"Lisboa, século XV: Nuno Gonçalves, nascido com o dom quase sobrenatural para a pintura, desvia-se dos ensinamentos do mestre flamengo Jan Van Eyck quando perigosas obsessões tomam conta de si. Ao mesmo tempo, na sequência de uma cruzada falhada contra a cidade de Tânger, o Infante D. Henrique deixa para trás o seu irmão D. Fernando, um acto polémico que dividirá a nobreza e inspirará o regente D. Pedro a conceber uma obra única. E que melhor artista para a pintar que Nuno Gonçalves, estrela emergente no círculo artístico da corte? Mas o pintor louco tem outras intenções, e o quadro que sairá das suas mãos manchadas de sangue irá mudar o futuro de Portugal. Entretecendo História e fantasia, O Evangelho do Enforcado é um romance fantástico sobre a mais enigmática obra de arte portuguesa: os Painéis de São Vicente. É, também, um retrato pungente da cobiça pelo poder e da vida em Lisboa no final da Idade Média. Pleno de descrições vívidas como pinturas, torna-se numa viagem poderosa ao luminoso mundo da arte e aos tenebrosos abismos da alienação, servida por uma riquíssima galeria de personagens."
Confesso desde já a minha dificuldade em opinar sobre este livro. Tenho sentimentos ambíguos em relação a ele, ambiguidade essa que não passa por gostar ou não gostar, passa sim, por gostar, mas com reserva porque é um livro violento, cru e muitas vezes chocante. Por isso tenho pudor em afirmar que gostei muito, porque sinto alguma repugnância pelo livro. Não sei se fui clara. Provavelmente só quem já leu perceberá a que me refiro. :)
Em O Evangelho do Enforcado temos a história, ficcionada, de Nuno Gonçalves, o provável autor dos Painéis de São Vicente. Provável, porque o criador de uma das maiores obras de pintura portuguesa nunca foi identificado de forma inequívoca.
O livro começa com o nascimento de Nuno, filho de gente pobre, habitantes de Embraçadura uma pequena aldeia na zona de Sacavém. Nuno quando nasce é tudo menos um bebé vulgar (não sou eu que vou revelar o porquê...). Passada a surpresa e apreensão iniciais, os pais acabam por aceitá-lo como é, e a mãe vaticina-lhe grandes feitos, porque Deus só poderá ter grandes planos para uma criança tão especial. Embora rodeado pelo amor dos pais, cedo Nuno revela ser uma criança com gostos e apetências, no mínimo aberrantes. Tem um fascínio inexplicável pela morte, principalmente por ossadas. A morte para ele é bela e o seu cheiro é para ele perfume.
Nuno cresce e vai parar a Lisboa, não interessa agora como nem porquê, deixando para trás as memórias de uma criatura assustadora, o Geronte, feita de detritos, de pedaços mortos da floresta, que mais ninguém vê. Geronte perseguia-o, em Embraçadura, dizendo-lhe que Nuno era como ele e que, tal como ele, tinha como destino levar a morte aonde quer que fosse. Em Lisboa, afastado e esquecido desta criatura, Nuno torna-se um pintor conhecido e respeitado pelo seu talento, sendo contratado pelo Infante D. Pedro, o regedor, para criar um políptico que homenageie o irmão D. Fernando, o Infante Santo e mártir da pátria. Nascem assim os Painéis de São Vicente. É enquanto trabalha nesta obra que Nuno começa a dar liberdade aos seus desvios e a não conseguir controlar os seus impulsos mórbidos, ao mesmo tempo que justifica as suas acções com a necessidade de combater Geronte, que voltou a atormentá-lo. Este trabalho de Nuno Gonçalves, no livro, vai influenciar o rumo da história de Portugal, nomeadamente no que diz respeito à expansão marítima portuguesa.
A história é mais ou menos isto, pelo menos aquilo que é seguro dizer sem revelar demasiado. O cenário em que se insere o percurso de vida de Nuno Gonçalves é o da Lisboa medieval, do século XV, com a imundice das ruas e a depravação, moral e física, da época.
Para além da vida de Nuno Gonçalves, David Soares vai-nos relatando episódios da História de Portugal, relacionados com os reinados de D. João I (O de Boa Memória), do seu filho D. Duarte I (O Eloquente ou o Rei Filósofo) e, por último do neto, D. Afonso V (O Africano). A fantasia e a realidade estão muito bem misturadas, sem que no entanto se confundam. A linha entre as duas está muito bem delineada, o que para mim é positivo, porque, sendo eu leiga nestas coisas da História, não corro o risco de adquirir falsos conhecimentos e de, no futuro, cometer gafes históricas. ;)
É um livro muito original que denota um conhecimento profundo da época. Apresenta uma teoria interessante sobre os Painéis de São Vicente, mas também sobre a peste bubónica (seria mesmo peste bubónica?) que assolou o país e o mundo durante séculos e sobre a História de Portugal e de Lisboa do século XV. Gostei da escrita, por vezes de tal maneira realista que senti, algumas vezes, vontade de fechar os olhos ou de ler depressa para que acabasse rápido o que estava a ser descrito. É a tal repugnância de que falei no início deste post... :/ Gostei das descrições da Lisboa do século XV. O exercício de tentar imaginar a minha Lisboa naquela época é praticamente impossível. A Lisboa, os seus habitantes e seu modo de vida, na forma como são descritos no livro, são fascinantes! :) Gostei das personagens, principalmente o Nuno Gonçalves e, destaco o conjunto forte e coeso que todas as outras personagens formam.
Gostei, de no final do livro, já terminada a história, o autor explicar algumas opções que tomou, relativamente aos factos históricos que referiu ao longo do livro. Para além de didáctico ajuda a esclarecer alguns pontos.
E porque o livro não é perfeito houve uma outra coisa que me agradou menos. Incomodou-me haver tantas frases em latim, ao longo do texto, sem tradução. Embora percebendo o propósito da coisa, não deixei de ficar com a sensação que me estavam a esconder alguma coisa. :) Por último, embora tenha gostado das partes que se referiam à vida na corte, estas afastam demasiado o leitor da história do Nuno Gonçalves e, eu gostava de ter acompanhado mais a vida dele e menos a dos Infantes, Reis, etc. Pessoalmente teria gostado de uma história mais centrada na personagem do Nuno Gonçalves.
Concluindo: não é uma leitura fácil, mas é surpreendente e, de uma forma um pouco retorcida, é cativante e empolgante. Recomendo, com a ressalva de poder ser menos adequado a pessoas sensíveis. :)
Este ainda não li, nem tenho, mas fiquei curiosa.
ResponderEliminarGostei muito do livro do Erico Veríssimo que li há alguns anos.
Compreendo perfeitamente as tuas palavras iniciais, N. Martins! :)
ResponderEliminarToda a crueza das palavras não deixa o leitor indiferente e mesmo essa violência não leva à desistência da leitura, porque a história está muito bem escrita e é surpreendente.
Gostei desta tua opinião.
redonda: É um livro curioso que acho que vale a pena ler.
ResponderEliminarEstou a gostar do Erico Veríssimo. Escrita leve, num tom divertido. Não faço ideia para onde vai o livro, mas estou curiosa. :)
tonsdeazul: É mesmo um livro surpreendente e original, porque não me lembro de alguma vez ter lido algo semelhante.
Obrigada pelos comentários sempre tão simpáticos. ;)
Peste bubónica e Peste Negra são a mesma coisa, por isso, nesse ponto em particular, o autor não cometeu nenhuma gaffe histórica.
ResponderEliminarEste livro ainda não li, apesar de já o ter visto nas livrarias. Não sei porquê mas nunca tive o impeto de o comprar.
Quanto ao ponto que referes da crueza e repulsa que o livro te causou, concordo com o que dizes. Um livro que repugna não tem que ser necessariamente mau. Dando o exemplo de uma leitura minha, "o remorso de baltasar serapião" de valter hugo mãe, em certos momentos a leitura deixava-me mesmo com o estômago embrulhado com tanta crueldade mas o livro em questão é excelente.
Boas leituras :)
Isabel Maia: Não disse que o autor cometeu uma gafe histórica relativamente à peste negra/bubónica. :) Eu é que achei positivo a separação entre a realidade e a ficção estar bem marcada, porque assim eu evito gafes históricas, visto ser uma leiga nestes assuntos da história e poder adquirir factos ficcionados como reais. :)
ResponderEliminarO livro tem algumas descrições difíceis de ler mas é surpreendentemente bom. :)
Amiguinha vou comprar este livrinho...
ResponderEliminarBoas leituras.
Carlinha: Fazes tu senão bem! :)
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