junho 27, 2011

A Senhora de Avalon - Marion Zimmer Bradley

Título original: Lady of Avalon
Ano da edição original: 1997
Autor: Marion Zimmer Bradley
Tradução: Ana Maria Pinto da Silva
Editora: Rocco - Temas e Debates

"Depois de As Brumas de Avalon e de A Casa da Floresta, Marion Zimmer Bradley regressa agora com esta nova saga da ilha mágica, contada por três gerações de sacerdotisas que, nos primeiros quinhentos anos da era cristã, protegem o seu reino encantado da avidez do Império Romano. A primeira, Caillean, esconde Avalon dos legionários, envolvendo-a sabiamente numa nuvem de brumas intransponíveis; a segunda, Dierna, promove de forma astuta a união de uma das suas noviças com um general romano, transformando-o num potencial imperador bretão que assegurará a preservação do solo sagrado; a terceira, Viviane, guardiã do Cálice Sagrado, partirá da casa dos pais adoptivos na ilha de Mona aos catorze anos para se encontrar com a verdadeira mãe, a senhora de Avalon, e preparar o caminho para o nascimento do rei Artur. Rico na descrição de ambientes e na construção de personagens, este romance - onde não faltam guerra, e traições, amores e ódios, profecias e maldições - tem a mesma grandiosidade mítica e épica que caracteriza as outras obras da autora, evocando com igual dinamismo, os mitos, a magia e a história da Inglaterra lendária."

Regressar à escrita encantada de Marion Zimmer Bradley é sempre bom, principalmente quando o tema é Avalon e toda a magia envolvida. E, mais uma vez, ao ler Marion Zimmer Bradley, sinto vontade de reler As Brumas de Avalon, que já li não sei quantas vezes. :) E esta vontade surge mesmo que, na minha opinião, A Senhora de Avalon, não seja o livro mais inspirado da autora. E a questão é mesmo essa, mesmo menos inspirado, o livro não deixa de ser muito bom! :)

Em A Senhora de Avalon, como muito bem diz a sinopse, são retratadas três eras na história da Britânia. A primeira, de 96dc a 118dc, com o domínio do Império Romano a aumentar e a Ilha de Avalon a ser ameaçada, bem como, a vida das sacerdotisas e druidas que nela se refugiaram. Para proteger o culto da Deusa, Caillean, a Senhora de Avalon, envolve a ilha em brumas, tornando-a invisível ao comum dos mortais. Avalon passa a ficar situada entre o mundo dos homens e o mundo das Fadas.
Gostei muito de conhecer o que levou a que a ilha tivesse ficado envolta em brumas, tornado-se um lugar ainda mais místico.
Numa segunda parte, de 285dc a 293dc, a Britânia vive em paz com o Romanos, sem no entanto desistir de recuperar a sua autonomia. É nesse sentido que Dierna, a Senhora de Avalon, força a união entre Caráusio, um general romano, e uma das suas noviças Teleri, a quem quer como a uma irmã. Será que, com a benção da Deusa, Caráusio conseguirá alcançar a vitória pela qual toda a Britânia anseia? Ou a vontade da Deusa nada pode contra o desejo, por vezes inabalável, dos homens? É curioso que num livro onde se fala tanto de destino, de reencarnações e de forças superiores à nossa compreensão, os homens tenham tanta influência no seu próprio destino, sendo eles os únicos responsáveis pelos acontecimentos. É curioso. :)
Na terceira e última parte, de 440dc a 452dc, Ana, a Senhora de Avalon, manda buscar a sua única filha, Viviane, à família adoptiva, para que esta possa ser iniciada nos mistérios da Deusa e, assumir o seu lugar quando a altura chegar. Viviane é extremamente talentosa e tem com a mãe uma relação complicada e cheia de ressentimentos. Controlar os seus feitios em prol da defesa da Britânia contra os consecutivos ataques dos Saxões, povo rude e selvagem que ao longo dos tempos tem atormentado as costas da ilha, é essencial para que Avalon não seja mais uma vez ameaçada pelo mundo exterior. Alianças são novamente forjadas nos rituais de Avalon e mais uma vez a Deusa tenta fazer prevalecer a sua vontade exigindo sacrifícios que nem sempre são compreendidos.
Nesta terceira parte conhecemos as três irmãs que vão dar origem a toda a história das Brumas de Avalon. Viviane, é a Senhora de Avalon, Igraine é a mãe de Morgaine e Arthur e, Morgause é a tia menos simpática da família. ;) Foi esta aproximação à era de Arhur, retratada nas Brumas de Avalon, que fez com que esta terceira parte do livro fosse aquela que mais prazer me deu ler e que me deixou com vontade de reler toda a saga. :)

No início estranhei um pouco a história, estranhei os pormenores acerca dos rituais e todas as referências à luz, à paz, aos Deuses e afins. Estava a achar o livro demasiado espiritual e isso deixou-me preocupada, porque não estava a gostar. Não me recordo de os outros livros dela serem tão pormenorizados nesse aspecto e é por isso que acho o livro menos inspirado. No entanto, a história foi-me agarrando, fui-me embrenhando na vida das personagens e cheguei ao fim com pena por ter de abandonar o mundo mágico de Avalon.
É um livro repleto de misticismo e de beleza com paisagens de sonho que me aguçaram ainda mais a vontade de visitar os locais que ela refere, para descortinar, passados tantos séculos, alguns recantos que tenham guardado algum do misticismo que permitiu que a lenda da ilha de Avalon tenha chegado aos nossos tempos ainda tão cheia de encanto.

É um livro que vale a pena ler para quem gosta do mundo que Marion Zimmer Bradley tão bem sabe descrever e, para quem gosta de história, é também um livro que poderá dar uma perspectiva diferente daquela a que estamos habituados. A escrita é, como sempre, muito límpida e envolvente e, as personagens muito ricas e, claro que as mulheres continuam a ser as peças chave de toda a história. Como é comum nos livros da autora, o amor é um tema importante e está sempre presente. Continua é a ser feito de sofrimento e de desencontros dolorosos. O amor nos livros desta autora não é um sentimento que traga muita felicidade... :/

Seria incapaz de não recomendar um livro de Marion Zimmer Bradley, pelo que apenas posso dizer: LEIAM! :)


Excerto:
"Fala a Rainha das Fadas:
Aproxima-se uma nova era, em que Avalon vai parecer tão distante para eles como o parecem agora as Fadas. A rapariga que governa agora sobre o Tor vai utilizar os seus poderes para tentar mudar esse destino e a que vier depois dela fará o mesmo. Ambas falharão... Até mesmo o Defensor, quando vier, vai dominar apenas durante algum tempo. Como poderia ser de outra forma, quando as suas vidas não passam de momentos para a vida do mundo?
Serão os seus sonhos que sobreviverão, porque um sonho é imortal... tal como eu também o sou. E, apesar do mundo dever mudar inteiramente quando os seus conhecimentos se reflectirem aqui, existirão igualmente outros lugares onde um pouco de luz do Outro Mundo brilhará através do mundo dos homens. E essa luz não se perderá entre os homens, desde que eles continuem a procurar consolo nesta terra sagrada que se chama Avalon."

junho 18, 2011

Ernestina - J. Rentes de Carvalho

Título original: Ernestina
Ano da edição original: 1998
Autor: J. Rentes de Carvalho
Editora: Quetzal Editores
"Ernestina é mais do que um romance autobiográfico ou um volume de memórias de família ficcionadas. É um retrato de Trás-os-Montes, dos anos 1930 aos anos 1950, um romance que transcende o relato regionalista e que transpôs fronteiras, transformando-se num fenómeno editorial na Holanda. Ernestina é também o nome da mãe do autor e da intrépida protagonista deste livro. Sobre ela J. Rentes de Carvalho disse: «Mãe de um só filho, a sua vida, que foi de uma tristeza, amargura e terrível solidão, dava um livro. Escrevi-lho eu. E a sua morte quebra o último elo carnal que me ligava à terra onde nasci. Felizmente são ainda muitos e fortes os laços que a ela me prendem.»"

Quando lemos pela primeira vez um escritor e gostamos muito do que encontramos, gera-se quase automaticamente uma certa ansiedade quando pegamos num segundo livro para ler. E se A Amante Holandesa tivesse sido o único livro de jeito que J. Rentes de Carvalho escreveu? Felizmente não foi esse o caso e, Ernestina só veio confirmar que este é um autor para se continuar a ler. :)
Ernestina é um livro que o autor assume ser autobiográfico e onde nos é contada a história da sua família, o seu nascimento,"Deus criou o mundo em Vila Nova de Gaia, numa tarde quente de Maio em 1930", a sua infância em Vila Nova de Gaia, onde nasceu, e na aldeia de Estevais, em Trás-os-Montes, onde regressava todos os anos e onde viveu durante algum tempo com os avós. "E como se de par em par se abrissem as portas que me tinham ocultado a grandeza do viver, gritei de alegria e corri ladeira acima na pressa de encontrar o meu destino." É desta forma que termina a narrativa de J. Rentes de Carvalho, que com quinze anos acaba de encontrar mais uma razão para sorrir. :)
Numa escrita despretensiosa e bem-humorada, J. Rentes de Carvalho partilha connosco as suas memórias de infância, homenageia os avós e a terra que o viu crescer e faz-nos sentir da família. E que família esta! Repleta de personagens cativantes, com histórias caricatas, faz com que ler sobre as suas vidas seja uma autêntica viagem ao passado. É um livro cheio de humor, de cheiros e de cor, de certa forma inocente e, porque o autor não se coíbe de partilhar connosco as coisas menos boas da história familiar, o livro acaba por ser muito genuíno e enternecedor. Mais do que uma história autobiográfica, este é também um livro sobre Trás-os-Montes e sobre o Portugal das décadas 30 a 50, a forma como vivíamos e convivíamos.
Gostaria de destacar a viagem que J. Rentes de Carvalho descreve com mais pormenor, e que era feita todos os anos, entre a cidade e a aldeia. É fascinante a forma como ele descreve esta viagem longa, feita de comboio pelos velhinhos caminhos de ferro portugueses. É um dos pontos altos deste livro! :)
Enfim, é uma leitura que aconselho vivamente a todos. Aos que tiveram infâncias felizes junto de avós com cheiro a terra e a fumo e que se identificam com as memórias aqui desfiadas e, aos que não conhecendo esta realidade poderão, de certa forma, vivê-la nas palavras de J. Rentes de Carvalho.

Recomendadíssimo!

Boas leituras!

Excerto:
"Que mais me ficou? O banho na varanda, numa tina de água fria. O cheiro dos lençóis de linho e o da palha fresca das enxergas. Os cachos de uvas do ano anterior, pendurados para se tornarem passas. Uma gaveta com brinquedos esquecidos. O gosto da água bebida por uma pucarinha de barro. Correr de nossa casa para a casa da avó e ao abrir da porta aspirar fundo, por gosto, o odor conjunto dos estábulos, das pipas vazias, das talhas do azeite e das arcas da salmoura, dos toros de pinho, da resina das estevas, da fuligem secular entranhada em paredes seculares."

junho 04, 2011

A Solidão nos Números Primos - Paolo Giordano

Título original: La Solitudine dei Numeri Primi
Ano da edição original: 2008
Autor: Paolo Giordano
Tradução: José J. C. Serra
Editora: Bertrand Editora (Colecção 11x7)

"Um número primo é inerentemente solitário: só pode ser dividido por si próprio ou por um, nunca se adaptando aos outros. Alice e Mattia também, vivendo em torno do seu próprio eixo, sozinhos com as suas respectivas tragédias. Alice, uma criança bastante introvertida, é obrigada pelo pai a frequentar um curso de esqui para ser forte e competitiva. No entanto, um acidente terrível deixará marcas no seu corpo para sempre. Mattia é um menino de inteligência brilhante cuja irmã gémea é deficiente. Quando são convidados para uma festa de anos, ele deixa-a sozinha num banco de jardim e nunca mais torna a vê-la. Estes dois episódios irreversíveis marcarão a vida de ambos para sempre. Anos depois, quando estes "números primos" se encontram, são como gémeos, que partilham uma dor muda que mais ninguém pode compreender. E tal como os números primos, ambos estão destinados a viver vidas paralelas sem nunca se encontrarem."

Alice é obrigada pelo pai a esquiar, coisa que ela odeia, e que a faz odiar o pai também. Um dia, enquanto esquia, Alice sofre um acidente grave que a deixa marcada para o resto da vida. A menina tímida que apenas desejava que a deixassem sossegada encontra, depois do acidente, mais uma razão para se isolar do mundo e de todos os que a rodeiam.
Mattia é um rapaz com uma inteligência acima da média, cuja irmã gémea não consegue acompanhar por ter problemas mentais. Mattia, nos poucos anos de vida que tem, vive angustiado e envergonhado pela irmã que o atrasa e que chama a atenção de todos para os dois. Um dia, são os dois convidados para uma festa de aniversário e Mattia contrariado por ter de levar a irmã com ele, deixa-a sozinha num parque perto de casa, prometendo-lhe que voltará para a buscar. Michela desaparece e nunca mais ninguém a vê.

As vidas de Mattia e Alice cruzam-se anos mais tarde, quando Mattia é transferido para a escola onde Alice estuda. São ambos miúdos solitários e completamente desajustados numa sociedade que lhes exige coisas que eles não conseguem, nem querem dar. Alice é uma miúda que anseia por aquilo que todas as adolescentes anseiam: ser aceite, sentir o interesse dos rapazes e ter amigos que minimizem o sofrimento que é crescer. Alice sofre de anorexia e vive em permanente conflito com o seu corpo, marcado pelo acidente de esqui. O pai, que ela culpa pelo acidente, é um homem por quem tem sentimentos ambíguos e a mãe é uma presença quase transparente, sem qualquer influência no crescimento da filha.
Mattia, desde o desaparecimento da irmã, vive com a culpa de a ter deixado sozinha e a partir desse dia tenta fazer tudo de forma a que a sua presença altere o menos possível tudo o que o rodeia. Quando anda tenta não fazer qualquer ruído e, no dia-a-dia, luta para ser o mais imune possível à emoção e ao sentimento. A única coisa que aparentemente lhe interessa é a matemática, especialmente o que diz respeito aos números primos, "números desconfiados e solitários" que Mattia "acha maravilhosos".
O sofrimento destes dois miúdos acaba por aproximá-los e mantêm, ao longo dos anos, uma espécie de amizade, onde Alice é o catalisador e a força que os mantém unidos. Apaixonados um pelo outro, não sabem como fazer coabitar esse sentimento e os fantasmas que os atormentam desde crianças.
Alice e Mattia são números primos, números apenas divisíveis por um e pelo próprio número. Mais do que números primos, Alice e Mattia são números primos gémeos, "sós e perdidos, próximos mas não o suficiente para se tocarem realmente", porque os números primos gémeos são pares de números primos próximos um do outro, separados sempre por um número par.

Este é um livro difícil de ler porque é angustiante e muitas vezes comovente. O sofrimento de todas as personagens é quase palpável e o ambiente é no mínimo pesado.
É fácil para quase todos nós identificarmo-nos com a ansiedade, com o preconceito e com o sofrimento que, muitas vezes, encontramos durante a a adolescência. Crescer é um processo complicado, principalmente quando somos diferentes, quer fisicamente, quer em termos de personalidade.
Gostei muito deste livro, é surpreendente e está muitíssimo bem escrito, com um toque que é quase autobiográfico. As analogias matemáticas estão tão bem conseguidas, que quase não nos apercebemos do difícil que seria para o comum dos mortais escrever um romance tão cheio de sentimentos, que encontram, de alguma forma, correspondência no mundo da ciência exacta que é a matemática. Muito interessante esta visão alternativa que Paolo Giordano dá do mundo que nos rodeia.

Um livro de leitura obrigatória!


Excertos:
"Os anos do liceu foram uma ferida aberta, que para Mattia e Alice parecera tão profunda que jamais acharam que pudesse cicatrizar. Passaram por eles como que em apneia, ele rejeitando o mundo e ela sentido-se rejeitada pelo mundo, e aperceberam-se de que, no fundo, a diferença não era muita. Construíram uma amizade defeituosa e assimétrica, feita de longas ausência e de muito silêncio, um espaço vazio e limpo em que ambos podiam voltar a respirar, quando as paredes da escola se tornavam demasiado apertadas para ignorar a sensação de sufoco."

"Finalmente, a gigantesca esfera vermelha separou-se do mar, como uma bola incandescente. Por um instante, Mattia pensou nos movimentos rotatórios dos astros e dos planetas, no Sol que à noite se punha atrás de si e de manhã nascia à sua frente. Todos os dias, dentro e fora da água, estivesse ele ali a observá-lo ou não. Não era mais do que mecânica, conservação da energia e do momento angular, forças que se equilibravam, impulsos centrípetos e centrífugos, nada mais que uma trajectória, que não podia ser diferente de como era."

maio 29, 2011

A Rainha no Palácio das Correntes de Ar - Stieg Larsson

Título original: Luftslottet Som Sprängdes
Ano da edição original: 2007
Autor: Stieg Larsson
Tradução do Inglês: Mário Dias Correia
Editora: Oceanos

Contém spoilers
"Lisbeth Salander sobreviveu aos ferimentos de que foi vítima, mas não tem razões para sorrir: o seu estado de saúde inspira cuidados e terá de permanecer várias semanas no hospital, completamente impossibilitada de se movimentar e agir. As acusações que recaem sobre ela levaram a polícia a mantê-la incontactável. Lisbeth sente-se sitiada e, como se isto não bastasse, vê-se ainda confrontada com outro problema:o pai, que a odeia e que ela feriu à machadada, encontra-se no mesmo hospital com ferimento menos graves e intenções mais maquiavélicas...
Entretanto, mantêm-se as movimentações secretas de alguns elementos da Säpo, a polícia de segurança sueca. Para se manter incógnita, esta gente que actua na sombra está determinada a eliminar todos os que se atravessam no seu caminho. Mas nem tudo podia ser mau: Lisbeth pode contar com Mikael Blomkvist que, para a ilibar, prepara um artigo sobre a conspiração que visa silenciá-la para sempre. E Mikael Blomkvist também não está sozinho nesta cruzada: Dragan Armanskij, o inspector Bublanski, Anika Gianninni, entre outros, unem esforços para que se faça justiça. E Erika Berger? Será que Mikael pode contar com a sua ajuda, agora que também ela está a ser ameaçada? E quem é Rosa Figueirola, a bela mulher que seduz Mikael Blomkvist?"
Fim dos spoilers. ;)

Chega assim ao fim a Trilogia Millennium. Trilogia que teria sido decalogia não tivesse o autor, Stieg Larsson, falecido antes de terminar o quarto dos dez livros que tinha planeados com Lisbeth e Mikael Blomkvist. Aqui entre nós que ninguém nos ouve, por muito que tenha gostado da Lisbeth e companheiros, dez volumes teriam sido um exagero. Achei até que este terceiro poderia ter sido bem mais pequeno... :)

Este terceiro volume começa exactamente onde o anterior acabou. Lisbeth, depois de no segundo volume ter regressado do mundo dos mortos, dá entrada no hospital em estado considerado muito grave. Com uma bala alojada no crânio, os médicos não se atrevem a avançar prognósticos. No mesmo helicóptero que a levou ao hospital viaja o homem que a pôs entre a vida e a morte, também ele bastante ferido, e que tem sido a causa de todos os problemas que Lisbeth já enfrentou na vida. Irá Lisbeth recuperar, sem sequelas, dos ferimentos? Será essa a única preocupação de Lisbeth enquanto estiver internada no hospital? Ou o homem que quase a matou vai, mais uma vez tentar acabar com a vida de Lisbeth?
Enquanto Lisbeth, no hospital, luta para sobreviver, cá fora Mikael Blomkvist continua a trabalhar num artigo que vai ajudar a ilibar Lisbeth de todas as acusações que pendem sobre ela e que terá de enfrentar assim que estiver em condições de receber alta médica. O artigo em que Mikael Blomkvist está a trabalhar envolve pessoas que pertencem à Polícia Secreta sueca, a Säpo, e que vão fazer tudo para impedir qualquer investigação sobre os podres da Companhia. Portanto, Lisbeth está entre a vida e a morte no hospital, Mikael e todos na redacção da Millennium são ameçados e perseguidos por causa do artigo e, para ajudar à festa, Erika Berger tem à perna um tarado qualquer que a persegue e ameaça. Um livro cheio de coisas boas, portanto. :)
Sobre a história mais não digo sob pena de spoilar toda a trilogia. :) Cuidado que a sinopse não tem e que pode, inclusive, estragar algumas revelações do segundo volume, para quem ainda não o leu. Para além de ser uma sinopse que levanta falsas questões, mas isso é outra história. :)

Confesso que este último livro não me convenceu, achei-o demasiado extenso e a história não foi exposta de uma forma cativante, Lisbeth quase não aparece e Mikael, aparecendo mais, pareceu-me menos interessante que nos primeiros dois livros e é, neste livro, até um pouco irritante. As histórias que giram à volta da conspiração contra Lisbeth têm algum interesse, mas estão de tal forma rodeadas de informação secundária que parece que estamos a ler um livro sobre a história da polícia secreta sueca. Este livro pedia acção e um ritmo mais acelerado, o que nos outros livros não me fez assim tanta falta. No fundo acho que este livro poderia ter ganho se fosse mais sucinto e mais objectivo. Stieg Larsson quis falar de tanta coisa, introduziu tantas personagens, que a história de Lisbeth perdeu alguma consistência.
Para além disso a história do tarado que persegue Erika Berger e todos os outros dilemas que esta atravessa ao longo deste livro não me interessaram por aí além e senti-os apenas como distracções. Erika sempre me foi algo indiferente, pelo que o seu maior protagonismo neste livro fez com que a minha leitura se ressentisse um pouco. Para além disso, Mikael Blomkvist neste livro pareceu-me demasiado convencido, muito presente na história mas com uma presença muito superficial, muito pouco emotiva e sem empatia com as outras personagens. Mais uma consequência da ânsia do autor de falar de tudo e mais alguma coisa, tornando a história demasiado tentacular, notando-se que sentiu alguma dificuldade em fechar todas as frentes que abriu.

Enfim, o livro tem coisas boas, como é óbvio, tudo o que me fez gostar e querer ler a trilogia está também neste terceiro volume, mas a verdade é que neste o equilíbrio entre a história central e todos os temas paralelos não foi tão bem conseguido. Não é mau, mas podia ser bem melhor. :)

Recomendo a trilogia mas, como já o referi antes, nunca ao preço de editora que sobrevaloriza e muito estes livros. Leiam se tiverem oportunidade, mas se não o fizerem não vem daí mal ao mundo! :)

Boas leituras!


Excerto:
"Faltava pouco para a uma e meia quando Hanna Nicander, uma das enfermeiras, acordou o Dr. Anders Jonasson.
- Que se passa? - perguntou ele, ainda meio atordoado.
- Helicóptero a chegar. Dois pacientes. Um homem já de idade e uma rapariga; ela com ferimentos de bala.

- Já vou, já vou - resmungou Jonasson, cansado."


Deixo-vos os trailer do terceiro filme:


Não posso deixar de expressar a minha estranheza por Stieg Larsson descrever o Blomkvist como um homem extremamente bem parecido e a quem as mulheres dificilmente resistem. Tendo visto os filmes é inevitável que a imagem de Blomkvist que eu tenho na minha cabeça seja a do actor que o representa no filme e, não querendo discutir gostos, que todos sabemos que não se discutem, a verdade é que o actor está longe de ser irresistível! Tirando a imagem dos actores que são diferentes da imagem que Stieg Larsson transmitiu nos livros, os filmes estão bastante fieis a eles e vale a pena ver, principalmente porque a interpretação da actriz Noomi Rapace, que faz de Lisbeth Salander, é digna de ser ver. :)

maio 15, 2011

A Rapariga que Sonhava Com Uma Lata de Gasolina e Um Fósforo - Stieg Larsson

Título original: Flickan Som Lekte Med Elden
Ano da edição original: 2006
Autor: Stieg Larsson
Tradução do Inglês: Mário Dias Correia
Editora: Oceanos

"Depois de uma longa estada no estrangeiro, Lisbeth Salander regressa à Suécia, cede o pequeno apartamento onde vivia à sua amiga Miriam Wu, e instala-se luxuosamente numa zona nobre da cidade. Pela primeira vez na vida é economicamente independente, mas cedo percebe que o dinheiro não é tudo: não tem amigos, nem família e está só. Mikael Blomkvist, que tentara contactar Lisbeth Salander durante meses, sem sucesso, desiste e concentra-se no trabalho. À Millennium chegou material para uma notícia explosiva: o jornalista Dag Svensson e a sua companheira Mia Johansson entregam na editora dois documentos que provam o envolvimento de personalidades importantes numa rede de tráfico de mulheres para exploração sexual. Quando Dag e Mia são brutalmente assassinados, todos os indícios recolhidos no local do crime apontam um suspeito: Lisbeth Salander. O seu passado sombrio e pouco convencional não abona a favor da sua imagem e a polícia move-lhe uma implacável perseguição. Lisbeth Salander, que está disposta a romper de vez com o passado e a punir aqueles que a prejudicaram, tem agora de provar a sua inocência e só uma pessoa parece disposta a ajudá-la: Mikael Blomkvist que, apesar de todas as evidências, se recusa a acreditar na sua culpabilidade."

E Lisbeth Salander volta, neste segundo livro da trilogia, para me fazer companhia. Companhia estranha, é certo que por vezes perturbadora, mas essencialmente boa companhia. Lisbeth continua, neste livro, a ser uma personagem que me fascina. Gosto realmente desta rapariga! :)

Em A Rapariga que Sonhava Com Uma Lata de Gasolina e um Fósforo (mais um título muitíssimo bem escolhido), encontramos Lisbeth multimilionária, depois de no livro anterior ter desviado uns quantos milhões ao corrupto Wennerström, que regressou recentemente à Suécia e não sabe muito bem como se adaptar à sua nova condição de muito rica. A Lisbeth que encontramos está mais madura e aparentemente mais equilibrada e serena. Depois de um ano fora, ela não é esperada por ninguém, as poucas pessoas que se preocuparam com o seu desaparecimento súbito, já haviam desistido de a procurar e seguiram com as suas vidas. Foi o caso de Mikael Blomkvist, que depois de várias e infrutíferas tentativas para a encontrar se rendeu à evidência de que ela não desejava ser encontrada por ninguém, muito menos por ele.
É penosa a solidão e o desamparo de Lisbeth, na fase inicial do livro, mais ainda porque é uma solidão evitável, uma vez que existe quem se preocupe e goste dela.

As vidas de Mikael e Lisbeth voltam a cruzar-se quando Dag Svensson e Mia Johansson são assassinados e a principal suspeita é Lisbeth.
Dag era um jornalista que estava a escrever um livro, a ser editado pela Millennium, sobre o tráfico de mulheres, algumas menores, na Suécia e Mia, namorada de Dag, estava em vias de terminar a sua tese de doutoramento sobre o mesmo tema. Ambos pretendiam revelar e expor publicamente figuras importantes da vida política e social sueca, envolvidas no tráfico de mulheres e comércio sexual das mesmas. Mikael Blomkvist vê-se de repente envolvido em mais uma corrida contra o tempo, enquanto tenta provar a inocência de Lisbeth e ao mesmo tempo encontrar o verdadeiro responsável pelo crime que vitimou os seus dois amigos. O historial de violência e o internamento de Lisbeth numa clínica psiquiátrica, que foi a sua casa na adolescência, não vão facilitar a tarefa de Mikael, muito menos com a polícia e a opinião pública sueca a considerarem-na uma sociopata tresloucada que nunca deveria ter tido alta da clínica. Enquanto isso, Lisbeth vai fazendo a sua própria investigação mais com o intuito de encontrar Zala, um nome ligado ao seu passado e que surgiu associado ao tráfico de mulheres que Mia e Dag investigavam, do que para provar a sua inocência. Chega inclusive a afirmar que não é inocente, isto porque "Não há inocentes. Há apenas diferentes graus de responsabilidade."
Lisbeth não tem, nem nunca teve, uma vida fácil e neste livro ela inicia uma viagem ao passado para o resolver definitivamente. Deixar de fugir ou de se esconder deixou de ser opção. Conhecendo Lisbeth, sabemos de antemão que as coisas não vão correr bem para muita gente e a própria Lisbeth irá passar por situações de vida ou morte.
E acho que não vale a pena dizer mais nada acerca da história do livro, até porque o giro é ser-se surpreendido. :)

À semelhança do Os Homens que Odeiam as Mulheres, já lido e comentado aqui, Stieg Larsson não tem qualquer pressa em avançar para a acção, perde-se em pormenores e histórias paralelas, o que provavelmente acaba por afastar alguns leitores menos pacientes. E mesmo o mais pacientes (caso da que aqui vos escreve) por vezes sentem alguma impaciência pela calma que define todo o livro, pelos desvios que distraem e que nos afastam da acção e da vida das personagens. No entanto confesso que, depois de lido, a impressão que fica é a de que acabámos de ler um livro com mais de 600 páginas, sem qualquer esforço e as personagens eram reais e estiveram sempre muito próximas. E isso é positivo. :)
É claro que existem passagens do livro que são perfeitamente dispensáveis, como a da descrição de um Mikael deslumbrado com a máquina de café topo de gama que Lisbeth tem no novo apartamento. Dispensável é também a muita publicidade que se faz ao IKEA e à Apple e passava bem sem saber que Bublanski e Modig (polícias destacados para a investigação criminal) foram ao Burger King e comeram um Whooper e um Veggie Burger, respectivamente. Enfim, distracções dispensáveis mas que não pesam muito na opinião final acerca do livro.

Gostei! E gostei porque está bem escrito, porque gosto muito da forma como o autor vai construindo a história e da forma como no final as peças do puzzle encaixam na perfeição. Porque e, mais uma vez o tema é a violência sobre as mulheres e nunca é demais alertar para qualquer tipo de violência, quer seja sobre as mulheres quer seja sobre homens ou crianças. Neste livro agradou-me especialmente que o desenrolar da história fosse credível, coisa que nos livros do género não é muito comum. Excepção feita para a sensação de que a Suécia só pode ser minúscula, porque toda a gente se conhecia... :) Gostei que me permitisse ter uma imagem da Suécia e dos suecos mais realista, atenuando um pouco a imagem de que os países nórdicos são perfeitos e infalíveis. Mas o que me faz dizer que gostei sem grandes hesitações, é a personagem da Lisbeth. Gosto dela, e sei que é das poucas personagens que me vai ficar pela memória, quando tiver acabado de ler a trilogia. Aliás, uma das críticas menos boas que posso fazer ao livro é mesmo ter achado que, sendo um livro centrado nela, a presença dela poderia ter sido mais evidenciada e explorada.
Finalmente, gostei porque mesmo já tendo visto os filmes e, portanto já conheça o fim da trilogia, o prazer da leitura não foi muito afectado e, só posso imaginar e invejar, confesso, o friozinho na barriga que certas passagens mais tensas poderão provocar. Mesmo nestas condições, gostei do livro e mesmo nestas condições vou ler já a seguir o terceiro e último livro da trilogia.

Posto isto, só posso dizer para lerem! ;)


Excerto:
"Estava deitada de costas, presa por correias de couro à armação de ferro da cama estreita. As correias, cruzadas, apertavam-lhe o peito, e tinha as mãos algemadas aos lados do catre.
Havia muito que desistira de tentar libertar-se. Estava acordada, mas tinha os olhos fechados. Se os abrisse, ver-se-ia, envolta em escuridão; a única luz era uma débil risca amarelada que se filtrava por cima da porta. A boca sabia-lhe mal e ansiava por poder lavar os dentes."

Trailer do filme baseado no segundo volume da trilogia e bastante fiel à história:

maio 13, 2011

Feira do Livro de Lisboa 2011

Como não pretendo voltar à Feira do Livro e este é o último fim-de-semana de estadia no Parque Eduardo VII, vou partilhar já as minhas aquisições deste ano.

(De baixo para cima)
  • A Ilha do Dia Antes - Umberto Eco
  • Inés da Minha Alma - Isabel Allende
  • A Ponte Sobre o Drina - Ivo Andric
  • Ernestina - J. Rentes de Carvalho
  • A Máquina de Fazer Espanhóis - Valter Hugo Mãe
  • O Jogador - Fiódor Dostoiévski
Para oferta comprei ainda:
  • Frágil - Jodi Picoult
  • Ilha Teresa - Richard Zimler
A Máquina de Fazer Espanhóis devidamente autografado pelo simpático Valter Hugo Mãe que, por coincidência, estava a dar autógrafos no dia em que por lá passei.

Por estar a trabalhar muito perto da feira, este ano fui lá mais vezes, quase todos os dias, para espreitar os livros do dia e para aproveitar o bom tempo que este ano ajudou à festa. :)
Devido à proximidade tive de me conter muito para só trazer aquilo que realmente queria e a preços bem mais simpáticos. O único que não foi comprado como livro do dia, ou em alfarrabistas, foi o Ernestina do J. Rentes de Carvalho. Já o queria comprar há algum tempo e os 2€ ou 3€ que tinha de promoção para mim bastaram. :)

Tive pena de não ter comprado nada para as minhas sobrinhas. Eu bem que olhei para as barraquinhas dedicadas aos mais pequenos mas não vi nada que me parecesse adequado para elas. É extremamente difícil comprar livros para crianças ou sou eu que sou esquisita? Para a mais pequena (10 meses) não achei que houvesse muita oferta e para as mais crescidas (20 meses) pareceram-me todos para meninos mais velhos. Outros eram daqueles que "pedem" para ser rasgados, demasiado frágeis para as mãos das pestinhas! :p Enfim, acho que me safo melhor numa livraria, onde posso mexer mais à vontade e ponderar todos os perigos que poderão ou não correr nas mãos das princesas. :)

Estou muito satisfeita com as minhas compras! E é bom que o esteja porque a compra de livros está suspensa por tempo indefinido. Não gosto de ter muitos livros por ler e a pilha está maior que nunca! :)

Boas leituras!!!!! :)

abril 29, 2011

A Papisa Joana - Donna Woolfolk Cross

Título original: Pope Joan
Ano da edição original: 1996
Autor: Donna Woolfolk Cross
Tradução: Teresa Martinho Toldy
Editora: Editorial Presença

"Personagem histórica envolta em lenda, a papisa Joana protagoniza a notável ascensão de uma mulher que não aceita as limitações que a sua época e a sua religião lhe impõem. Dotada de uma inteligência esclarecida e livre, assim como de uma imensa força de carácter, esta mulher brilhante conquista o mais elevado grau da hierarquia religiosa da Igreja Católica. Apoiado numa investigação rigorosa, este romance não é por isso menos grandioso, cativante e verdadeiramente apaixonante, questiona causas que ainda hoje são polémicas e prende o leitor às complexidades da luta pelo poder, das conspirações e segredos políticos, dos fanatismos, das traições e das crises de fé que ameaçam fazer soçobrar a admirável Joana."

A Papisa Joana, relata a possível história de Joana, a menina de Inglehiem cuja sede de conhecimento, perspicácia e inteligência a levou a ocupar o lugar mais elevado na hierarquia da Igreja Católica, o de Papa.
Desafiando tudo e todos, Joana nunca deixou de questionar o mundo à sua volta, nunca baixou os braços perante os obstáculos que iam surgindo, nunca se resignou com respostas vagas que lhe não satisfaziam a imensa curiosidade pelo mundo que a rodeava. Enfrentou a violência e falta de amor do pai, fugindo para perseguir o seu sonho de estudar. Aguentou, por amor ao conhecimento, ser humilhada e comandada por homens bem menos capazes que ela, em funções de poder. Abdicando de tudo, do amor, da possibilidade de construir uma família e da vida como mulher, rompeu barreiras, ultrapassou os limites impostos pelos outros e conquistou o seu lugar no mundo. Não é por ter alcançado alguns dos seus feitos disfarçada de homem, que Joana deixa de ser uma personagem verdadeiramente inspiradora. :)
Uma mulher muito à frente do seu tempo, com uma visão desempoeirada do mundo, que baseava as suas acções na razão e não no que vinha escrito nos livros sagrados. Inteligente, perspicaz, de certa forma ingénua, tinha um coração grande e solidário, tratando todos de forma igual. Desejava melhorar a vida de todos os que a rodeavam, dar uma vida melhor ao povo, principalmente às mulheres.
Como disse, uma personagem verdadeiramente inspiradora. :)

Terá Joana existido ou não passa de um mito, uma lenda?
O livro é claramente um romance que tem como ponto de partida esta possibilidade mas, exceptuando alguns factos, tudo nele é ficção, pelo que acredito que Joana existiu, que chegou a Papisa, que a Igreja terá apagado o rasto histórico deste facto, mas não encaro este livro como a verdadeira biografia de Joana, aliás nem julgo ser essa a intenção de Donna Woolfolk Cross. O que este livro é, sem dúvida, é uma homenagem a todas a mulheres que, ao longo da história mundial, nunca baixaram os braços, que nunca se deixaram intimidar pelas adversidades, que nunca se resignaram à sua condição de seres inferiores e sem valor, mesmo que isso implicasse viver como um homem. Não sendo este um caso único na história, como a autora refere no fim do livro. O mais irónico nesta história é o facto de Joana nem sequer ser muito religiosa. A sua personalidade iquisitiva tinha alguma dificuldade em viver com verdades absolutas, impostas por homens que se escudavam atrás de um Deus que aparentemente considerava as mulheres seres inferiores, pouco mais que animais. Joana aproveitou-se de um sistema que a excluía e adaptou-se a este para que pudesse ser incluída e, para isso apenas teve de dizer que era um homem e não uma mulher. A partir desse momento todas as portas se abriram e ela teve acesso a todo o conhecimento disponível, conhecimento esse que pertencia à Igreja e só por isso ela acaba por fazer a "escola" católica toda e chega onde chegou.

Outra questão que este livro acaba por levantar é a fiabilidade dos factos históricos que temos como certos hoje em dia. Quantos desses factos não serão baseados em documentos e provas, interpretadas de forma errada por nós, porque na altura em que foram produzidos escondiam interesses cuja compreensão é para nós impossível de atingir? Quantos desses documentos, escritos por Homens, não têm segundas intenções, não satisfaziam interesses pessoais da época, deturpando assim o legado que foi deixado para as gerações futuras? Dá que pensar... :)

Não fiquei especialmente impressionada com a escrita ou com a forma como as personagens foram criadas. Achei a Joana boazinha demais, demasiado perfeita e algumas situações demasiado forçadas para que Joana demonstrasse, mais uma vez, a sua superioridade mental e humana. Por vezes tive a sensação que estava a ler um romance cor-de-rosa, talvez porque senti alguma imaturidade na escrita de Donna Woolfolk Cross, mas a verdade é que este livro acaba por demonstrar que quando a história é boa, o que acabei de referir não passam de pormenores. Pela homenagem, pela pertinência do tema, pelo interesse que a época em causa levanta, este é um livro a não perder e que aconselho sem qualquer hesitação. Leiam! :)

Excerto:
"A partir daí, aquilo tornou-se uma espécie de jogo entre eles. Sempre que havia oportunidade, não tantas vezes quanto Joana desejava, Mateus mostrava-lhe como desenhar letras no chão. Ela era uma aluna ávida de aprender; apesar de estar ciente das consequências, Mateus não conseguia resistir ao seu entusiasmo. Ele também adorava aprender; a paixão dele falava-lhe ao coração. Mesmo assim, até ele ficou chocado quando Joana veio ter com ele um dia, carregando a enorme Bíblia com encadernação em madeira, que pertencia ao pai de ambos.
- O que estás a fazer? - gritou ele. - Vai pôr isso no sítio; nunca lhe devias ter mexido!

- Ensina-me a ler.

- O quê?

A audácia dela era espantosa.

- Ora, vamos lá, irmãzinha, isso é pedir muito.
- Porquê?

- Bem... porque ler é muito mais difícil do que limitarmo-nos a aprender o alfabeto. Duvido mesmo que fosses capaz de aprender.

- Porque não? Tu aprendeste.

Ele sorriu indulgentemente:

- Sim, mas eu sou um homem."


Notas: Algumas páginas na internet sobre a existência ou não de uma Papisa Joana.
E muitos mais existem, é só pesquisarem. :)

E o trailer do filme que estreou em Portugal em Setembro de 2010 (existe ainda um filme de 1972 também acerca do mesmo tema):