija
Ano da edição original: 1945
Autor: Ivo Andric
Tradução do servo-croata: Lúcia e Dejan Stankovic
Editora: Cavalo de Ferro
"No início o leitor encontra-se em pleno século XVI, em Višegrad, cidade na fronteira entre a Sérvia e a Bósnia. Mehmed-Paxá, Grão-Vizir, sonha ainda com o dia em que, criança, foi separado da sua família cristã, obrigado a atravessar para a outra margem do rio. É essa criança que agora, décadas depois, convertido à fé do Islão, dá a ordem de construção de uma ponte sobre o rio Drina.
Esta é a história épica dessa ponte, e também dos que a cruzam. A sua edificação exigiu anos de trabalho árduo, lágrimas e sangue, sacrifícios e vítimas. Ao longo dos séculos a ponte foi local de passagem, de encontros, de conversas, de conspirações; sofreu inundações, foi encerrada para impedir o alastrar da peste, assistiu a suicídios; sobre ela transitaram exércitos em fuga e desfilaram outros vitoriosos; nela foram executados espiões; acompanhou o desmoronar de impérios e o nascer de novas nações...
Romance histórico, grande épico europeu, «A ponte sobre o Drina» pertence à categoria das obras incontornáveis da literatura mundial."
Este foi um livro que me custou muito a ler...
Demorei uma eternidade a acabá-lo porque não tenho tido oportunidade de ler sem
ser antes de ir dormir e... invariavelmente acabava por adormecer ao fim de uma
ou duas páginas. :) Que fique bem claro que o problema não é do livro, que é
sobejamente interessante e envolvente, o problema é mesmo meu. O João Pestana
parece ter-se mudado aqui para casa! :p
A Ponte Sobre o Drina é, como o nome indica, uma
espécie de crónica acerca de uma ponte sobre o
Drina, mandada construir pelo
Grão-Vizir,
Mehmed-Paxá e que permitiu unir as duas margens da cidade de
Višegrad, uma pequena cidade na Bosnia-Herzegovina e vizinha da Sérvia. Em
1571, quando o Grão-Vizir manda construir a ponte sobre o Drina, toda aquela
zona fazia parte do
Império Otomano e, por isso coabitavam no mesmo território,
bósnios, turcos, sérvios e alguns judeus. A coabitação, embora
tensa, era cordial e Višegrad sempre foi considerada uma cidade pacífica cujos
habitantes eram conhecidos pela diversão e descontração.
A história que
Ivo Andrić conta é a história da
ponte mas, na realidade a história que se conta é a da Bósnia Herzegovina e da zona dos Balcãs, zona conflituosa,
desejada e continuamente conquistada pelos diferentes líderes do mundo. Fizeram
parte do Império Otomano, foram ocupados pelo
Império Austro-Húngaro e,
quando o herdeiro ao trono Austro-Húngaro,
Franz Ferdinand é assassinado por um
membro do movimento nacionalista
Young Bosnia, que lutava pela unificação dos
países eslavos, inicia-se uma guerra que acaba por levar à I Guerra
Mundial.
Conhecemos uma parte da história do mundo, até
1914, ano em que a crónica termina, com a destruição de um dos pilares centrais
da ponte sobre o Drina, através dos olhos dos habitantes de Višegrad, dos
naturais da cidade e daqueles que a adoptaram como sendo a sua casa. É através
das histórias de vidas destas pessoas, histórias simples quase do quotidiano,
que Ivo Andrić nos vai dando a conhecer um povo, uma cultura e o que este
contribuiu para a história da humanidade. Entrelaçadas em histórias de amor, de
desencanto ou de luta por uma vida melhor, encontramos o nascimento da política
como a conhecemos hoje em dia e, é-nos permitido observar de perto como é que
uma força estrangeira consegue, com organização e implementação de leis
rígidas, que resultam em progresso e em enriquecimento aparente, ocupar um país
durante décadas e de forma relativamente pacífica. Vemos de perto a alteração
de formas de viver, quando em Višegrad os habitantes começam a ganhar gosto
pelo consumismo não se sentindo inibidos naquilo que desejam possuir e fazer. Višegrad é-nos apresentada quase como um tubo de ensaio da sociedade em que vivemos hoje.
A ponte sobre o Drina "assiste" a todas
estas mudanças e movimentações, serve de forma isenta cada um dos protagonistas
e resiste a todas as provações - "A sua vida, ainda que em si finita, assemelha-se
à eternidade, pois o seu termo não é previsível", sobrevive aos Homens e
às suas acções - "Assim, as gerações sucederam-se ao redor da ponte e a
ponte sacudia de si, como quem sacode o pó, todos os traços que nela deixavam
os caprichos humanos ou os acontecimentos efémeros e permanecia, depois de tudo
passar, inalterada e inalterável." e resiste ao passar dos séculos, continuando a existir e a ser a ponte sobre o rio Drina, ponto de referência para os seus habitantes e para os que se deslocam a Višegrad, de propósito para a verem.
Gostei bastante do livro, tive alguma dificuldade com os nomes e a geografia da região, no entanto, isso não afectou a minha capacidade de apreciar o livro. Achei a escrita de Ivo Andrić interessante e dinâmica, pois enquanto que nalgumas páginas o tom era mais documental, mais próxima da crónica que pretende ser, noutras o tom é puramente ficcional, a escrita é bonita, poética e extremamente eficaz visualmente.
Recomendo como não poderia deixar de ser. É realmente um documento que permite conhecer um pouco mais da história mundial, em particular de uma região culturalmente tão rica.
Boas leituras!
Excerto:
"Como tantas vezes acontece na história humana, a violência, a pilhagem, e mesmo o assassínio, eram tacitamente permitidos desde que fossem cometidos em nome de interesses superiores, em conformidade com regra estabelecidas e contra um número limitado de pessoas de uma determinada espécie ou credo.
Um homem de espírito puro e de olhos abertos que então vivesse poderia testemunhar como é que se dá esse milagre e como uma sociedade inteira se podia transformar num único dia. Em poucos minutos a tradição secular da cidade foi devastada. É certo que sempre tinham havido secretos ódios e despeitos, intolerância religiosa, infâmia e crueldade, mas também sempre houvera amizade e magnanimidade, e um sentimento de decência e de ordem, que mantinham todos os instintos vis dentro dos limites do suportável, e que, ao fim e ao cabo, os acalmavam e os submetiam ao interesse geral da vida em comum"