Ano da edição original: 2001
Autor: Amy Tan
Tradução: Ana Fonseca
Editora: Editorial Presença
"A China dos anos vinte e S. Francisco dos nossos dias entrecruzam-se no retrato familiar de três mulheres de três gerações. Ruth é um "escritora-fantasma" de livros de esoterismo e de auto-ajuda. Um dia, enquanto tenta pôr alguma organização no apartamento de sua mãe, que padece da doença de Alzheimer, encontra uns papéis escritos em chinês. Depressa descobre que esses documentos revelam segredos de família há muito escondidos e que são o testemunho das vivências da infância e da juventude de sua mãe, Luling. Ruth ficará a saber que Luling é natural de Xian Xin, Coração Imortal, onde se fizeram importantes escavações arqueológicas, e que se a avó era filha de um famoso curandeiro..."
Amy Tan é uma escritora por quem tenho um carinho especial. Um dos livros dela, A Esposa do Deus do Fogo, foi-me oferecido quando fiz 16 anos, por uma tia minha. Foi o primeiro livro grande (em termos de número de páginas) que tive e de capa dura, ainda por cima. Fiquei apaixonada por ele ainda antes de o ler. Li-o enquanto o diabo esfrega o olho e adorei. Era diferente de tudo o que tinha lido até então, uma história passada na China, um país culturalmente tão diferente do nosso. A minha tia acertou ao escrever na primeira página que desejava que ele me permitisse viajar e conhecer outros povos e culturas. Reli-o umas quantas vezes e, numa da primeiras feiras do livro a que fui, com a minha mana, comprei sem hesitar Os Cem Sentidos Secretos, da mesma autora. Estes são dois livros de que gostei e gosto muito e que fizeram todo o sentido quando os li. Não sei se teriam tido tanto impacto se os tivesse lido hoje mas sinceramente isso interessa pouco porque a verdade é que não os li hoje e, tenho a certeza de que se os voltar a ler, continuarei a achar que são bons, porque há livros, ou outros objectos, com quem criamos laços afectivos, porque nos trazem à memória coisas boas e desses nunca serei capaz de falar mal. Isto para dizer que a relação que tenho com Amy Tan é menos racional do que com outros escritores, e é por isso que Um Lugar Sem Nome, que não gostei nada de ler, não me fez afastar de uma escritora que escreve muitíssimo bem sobre a China, sobre a relação difícil entre mães e filhas, especialmente sobre mães chinesas que criam as suas filhas adolescentes nos EUA, sozinhas. Regressos ao passado que aproximam a filha, já adulta, da mãe castradora. São livros que seguem uma espécie de fórmula, o que os torna muito semelhantes entre si, mas o que interessa aqui é que a fórmula é boa e resulta e, é por isso que, embora sejam livros que tenham pouco a ver com o meu gosto literário actual, são livros que recomendaria sem hesitar, a qualquer pessoa e de qualquer idade. Mais ainda, depois de ter lido este A Filha do Curandeiro e que me fez reconciliar com Amy Tan. :)
Quanto ao livro propriamente dito, este está dividido em três partes. Na primeira parte conhecemos Ruth Young, uma mulher a viver com o namorado, Art e com as duas filhas adolescentes deste. Ruth é uma escritora fantasma, escreve livros de auto-ajuda, traduz para palavras os ensinamentos e conhecimentos dos autores oficiais. É uma mulher independente, tímida que tem tendência para afastar as pessoas que se tentam aproximar dela. Vive de certa forma, muito sozinha. Tem com a mãe, LuLing uma relação complicada. LuLing veio para os EUA, oriunda da China e é uma mulher castradora, inadaptada ao Ocidente, supersticiosa e depressiva, sempre a ameaçar que um dia se suicida e acaba com tudo. Ruth sempre teve uma relação tensa com a mãe mas quando esta começa a manifestar alguma confusão e perda de memória e quando finalmente lhe é diagnosticada Alzheimer, Ruth aproxima-se da mãe e descobre uma mulher diferente da que sempre conheceu.
Na segunda parte do livro Amy Tan conta-nos a vida de LuLing antes de esta ter emigrado para os EUA. Esta parte é contada pela própria LuLing que quando se apercebe que começa a ter alguma dificuldade para se lembrar das coisas, decide escrever as suas memórias, as coisas que não deve esquecer, a verdade sobre a sua mãe, o seu primeiro e único amor e tudo aquilo que nunca teve coragem de contar a Ruth, mas que não quer deixar cair no esquecimento. Esta parte da história foi aquela que mais gostei de ler. Não só por ser passada na China, mas porque está repleta de emoções e de sentimentos, muitas vezes violentos, mas maioritariamente de sentimentos de entrega, de aceitação e de amor.
Na terceira e última parte, Ruth reconcilia-se com a mãe e ao perdoá-la encontra aquilo que lhe faltava para se sentir equilibrada. Percebe que não precisa de continuar a sentir vergonha da sua mãe e das suas origens, começa finalmente a compreender a mãe e as suas atitudes. Ruth percebe que a mãe é, antes de ser mãe, filha, irmã e mulher. Pode não ter sido a melhor mãe do mundo, mas fez o melhor que sabia, tendo em conta as condições. Nem todos a saberiam perdoar como Ruth fez, pois LuLing era realmente uma mãe sufocante, mas até que ponto é que podemos continuar a definir a pessoa que somos como o resultado do que vivemos na infância. Até que ponto, Ruth, um mulher de quarenta e tal anos poderia continuar a culpar a mãe pela sua infelicidade? Com a mãe doente, Ruth apercebe-se de que chegou a altura de ser ela a tomar conta da mãe e de finalmente conhecê-la para além do seu papel de mãe castradora.
E aqui temos a fórmula de Amy Tan: mãe e filha desavindas, regresso ao passado e reconciliação entre as duas. É, com algumas variantes, assim que os livros desta escritora funcionam e, como já disse, funcionam bem.
Este A Filha do Curandeiro é parecido com os outros que já li dela (excepção feita ao Um Lugar Sem Nome, que foge um pouco à regra), ou seja tem momentos verdadeiramente angustiantes e dramáticos mas é também divertido e irónico. Na verdade, embora a temática seja sempre a mesma, os livros de Amy Tan conseguem sempre surpreender e isso é positivo. Gostei e, embora a sensação de "déjà lu" me tenha acompanhado ao longo do livro, existem coisas às quais sabe muito bem regressar. :)
Recomendo, principalmente se gostam de ler sobre a China e sobre a relação mãe/filha.
Excerto:
"Estas são as coisas que eu sei serem verdadeiras: (...) Ela não tinha voz, apenas arfadas e arquejos, os resfolgos de um vento rouco. Ela dizia-me coisas com caretas e ruídos, sobrancelhas dançantes e olhos agitados. Escrevia sobre o mundo no meu quadro de ardósia portátil. Também fazia desenhos com as suas mãos enegrecidas. Linguagem gestual, linguagem facial e linguagem com giz foram as linguagens com que eu cresci, silenciosas e fortes."
Amy Tan é uma escritora por quem tenho um carinho especial. Um dos livros dela, A Esposa do Deus do Fogo, foi-me oferecido quando fiz 16 anos, por uma tia minha. Foi o primeiro livro grande (em termos de número de páginas) que tive e de capa dura, ainda por cima. Fiquei apaixonada por ele ainda antes de o ler. Li-o enquanto o diabo esfrega o olho e adorei. Era diferente de tudo o que tinha lido até então, uma história passada na China, um país culturalmente tão diferente do nosso. A minha tia acertou ao escrever na primeira página que desejava que ele me permitisse viajar e conhecer outros povos e culturas. Reli-o umas quantas vezes e, numa da primeiras feiras do livro a que fui, com a minha mana, comprei sem hesitar Os Cem Sentidos Secretos, da mesma autora. Estes são dois livros de que gostei e gosto muito e que fizeram todo o sentido quando os li. Não sei se teriam tido tanto impacto se os tivesse lido hoje mas sinceramente isso interessa pouco porque a verdade é que não os li hoje e, tenho a certeza de que se os voltar a ler, continuarei a achar que são bons, porque há livros, ou outros objectos, com quem criamos laços afectivos, porque nos trazem à memória coisas boas e desses nunca serei capaz de falar mal. Isto para dizer que a relação que tenho com Amy Tan é menos racional do que com outros escritores, e é por isso que Um Lugar Sem Nome, que não gostei nada de ler, não me fez afastar de uma escritora que escreve muitíssimo bem sobre a China, sobre a relação difícil entre mães e filhas, especialmente sobre mães chinesas que criam as suas filhas adolescentes nos EUA, sozinhas. Regressos ao passado que aproximam a filha, já adulta, da mãe castradora. São livros que seguem uma espécie de fórmula, o que os torna muito semelhantes entre si, mas o que interessa aqui é que a fórmula é boa e resulta e, é por isso que, embora sejam livros que tenham pouco a ver com o meu gosto literário actual, são livros que recomendaria sem hesitar, a qualquer pessoa e de qualquer idade. Mais ainda, depois de ter lido este A Filha do Curandeiro e que me fez reconciliar com Amy Tan. :)
Quanto ao livro propriamente dito, este está dividido em três partes. Na primeira parte conhecemos Ruth Young, uma mulher a viver com o namorado, Art e com as duas filhas adolescentes deste. Ruth é uma escritora fantasma, escreve livros de auto-ajuda, traduz para palavras os ensinamentos e conhecimentos dos autores oficiais. É uma mulher independente, tímida que tem tendência para afastar as pessoas que se tentam aproximar dela. Vive de certa forma, muito sozinha. Tem com a mãe, LuLing uma relação complicada. LuLing veio para os EUA, oriunda da China e é uma mulher castradora, inadaptada ao Ocidente, supersticiosa e depressiva, sempre a ameaçar que um dia se suicida e acaba com tudo. Ruth sempre teve uma relação tensa com a mãe mas quando esta começa a manifestar alguma confusão e perda de memória e quando finalmente lhe é diagnosticada Alzheimer, Ruth aproxima-se da mãe e descobre uma mulher diferente da que sempre conheceu.
Na segunda parte do livro Amy Tan conta-nos a vida de LuLing antes de esta ter emigrado para os EUA. Esta parte é contada pela própria LuLing que quando se apercebe que começa a ter alguma dificuldade para se lembrar das coisas, decide escrever as suas memórias, as coisas que não deve esquecer, a verdade sobre a sua mãe, o seu primeiro e único amor e tudo aquilo que nunca teve coragem de contar a Ruth, mas que não quer deixar cair no esquecimento. Esta parte da história foi aquela que mais gostei de ler. Não só por ser passada na China, mas porque está repleta de emoções e de sentimentos, muitas vezes violentos, mas maioritariamente de sentimentos de entrega, de aceitação e de amor.
Na terceira e última parte, Ruth reconcilia-se com a mãe e ao perdoá-la encontra aquilo que lhe faltava para se sentir equilibrada. Percebe que não precisa de continuar a sentir vergonha da sua mãe e das suas origens, começa finalmente a compreender a mãe e as suas atitudes. Ruth percebe que a mãe é, antes de ser mãe, filha, irmã e mulher. Pode não ter sido a melhor mãe do mundo, mas fez o melhor que sabia, tendo em conta as condições. Nem todos a saberiam perdoar como Ruth fez, pois LuLing era realmente uma mãe sufocante, mas até que ponto é que podemos continuar a definir a pessoa que somos como o resultado do que vivemos na infância. Até que ponto, Ruth, um mulher de quarenta e tal anos poderia continuar a culpar a mãe pela sua infelicidade? Com a mãe doente, Ruth apercebe-se de que chegou a altura de ser ela a tomar conta da mãe e de finalmente conhecê-la para além do seu papel de mãe castradora.
E aqui temos a fórmula de Amy Tan: mãe e filha desavindas, regresso ao passado e reconciliação entre as duas. É, com algumas variantes, assim que os livros desta escritora funcionam e, como já disse, funcionam bem.
Este A Filha do Curandeiro é parecido com os outros que já li dela (excepção feita ao Um Lugar Sem Nome, que foge um pouco à regra), ou seja tem momentos verdadeiramente angustiantes e dramáticos mas é também divertido e irónico. Na verdade, embora a temática seja sempre a mesma, os livros de Amy Tan conseguem sempre surpreender e isso é positivo. Gostei e, embora a sensação de "déjà lu" me tenha acompanhado ao longo do livro, existem coisas às quais sabe muito bem regressar. :)
Recomendo, principalmente se gostam de ler sobre a China e sobre a relação mãe/filha.
Excerto:
"Estas são as coisas que eu sei serem verdadeiras: (...) Ela não tinha voz, apenas arfadas e arquejos, os resfolgos de um vento rouco. Ela dizia-me coisas com caretas e ruídos, sobrancelhas dançantes e olhos agitados. Escrevia sobre o mundo no meu quadro de ardósia portátil. Também fazia desenhos com as suas mãos enegrecidas. Linguagem gestual, linguagem facial e linguagem com giz foram as linguagens com que eu cresci, silenciosas e fortes."
nao conheço, mas fiquei cheia de vontade graças às tuas palavras! adorei o excerto!
ResponderEliminarPaloma: É um bom livro. :)
ResponderEliminarEsse livro parece ser fantástico.Fiquei curioso por ler.Obrigado por partilhares a tua opinião sobre ele.
ResponderEliminarmiguel
silenciosquefalam.blogspot.com
Miguel: Fico contente por te ter despertado a curiosidade relativamente a este livro. Se o leres vou querer saber o que achaste. :)
ResponderEliminarNão consigo saber onde comprar os livros de Amy Tan, vc pode me ajudar?
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