agosto 02, 2011

A Vida de Pi - Yann Martel - Breve comentário

Não tenho, por agora, tempo para partilhar a minha opinião acerca deste livro surpreendente, que acabei de ler há minutos. No entanto, a vontade de partilhar alguns dos sentimentos que este livro me provocou é demasiado grande para ser ignorada. São eles sentimentos de: repulsa, ternura, medo, alegria, tristeza, surpresa, incredulidade, estranheza, vontade de chorar e de desviar os olhos da página, revolta, ansiedade, amizade, fome, sede e muitas vezes uma vontade enorme de deitar o pequeno-almoço todo cá para fora. :/

Resumindo, é surpreendente e emocionalmente fortíssimo.

Quando tiver mais tempo livre, a opinião completa aparecerá por aqui. :)

Boas leituras!

julho 19, 2011

Patagónia Express - Luis Sepúlveda

Título original: Patagonia Express
Ano da edição original: 1995
Autor: Luis Sepúlveda
Tradução: Cristina Rodriguez e Artur Guerra
Editora: Edições Asa

"Homenagem a um comboio que já não existe, mas que continua a viajar na memória dos homens e das mulheres da Patagónia, estes «apontamentos de viagem» - como lhes chama Luis Sepúlveda - vêm uma vez mais comprovar a qualidade literária já evidenciada em livros como O Velho que Lia Romances de Amor, Nome de Toureiro ou Mundo do Fim do Mundo. Desde os seus primeiros passos na militância política, que o levaram à prisão e depois ao exílio em diferentes países da América do Sul, até ao reencontro feliz, anos depois, com a Patagónia e a Terra do Fogo, é uma longa viagem (e uma longa memória) aquela que Luis Sepúlveda nos propõe neste seu novo livro. Ao longo dele, confrontamo-nos com uma extensa galeria de personagens inesquecíveis e com um conjunto de histórias magníficas, daquelas que só um grande escritor é capaz de arrancar dos labirintos da vida."

Para quem já conhece a escrita de Luis Sepúlveda, este livro é tudo aquilo que esperamos encontrar quando pegamos num livro dele para o ler. Estão lá, o bom humor, a genuinidade, as paisagens deslumbrantes da América do Sul, as personagens pitorescas mas reais e a tão apreciada habilidade do escritor sul americano para contar histórias. Histórias da sua vida e das vidas que se cruzam com a dele e o marcam de alguma forma.

Sendo assim, neste livro não pode faltar, nem faltam, referências à agitação política que o Chile e a América do Sul atravessaram há algumas décadas. Nele Sepúlveda conta-nos como foram os anos que passou preso, ainda adolescente, e a forma como o faz é desconcertante, porque o tom é de comédia, com histórias caricatas, que pelo meio mencionam a brutalidade do tratamento dado a todos os prisioneiros políticos. Sem entrar em descrições detalhadas e sem recorrer a pormenores chocantes, senti-me mais incomodada do que se o fizesse.

Este é, no entanto, um livro que vai muito para além do protesto político, do querer manter na memória colectiva os erros do passado para que não se repitam.
É também uma homenagem ao avô de Sepúlveda, um anarquista convicto que tanto parece ter influenciado a vida e a forma de pensar do escritor.
A descrição dos passeios de domingo com o avô, que o enchia de gelados e sumos para depois o "obrigar" a fazer xixi à porta das igrejas é deliciosa.


"- Então? Não queres mijar? Bolas, meu filho. Com o que tu bebeste...
A minha resposta natural e habitual devia soar dramaticamente afirmativa, com junção de pernas a acompanhar as palavras. Então ele, tirando o resto do charuto que sempre lhe pendia dos lábios, suspiraria antes de exclamar com o mais didáctico dos tons:
- Espere, meu menino. Espere e aguente até encontrarmos a igreja adequada."

Patagónia Express é uma verdadeira declaração de amor à Patagónia e às suas gentes, as que lá nasceram e as que a escolheram como sua casa e, claro ao comboio que dá nome ao livro.
Um amor que aconteceu quando Sepúlveda tentou cumprir a promessa que fez ao avô, de ir a Martos, em Espanha, a terra natal do avô.

"Bom, meu menino. Este livro* tens de ser tu a lê-lo, mas antes do to entregar quero duas promessas tuas.
- Quantas quiser, Vô.
- Este livro será um convite para uma grande viagem. Promete-me que a farás.
- Prometo. Mas para onde vou viajar, avô?
- Possivelmente a lado nenhum, mas garanto-te que vale a pena.
- E a segunda promessa?
- Que um dia irás a Martos.
- Martos? Onde fica Martos?
- Aqui - disse ele, batendo no peito com a mão."

*O livro de que falam é Assim Foi Temperado o Aço de Nicolai Ostrovsky.

Promessas que, mais que promessas, são formas de viver e de pensar e, por isso impossíveis de declarar como cumpridas.

Patagónia Express é uma declaração de amor à família, aos amigos, à liberdade e à vida. É um livro que, essencialmente fala de pessoas e das suas histórias e que deixa em nós um bom sentimento. No meio de tantas histórias partilhadas, a passagem do autor pela prisão, é apenas mais uma história, apenas mais uma experiência e, da qual Sepúlveda destaca, principalmente, as pessoas que conheceu e que nunca esqueceu. A melhor retaliação contra aqueles que se julgam no direito de mexer com o futuro dos outros é viver de forma a reduzir as más memórias a isso mesmo, memórias e nada mais.

Gostei muito deste livro e aconselho-o sem qualquer hesitação. :)

Boas leituras!


Excerto:
"Daí sai o mais austral dos caminhos-de-ferro, o verdadeiro Patagónia Express, o qual, depois de duzentos e quarenta quilómetros de andamento que unem cidades como El Zurdo e Bellavista, chega a Río Gallegos, na costa atlântica.
O comboio, formado por duas carruagens de passageiros e dois vagões de carga, é arrastado por uma velha locomotiva a carvão fabricada no Japão no princípio dos anos trinta. Cada carruagem de passageiros tem dois longos bancos de madeira que a percorrem de uma ponta a outra. Numa delas há um fogão a lenha que os passageiros têm de ir alimentando e, por cima dele, um quadro com a imagem de Nossa Senhora de Luján."

julho 14, 2011

O Jogo do Anjo - Carlos Ruiz Zafón

Título original: El Juego del Ángel
Ano da edição original: 2008
Autor: Carlos Ruiz Zafón
Tradução: Isabel Fraga
Editora: Dom Quixote

"Na Barcelona turbulenta dos anos 20, um jovem escritor obcecado com um amor impossível recebe de um misterioso editor a proposta para escrever um livro como nunca existiu a troco de uma fortuna e, talvez, muito mais. Com deslumbrante estilo e impecável precisão narrativa, o autor de A Sombra do Vento transporta-nos de novo para a Barcelona do Cemitério dos Livros Esquecidos, para nos oferecer uma aventura de intriga, romance e tragédia, através de um labirinto de segredos onde o fascínio pelos livros, a paixão e a amizade se conjugam num relato magistral."

Não sei bem o que dizer acerca deste livro. O que normalmente até é uma coisa boa, neste caso não é bem assim. Não sei o que dizer porque cheguei ao fim do livro sem qualquer nota mental acerca das coisas que gostaria de destacar ou que gostaria de não esquecer.
É claro que posso falar da história, posso até destacar uma ou outra passagem mas, a realidade é que o livro me pareceu... demasiado normal. Fui passando as páginas com algum interesse, mas ao mesmo tempo sentia que nada do que lia iria ganhar raízes na minha memória.
O livro lê-se bem, a escrita é fluída, a história é intrigante, as personagens criam alguma empatia com o leitor mas, não sabendo precisar o porquê, senti sempre alguma distância da minha parte relativamente ao que lia. Não sei se é por achar, como já tinha acontecido com o A Sombra do Vento (a minha opinião aqui), que as personagens e as suas acções não são credíveis, o tom dos diálogos e as expressões usadas pareceram-me muitas vezes inadequados para a época retratada e a linguagem pareceu-me dirigida a um público mais novo. No entanto, nas descrições a linguagem que Carlos Ruiz Zafón utiliza é extremamente rica e bem conseguida. É nos diálogos e na interacção das personagens que sinto alguma imaturidade e daí a sensação de que se dirige a um público mais jovem.
Acho que o autor se perdeu um pouco no final, não sabendo como por um ponto final e justificar todas as suspeitas que vai criando no leitor. Confesso que acabei por não perceber muito bem o objectivo de todo aquele desfilar de mortes violentas e de todas aquelas fugas e regressos de Daniel Martín, o protagonista. Não percebi bem o que, ou quem, era Corelli, o editor misterioso de Martín, e o final pareceu-me despropositado... :/

Enfim, não vale a pena continuar a dissertar sobre a estranheza que os livros de Carlos Ruiz Zafón me provocam. Até porque, não posso dizer que não gostei do livro, só não o achei nada de extraordinário. E isto é algo que me custa admitir, porque sei que este é um autor que tem seguidores acérrimos que defendem os seus livros com unhas e dentes. Sinto com Carlos Ruiz Zafón o mesmo que sinto por não conseguir apreciar Ernest Hemingway, simplesmente não percebo o que prende tanto os leitores... Falha minha? Provavelmente... :)

Mas, deixemos para trás os sentimentos menos positivos que este livro me despertou e vamos falar das coisas boas que, tanto neste O Jogo do Anjo, como no A Sombra do Vento, se podem encontrar! :)

Acho que um dos pontos mais positivos deste livro é a capacidade que o autor tem em criar ambientes sinistros, opressivos e soturnos. Não só Barcelona me parece assustadora como qualquer outro ambiente descrito no livro é arrepiante, quer seja uma rua, quer seja uma casa, ou simplesmente um sombra. Foi uma das coisas que mais gostei, neste livro e que é comum ao A Sombra do Vento.
Foi bom regressar ao Cemitério dos Livros Esquecidos e à familiar livraria dos Sempere, desta vez com o avô e o pai de Daniel Sempere, o jovem protagonista do A Sombra do Vento, à frente do negócio. Mais uma vez, gostei muito do Sempere pai, deste livro. E achei curioso conhecer um pouco da vida do pai de Daniel Sempere, por ter sido uma das personagens que mais gostei no A Sombra do Vento.
No início achei Daniel Martín, o protagonista deste livro, cativante mas, dei por mim, a páginas tantas, a achar que ele tinha perdido qualquer coisa pelo caminho. A determinada altura houve uma mudança demasiado brusca na sua personalidade que, na minha opinião o descaracterizou e me fez perder algum interesse por ele. Senti alguma confusão e, por momentos, pensei que tinha baralhado nomes,e que estava a confundi-lo com outra personagem. Curiosamente, acho que é com os protagonistas, que Carlos Ruiz Zafón tem mais dificuldade, sendo as personagens secundárias mais interessantes. Nisso, e em finalizar a história de forma mais ou menos coerente, sem que se fique com a sensação de que teve de acabar tudo à pressa por falta de tempo ou perda de inspiração... :/
Não vou falar da história propriamente dita porque acho que é um daqueles casos em que, ou contamos tudo ou o pouco que desvendamos parece insignificante e pouco apelativo. É uma história misteriosa que me manteve intrigada ao longo de quase todo o livro. Digo quase todo o livro, porque a revelação dos segredos não é tão bem conseguida como a montagem de toda aquela "conspiração".
Concluindo e baralhando: achei o livro banal, talvez porque é, na minha opinião, muito parecido com o A Sombra do Vento e, daí pouco original. Aliás o facto de o livro ser referido tantas vezes nesta minha opinião é sintomático das similaridades que fui encontrando ao longo da leitura. Se eu tivesse gostado mais do A Sombra do Vento, do que gostei na realidade, talvez me tivesse sabido bem regressar aos lugares e às personagens aí retratadas, como não foi esse o caso, achei o regresso um pouco cansativo.

Embora para mim tenha sido uma leitura pouco memorável, não posso deixar de o recomendar porque tenho perfeita consciência que a minha dificuldade com os livros de Carlos Ruiz Zafón é a mesma que tenho com Ernest Hemingway, não me identifico com a escrita nem com a forma que têm de contar uma história. É apenas e só uma questão de gosto pessoal e nada mais, por isso, leiam e quase de certeza que vão gostar. :)

Boas leituras!

Excerto:
"O táxi subia lentamente até aos confins do bairro de Gracia, em direcção ao solitário e sombrio recinto do Park Güell. A colina estava pontilhada de casarões que já tinham visto melhores dias assomar no meio de um arvoredo que se agitava ao vento como água negra. Vislumbrei no alto da ladeira a grande porta do recinto. (...) Esquecido e abandonado, o jardim de colunas e torres fazia agora lembrar um éden maldito. Fiz sinal ao motorista para que parasse diante do gradeamento da entrada e paguei-lhe a corrida.
- O senhor tem a certeza de que quer sair aqui? - perguntou o motorista, com o credo na boca. - Se quiser, posso esperar uns minutos por si...
- Não é preciso.
O ruído do táxi perdeu-se colina abaixo e fiquei sozinho com o eco do vento entre as árvores. As folhas caídas arrastavam-se à entrada do parque e redemoinhavam aos meus pés."

julho 03, 2011

A Noite do Oráculo - Paul Auster

Título original: Oracle Night
Ano da edição original: 2003
Autor: Paul Auster
Tradução: José Vieira de Lima
Editora: Edições Asa

" No dia 18 de Setembro de 1982, após vários meses de recuperação de uma doença quase fatal, o escritor Sidney Orr entra numa papelaria de Brooklyn e compra um bloco de notas azul de fabrico português. Nos nove dias que se seguem, Sidney vai viver sob influência do livro em branco, preso num universo de arrepiantes premonições e de acontecimentos desconcertantes, que ameaçam destruir o seu casamento e minar a sua confiança na realidade.
Por que é que a sua mulher, Grace, começa a comportar-se de uma forma tão desconcertante pouco depois de ele ter começado a escrever no estranho bloco de notas? Porque é que o dono da papelaria encerra precipitadamente o estabelecimento no dia seguinte? Qual é a ligação entre uma lista telefónica polaca, de 1938, e um romance perdido cujo protagonista consegue adivinhar o futuro? Quando é que a animosidade explode e passa a violência? Até que ponto é que o perdão é derradeira expressão do amor? Dúvidas e incertezas de simples seres humanos, a braços com as múltiplas e nebulosas esferas da vida quotidiana.
Romance hipnótico, reflexão sobre a natureza do tempo, e uma viagem pelo labirinto da imaginação de um homem, A Noite do Oráculo é um tour de force narrativo que confirma reputação do autor como um dos mais arrojados e originais escritores da América dos nossos dias."

Este é o segundo livro que leio de Paul Auster - o primeiro foi O Livro das Ilusõesaqui comentado - e com ele o autor ganhou um lugar junto dos meus escritores favoritos. :)

A Noite do Oráculo conta a estranha história de um escritor, Sidney Orr, e do seu encontro com um, aparentemente normal, caderno de capa azul, de fabrico português. Este encontro, que mudará a vida de Sid, acontece durante um dos seus "passeios higiénicos", que fazem parte do seu tratamento de recuperação, depois de ter regressado, contra todos os prognósticos, do mundo dos mortos.
Sid entra na papelaria de Mr. Chang e fica enfeitiçado por um caderno de capa azul, que lhe restitui a vontade de escrever, depois de tantos meses parado. No momento em que o compra e trava um estranho diálogo com Mr. Chang, Sid não sonha que a sua vida começa naquele momento a perder, gradualmente, consistência. A sua mulher, Grace, começa a ter comportamentos atípicos, passando por estados depressivos, seguidos de sentidas declarações de amor, que deixam um confuso Sid em estado de pânico, com receio de perder a pessoa mais importante da sua vida. O melhor amigo de ambos encontra-se com um problema de saúde que lhe poderá custar a vida e, Sid trava uma luta diária para recuperar da doença que quase o matou a ele.
Enquanto escreve no caderno, Sid entra numa espécie de transe, como se o caderno lhe possibilitasse o acesso a uma outra dimensão onde as preocupações deixam de o atormentar. Nele Sid inicia a história de Bowen, um editor que tem a oportunidade de deixar para trás o passado, abandonar a sua vida antiga e todos os que dela faziam parte, e recomeçar a partir do zero, num sítio onde ninguém o conhece. Será possível abandonar toda a nossa vida, sem olhar para trás? Ou há laços que são difíceis de quebrar?
As histórias de Sid e de Bowen vão sendo contadas em simultâneo e em ambas nós, leitores, vamos sentido uma crescente apreensão relativamente ao que poderá acontecer. O que espera os dois protagonistas deste livro?
Um escritor que viu a sua filha morrer afogada e que faz uma ligação improvável entre o que aconteceu e aquilo que tinha escrito, deixa de escrever, pois "as palavras podiam alterar a realidade e, portanto eram demasiado perigosas para serem confiadas a um homem que as amava acima de tudo." As palavras podem realmente matar?

E da história mais não digo! :)

A Noite do Oráculo é um livro viciante, onde Paul Auster consegue manter a nossa curiosidade ao longo de todo o livro. Quando pensamos que se calhar não haverá mais para além daquilo que já foi dito e, intimamente nos começamos a sentir defraudados, eis que o autor nos faz esquecer tudo o resto quando os presságios se cumprem e o destino cai sobre os nosso protagonistas de forma avassaladora!
Paul Auster é dono de uma escrita muito próxima, extremamente fluída e eficaz. A sensação que me acompanhou ao longo de todo o livro foi a de que o narrador estava ao meu lado a contar-me aquela história cada vez mais intrigante. Foi, também por isto que se tornou difícil largar o livro e, quando o largava, não foram raras as vezes em que dei por mim a pensar na história e no rumo que iria tomar. Corri o risco de, na noite em que comecei a ler, só o conseguir largar no fim... E não foi o sono que me venceu mas sim, a responsabilidade! :) E o melhor é que sendo um livro que, logo de início prometia ser bom, acabou por cumprir o prometido no fim, o que nem sempre acontece! :)

Parece ser comum que Paul Auster faça sofrer as suas personagens, que brinque com as suas vidas, mudando-as de forma inesperada, uma vezes para melhor, outras nem por isso. No entanto, a esperança é, nos dois livros que já li dele, o sentimento comum e que no final prevalece.
O Oráculo da Noite é um livro sobre a passagem do tempo, sobre as pessoas que partem e são esquecidas. Quem fica para nos recordar quando já nenhum de nós cá estiver? Um livro sobre a memória e sobre a importância das nossas vivências e actos passados. Como é que o nosso passado afecta os dias que vivemos e que viveremos? Um livro sobre confiança, perdão e amor. Um amor incondicional, feito de tudo isto: tempo, memórias, passado, confiança e perdão. Um livro a não perder!

Gostei muito e ler Paul Auster é puro prazer, pelo que, voltarei a ele o mais breve possível!


Excerto:
"Eu era o primeiro cliente do dia e o silêncio era tão denso, tão pronunciado, que conseguia ouvir a lapiseira do homem arranhando o papel atrás de mim. Hoje, quando me ponho a pensar naquela manhã, o som da lapiseira é sempre a primeira coisa que me ocorre. Admitindo que a história que vou contar faz algum sentido, estou em crer que foi aí que ela começou - no espaço daqueles breves segundos, quando o único som que restava no mundo era o som daquela lapiseira arranhando o papel."

Nota:
Relativamente ao caderno de fabrico português que tanto me intrigou, pelos vistos é apenas fruto da imaginação do escritor (segundo o próprio esclareceu numa entrevista que não consegui encontrar na internet mas que alguém menciona neste blogue: Sunset Park). No entanto, e a título de curiosidade, a papelaria referida no livro, Paper Palace, tem uma homónima (pelo menos passou a responder por esse nome) Palácio de Papel, em Portugal, Lisboa que, na verdade, vende uns cadernos azuis, imperfeitos e exclusivos (notícia do Diário de Notícias aqui: Azuis, imperfeitos mas exclusivos). Coincidência?

junho 27, 2011

A Senhora de Avalon - Marion Zimmer Bradley

Título original: Lady of Avalon
Ano da edição original: 1997
Autor: Marion Zimmer Bradley
Tradução: Ana Maria Pinto da Silva
Editora: Rocco - Temas e Debates

"Depois de As Brumas de Avalon e de A Casa da Floresta, Marion Zimmer Bradley regressa agora com esta nova saga da ilha mágica, contada por três gerações de sacerdotisas que, nos primeiros quinhentos anos da era cristã, protegem o seu reino encantado da avidez do Império Romano. A primeira, Caillean, esconde Avalon dos legionários, envolvendo-a sabiamente numa nuvem de brumas intransponíveis; a segunda, Dierna, promove de forma astuta a união de uma das suas noviças com um general romano, transformando-o num potencial imperador bretão que assegurará a preservação do solo sagrado; a terceira, Viviane, guardiã do Cálice Sagrado, partirá da casa dos pais adoptivos na ilha de Mona aos catorze anos para se encontrar com a verdadeira mãe, a senhora de Avalon, e preparar o caminho para o nascimento do rei Artur. Rico na descrição de ambientes e na construção de personagens, este romance - onde não faltam guerra, e traições, amores e ódios, profecias e maldições - tem a mesma grandiosidade mítica e épica que caracteriza as outras obras da autora, evocando com igual dinamismo, os mitos, a magia e a história da Inglaterra lendária."

Regressar à escrita encantada de Marion Zimmer Bradley é sempre bom, principalmente quando o tema é Avalon e toda a magia envolvida. E, mais uma vez, ao ler Marion Zimmer Bradley, sinto vontade de reler As Brumas de Avalon, que já li não sei quantas vezes. :) E esta vontade surge mesmo que, na minha opinião, A Senhora de Avalon, não seja o livro mais inspirado da autora. E a questão é mesmo essa, mesmo menos inspirado, o livro não deixa de ser muito bom! :)

Em A Senhora de Avalon, como muito bem diz a sinopse, são retratadas três eras na história da Britânia. A primeira, de 96dc a 118dc, com o domínio do Império Romano a aumentar e a Ilha de Avalon a ser ameaçada, bem como, a vida das sacerdotisas e druidas que nela se refugiaram. Para proteger o culto da Deusa, Caillean, a Senhora de Avalon, envolve a ilha em brumas, tornando-a invisível ao comum dos mortais. Avalon passa a ficar situada entre o mundo dos homens e o mundo das Fadas.
Gostei muito de conhecer o que levou a que a ilha tivesse ficado envolta em brumas, tornado-se um lugar ainda mais místico.
Numa segunda parte, de 285dc a 293dc, a Britânia vive em paz com o Romanos, sem no entanto desistir de recuperar a sua autonomia. É nesse sentido que Dierna, a Senhora de Avalon, força a união entre Caráusio, um general romano, e uma das suas noviças Teleri, a quem quer como a uma irmã. Será que, com a benção da Deusa, Caráusio conseguirá alcançar a vitória pela qual toda a Britânia anseia? Ou a vontade da Deusa nada pode contra o desejo, por vezes inabalável, dos homens? É curioso que num livro onde se fala tanto de destino, de reencarnações e de forças superiores à nossa compreensão, os homens tenham tanta influência no seu próprio destino, sendo eles os únicos responsáveis pelos acontecimentos. É curioso. :)
Na terceira e última parte, de 440dc a 452dc, Ana, a Senhora de Avalon, manda buscar a sua única filha, Viviane, à família adoptiva, para que esta possa ser iniciada nos mistérios da Deusa e, assumir o seu lugar quando a altura chegar. Viviane é extremamente talentosa e tem com a mãe uma relação complicada e cheia de ressentimentos. Controlar os seus feitios em prol da defesa da Britânia contra os consecutivos ataques dos Saxões, povo rude e selvagem que ao longo dos tempos tem atormentado as costas da ilha, é essencial para que Avalon não seja mais uma vez ameaçada pelo mundo exterior. Alianças são novamente forjadas nos rituais de Avalon e mais uma vez a Deusa tenta fazer prevalecer a sua vontade exigindo sacrifícios que nem sempre são compreendidos.
Nesta terceira parte conhecemos as três irmãs que vão dar origem a toda a história das Brumas de Avalon. Viviane, é a Senhora de Avalon, Igraine é a mãe de Morgaine e Arthur e, Morgause é a tia menos simpática da família. ;) Foi esta aproximação à era de Arhur, retratada nas Brumas de Avalon, que fez com que esta terceira parte do livro fosse aquela que mais prazer me deu ler e que me deixou com vontade de reler toda a saga. :)

No início estranhei um pouco a história, estranhei os pormenores acerca dos rituais e todas as referências à luz, à paz, aos Deuses e afins. Estava a achar o livro demasiado espiritual e isso deixou-me preocupada, porque não estava a gostar. Não me recordo de os outros livros dela serem tão pormenorizados nesse aspecto e é por isso que acho o livro menos inspirado. No entanto, a história foi-me agarrando, fui-me embrenhando na vida das personagens e cheguei ao fim com pena por ter de abandonar o mundo mágico de Avalon.
É um livro repleto de misticismo e de beleza com paisagens de sonho que me aguçaram ainda mais a vontade de visitar os locais que ela refere, para descortinar, passados tantos séculos, alguns recantos que tenham guardado algum do misticismo que permitiu que a lenda da ilha de Avalon tenha chegado aos nossos tempos ainda tão cheia de encanto.

É um livro que vale a pena ler para quem gosta do mundo que Marion Zimmer Bradley tão bem sabe descrever e, para quem gosta de história, é também um livro que poderá dar uma perspectiva diferente daquela a que estamos habituados. A escrita é, como sempre, muito límpida e envolvente e, as personagens muito ricas e, claro que as mulheres continuam a ser as peças chave de toda a história. Como é comum nos livros da autora, o amor é um tema importante e está sempre presente. Continua é a ser feito de sofrimento e de desencontros dolorosos. O amor nos livros desta autora não é um sentimento que traga muita felicidade... :/

Seria incapaz de não recomendar um livro de Marion Zimmer Bradley, pelo que apenas posso dizer: LEIAM! :)


Excerto:
"Fala a Rainha das Fadas:
Aproxima-se uma nova era, em que Avalon vai parecer tão distante para eles como o parecem agora as Fadas. A rapariga que governa agora sobre o Tor vai utilizar os seus poderes para tentar mudar esse destino e a que vier depois dela fará o mesmo. Ambas falharão... Até mesmo o Defensor, quando vier, vai dominar apenas durante algum tempo. Como poderia ser de outra forma, quando as suas vidas não passam de momentos para a vida do mundo?
Serão os seus sonhos que sobreviverão, porque um sonho é imortal... tal como eu também o sou. E, apesar do mundo dever mudar inteiramente quando os seus conhecimentos se reflectirem aqui, existirão igualmente outros lugares onde um pouco de luz do Outro Mundo brilhará através do mundo dos homens. E essa luz não se perderá entre os homens, desde que eles continuem a procurar consolo nesta terra sagrada que se chama Avalon."

junho 18, 2011

Ernestina - J. Rentes de Carvalho

Título original: Ernestina
Ano da edição original: 1998
Autor: J. Rentes de Carvalho
Editora: Quetzal Editores
"Ernestina é mais do que um romance autobiográfico ou um volume de memórias de família ficcionadas. É um retrato de Trás-os-Montes, dos anos 1930 aos anos 1950, um romance que transcende o relato regionalista e que transpôs fronteiras, transformando-se num fenómeno editorial na Holanda. Ernestina é também o nome da mãe do autor e da intrépida protagonista deste livro. Sobre ela J. Rentes de Carvalho disse: «Mãe de um só filho, a sua vida, que foi de uma tristeza, amargura e terrível solidão, dava um livro. Escrevi-lho eu. E a sua morte quebra o último elo carnal que me ligava à terra onde nasci. Felizmente são ainda muitos e fortes os laços que a ela me prendem.»"

Quando lemos pela primeira vez um escritor e gostamos muito do que encontramos, gera-se quase automaticamente uma certa ansiedade quando pegamos num segundo livro para ler. E se A Amante Holandesa tivesse sido o único livro de jeito que J. Rentes de Carvalho escreveu? Felizmente não foi esse o caso e, Ernestina só veio confirmar que este é um autor para se continuar a ler. :)
Ernestina é um livro que o autor assume ser autobiográfico e onde nos é contada a história da sua família, o seu nascimento,"Deus criou o mundo em Vila Nova de Gaia, numa tarde quente de Maio em 1930", a sua infância em Vila Nova de Gaia, onde nasceu, e na aldeia de Estevais, em Trás-os-Montes, onde regressava todos os anos e onde viveu durante algum tempo com os avós. "E como se de par em par se abrissem as portas que me tinham ocultado a grandeza do viver, gritei de alegria e corri ladeira acima na pressa de encontrar o meu destino." É desta forma que termina a narrativa de J. Rentes de Carvalho, que com quinze anos acaba de encontrar mais uma razão para sorrir. :)
Numa escrita despretensiosa e bem-humorada, J. Rentes de Carvalho partilha connosco as suas memórias de infância, homenageia os avós e a terra que o viu crescer e faz-nos sentir da família. E que família esta! Repleta de personagens cativantes, com histórias caricatas, faz com que ler sobre as suas vidas seja uma autêntica viagem ao passado. É um livro cheio de humor, de cheiros e de cor, de certa forma inocente e, porque o autor não se coíbe de partilhar connosco as coisas menos boas da história familiar, o livro acaba por ser muito genuíno e enternecedor. Mais do que uma história autobiográfica, este é também um livro sobre Trás-os-Montes e sobre o Portugal das décadas 30 a 50, a forma como vivíamos e convivíamos.
Gostaria de destacar a viagem que J. Rentes de Carvalho descreve com mais pormenor, e que era feita todos os anos, entre a cidade e a aldeia. É fascinante a forma como ele descreve esta viagem longa, feita de comboio pelos velhinhos caminhos de ferro portugueses. É um dos pontos altos deste livro! :)
Enfim, é uma leitura que aconselho vivamente a todos. Aos que tiveram infâncias felizes junto de avós com cheiro a terra e a fumo e que se identificam com as memórias aqui desfiadas e, aos que não conhecendo esta realidade poderão, de certa forma, vivê-la nas palavras de J. Rentes de Carvalho.

Recomendadíssimo!

Boas leituras!

Excerto:
"Que mais me ficou? O banho na varanda, numa tina de água fria. O cheiro dos lençóis de linho e o da palha fresca das enxergas. Os cachos de uvas do ano anterior, pendurados para se tornarem passas. Uma gaveta com brinquedos esquecidos. O gosto da água bebida por uma pucarinha de barro. Correr de nossa casa para a casa da avó e ao abrir da porta aspirar fundo, por gosto, o odor conjunto dos estábulos, das pipas vazias, das talhas do azeite e das arcas da salmoura, dos toros de pinho, da resina das estevas, da fuligem secular entranhada em paredes seculares."

junho 04, 2011

A Solidão nos Números Primos - Paolo Giordano

Título original: La Solitudine dei Numeri Primi
Ano da edição original: 2008
Autor: Paolo Giordano
Tradução: José J. C. Serra
Editora: Bertrand Editora (Colecção 11x7)

"Um número primo é inerentemente solitário: só pode ser dividido por si próprio ou por um, nunca se adaptando aos outros. Alice e Mattia também, vivendo em torno do seu próprio eixo, sozinhos com as suas respectivas tragédias. Alice, uma criança bastante introvertida, é obrigada pelo pai a frequentar um curso de esqui para ser forte e competitiva. No entanto, um acidente terrível deixará marcas no seu corpo para sempre. Mattia é um menino de inteligência brilhante cuja irmã gémea é deficiente. Quando são convidados para uma festa de anos, ele deixa-a sozinha num banco de jardim e nunca mais torna a vê-la. Estes dois episódios irreversíveis marcarão a vida de ambos para sempre. Anos depois, quando estes "números primos" se encontram, são como gémeos, que partilham uma dor muda que mais ninguém pode compreender. E tal como os números primos, ambos estão destinados a viver vidas paralelas sem nunca se encontrarem."

Alice é obrigada pelo pai a esquiar, coisa que ela odeia, e que a faz odiar o pai também. Um dia, enquanto esquia, Alice sofre um acidente grave que a deixa marcada para o resto da vida. A menina tímida que apenas desejava que a deixassem sossegada encontra, depois do acidente, mais uma razão para se isolar do mundo e de todos os que a rodeiam.
Mattia é um rapaz com uma inteligência acima da média, cuja irmã gémea não consegue acompanhar por ter problemas mentais. Mattia, nos poucos anos de vida que tem, vive angustiado e envergonhado pela irmã que o atrasa e que chama a atenção de todos para os dois. Um dia, são os dois convidados para uma festa de aniversário e Mattia contrariado por ter de levar a irmã com ele, deixa-a sozinha num parque perto de casa, prometendo-lhe que voltará para a buscar. Michela desaparece e nunca mais ninguém a vê.

As vidas de Mattia e Alice cruzam-se anos mais tarde, quando Mattia é transferido para a escola onde Alice estuda. São ambos miúdos solitários e completamente desajustados numa sociedade que lhes exige coisas que eles não conseguem, nem querem dar. Alice é uma miúda que anseia por aquilo que todas as adolescentes anseiam: ser aceite, sentir o interesse dos rapazes e ter amigos que minimizem o sofrimento que é crescer. Alice sofre de anorexia e vive em permanente conflito com o seu corpo, marcado pelo acidente de esqui. O pai, que ela culpa pelo acidente, é um homem por quem tem sentimentos ambíguos e a mãe é uma presença quase transparente, sem qualquer influência no crescimento da filha.
Mattia, desde o desaparecimento da irmã, vive com a culpa de a ter deixado sozinha e a partir desse dia tenta fazer tudo de forma a que a sua presença altere o menos possível tudo o que o rodeia. Quando anda tenta não fazer qualquer ruído e, no dia-a-dia, luta para ser o mais imune possível à emoção e ao sentimento. A única coisa que aparentemente lhe interessa é a matemática, especialmente o que diz respeito aos números primos, "números desconfiados e solitários" que Mattia "acha maravilhosos".
O sofrimento destes dois miúdos acaba por aproximá-los e mantêm, ao longo dos anos, uma espécie de amizade, onde Alice é o catalisador e a força que os mantém unidos. Apaixonados um pelo outro, não sabem como fazer coabitar esse sentimento e os fantasmas que os atormentam desde crianças.
Alice e Mattia são números primos, números apenas divisíveis por um e pelo próprio número. Mais do que números primos, Alice e Mattia são números primos gémeos, "sós e perdidos, próximos mas não o suficiente para se tocarem realmente", porque os números primos gémeos são pares de números primos próximos um do outro, separados sempre por um número par.

Este é um livro difícil de ler porque é angustiante e muitas vezes comovente. O sofrimento de todas as personagens é quase palpável e o ambiente é no mínimo pesado.
É fácil para quase todos nós identificarmo-nos com a ansiedade, com o preconceito e com o sofrimento que, muitas vezes, encontramos durante a a adolescência. Crescer é um processo complicado, principalmente quando somos diferentes, quer fisicamente, quer em termos de personalidade.
Gostei muito deste livro, é surpreendente e está muitíssimo bem escrito, com um toque que é quase autobiográfico. As analogias matemáticas estão tão bem conseguidas, que quase não nos apercebemos do difícil que seria para o comum dos mortais escrever um romance tão cheio de sentimentos, que encontram, de alguma forma, correspondência no mundo da ciência exacta que é a matemática. Muito interessante esta visão alternativa que Paolo Giordano dá do mundo que nos rodeia.

Um livro de leitura obrigatória!


Excertos:
"Os anos do liceu foram uma ferida aberta, que para Mattia e Alice parecera tão profunda que jamais acharam que pudesse cicatrizar. Passaram por eles como que em apneia, ele rejeitando o mundo e ela sentido-se rejeitada pelo mundo, e aperceberam-se de que, no fundo, a diferença não era muita. Construíram uma amizade defeituosa e assimétrica, feita de longas ausência e de muito silêncio, um espaço vazio e limpo em que ambos podiam voltar a respirar, quando as paredes da escola se tornavam demasiado apertadas para ignorar a sensação de sufoco."

"Finalmente, a gigantesca esfera vermelha separou-se do mar, como uma bola incandescente. Por um instante, Mattia pensou nos movimentos rotatórios dos astros e dos planetas, no Sol que à noite se punha atrás de si e de manhã nascia à sua frente. Todos os dias, dentro e fora da água, estivesse ele ali a observá-lo ou não. Não era mais do que mecânica, conservação da energia e do momento angular, forças que se equilibravam, impulsos centrípetos e centrífugos, nada mais que uma trajectória, que não podia ser diferente de como era."