agosto 22, 2010

Kikia Matcho - Filinto de Barros


"Kikia Matcho, o desalento do combantente, sua primeira obra literária, é, nas palavras do autor, um pequeno exercício de ficção. Nem história, nem sociologia, nem etnologia, nem política, tão-somente uma abordagem que se pretende dinâmica e existencial do porcesso de síntese sociocultural de um Povo."

O licenciado António Benaf sabe da morte do tio através da rádio. Benaf regressou há pouco tempo da Europa, onde foi estudar com o incentivo do tio que acabou de morrer e nunca mais falou com ele. 'N Dingui era um dos muitos ex-combatentes que deambula por Bissau, homens que vivem amargurados com o resultado da revolução que encabeçaram, que não compreendem porque estão ainda mais miseráveis e que encontram refúgio na bebida. 'N Dingui era mais um, entre muitos. Convicto dos ideais pelos quais lutou e nos quais nunca deixou de acreditar.
Joana, sobrinha de 'N Dingui e prima de Benaf, é uma enfermeira que veio para Portugal a seguir à independência porque acreditou na propaganda do antigo colonizador de que, quem viesse seria recompensado. Joana veio contra a vontade do tio que considerou o desejo dela como uma traição e falta de respeito pela luta que ele travou juntamente com os seus companheiros. Joana parte mesmo assim porque a miséria que viu na Guiné-Bissau independente assustou-a e acreditou que, como enfermeira, em Portugal teria mais oportunidades.
Papai e 'N Dingui foram companheiros de luta e eram parceiros de bebida na tasca de Mana Tchambú.
No dia em que 'N Dingui morre, encontramos Joana em Lisboa, a "viver" num apartamento sem portas de um prédio abandonado, com um filho resultado da promiscuidade em que todos vivem. Nesse prédio vivem, para além dela, muitos dos retornados das ex-colónias, em condições deploráveis, que apenas sonham com o dia em que o estado português lhes vai atribuir a casa prometida quando desembarcaram em Portugal. Temos Benaf, formado na Europa a viver num pequeno apartamento em Bissau com o desejo de ser grande e cujo lema é: "comer e deixar os outros comerem." Veio ocidentalizado, viver numa sociedade ainda muito ligada aos seus Irãs, cheia de contradições e que ele não percebe. Encontramos Papai triste por já ninguém se lembrar dos que lutaram ao lado de Amílcar Cabral, por os Comandantes não comparecerem no funeral do amigo, angustiado com o país que resultou da independência. No entanto, é um homem que continua convicto daquilo por que lutou e a esperança de que um dia ele e os seus companheiros de luta irão ser reconhecidos pelo que fizeram pelo país continua bem viva. Benaf refere-se a ele como um velho interessante, simpático, mas os temas eram sempre os mesmos, a fazer lembrar o outro lado da consciência, precisamente o lado que ele estava interessado em eliminar.
Kikia Matcho significa Mocho Macho e dá título ao livro porque no dia em que 'N Dingui morre, o sobrinho Benaf vê um kikia matcho na janela, a sobrinha Joana, em Lisboa sonha com um kikia matcho com o rosto do tio e o amigo Papai vê um kikia matcho com o rosto do amigo. Segundo as crenças locais, um kikia e ainda por cima matcho é ave de mau agoiro e ter este animal associado a um defunto não pode significar coisa boa. Aparentemente a alma de 'N Dingui está com problemas em atravessar para o outro lado, está preso num limbo e precisa da ajuda dos companheiros de armas para evitar ser mandado de volta, juntamente com outros que se encontram na mesma situação, para a terra como kassissas (espíritos malignos). Parece que Cabral e todos os que morreram antes da luta terminar estão a impedir os antigos combatentes de passarem e exigem que seja feita uma cerimónia. Mas que cerimónia é essa? Ninguém sabe... O que Papai não vai permitir é que o país que já salvou antes da mãos dos tugas seja agora invadido por kassissas. Não o permitirá, por lealdade a Cabral, mesmo que na tasca de Mana Tchambú todos lhe digam que kassissas já eles são todos, despojos de uma sociedade que os quer esquecer, autênticos mortos vivos.

Gostei deste livro, principalmente porque gostei de ler sobre a Guiné-Bissau. Quando falamos da guerra colonial acabamos sempre por falar de Angola, as pessoas que retornaram com a independência das ex-colónias vinham maioritariamente de Angola e Moçambique e a verdade é que pouco se sabe (falo por mim) do como foram as coisas na Guiné e em Cabo Verde, por exemplo.
A história em si, não chega a ser uma história, é mais, como o autor diz uma "abordagem sociocultural de um povo", onde ele nos vai falando da cultura africana, da absorção e integração nos seus rituais da cultura ocidental, do povo guineense e da relação tensa entre estes e os cabo-verdianos, considerados uma elite por serem mais claros e mais instruídos.
Fala das desilusões, tanto de quem ficou como de quem partiu para Portugal à procura de uma vida melhor. Quem ficou, viu-se ficar ainda mais miserável, vendo muitas das chefias aproveitarem-se do poder recém-adquirido e deixando o povo continuar mal. Os que partiram, como Joana, não ficaram melhor.
Fala da pobreza, não só material mas também de espírito e de como a necessidade pode esbater barreiras e preconceitos. Joana, na Guiné era instruída, tinha um lugar na sociedade guineense, olhava de lado os cabo-verdianos. Em Portugal obrigada pela necessidade a viver com todo o tipo de gente deixou de olhar para cores e origens e passou a ver apenas pessoas que estavam na mesma situação que ela. Em Portugal ela era mais uma entre muitas.
O livro, embora não seja especialmente inspirado, porque a escrita de Filinto de Barros é repetitiva, quase amadora mas, fala de assuntos pertinentes e para quem gosta de ler sobre estes assuntos acho que poderá ser um livro a considerar.

Recomendo, porque no meu caso, me deixou culturalmente mais rica. Aprendi umas quantas coisas que, se já as sabia, não estavam suficientemente cimentadas na minha cabeça para as considerar como sabidas! :)

agosto 13, 2010

Os Homens Que Odeiam As Mulheres (Millennium I) - Stieg Larsson

"O jornalista de economia Mikael Blomkvist precisa de uma pausa. Acabou de ser julgado por difamação ao financeiro Hans-Erik Wennerström e condenado a três meses de prisão. Decide afastar-se temporariamente das suas funções na revista Millennium. Na mesma altura, é encarregado de uma missão invulgar. Henrik Vanger, em tempos um dos mais importantes industriais da Suécia, quer que Mikael Blomkvist escreva a história da família Vanger. Mas é óbvio que a história da família é apenas uma capa para a verdadeira missão de Blomkvist: descobrir o que aconteceu à sobrinha-neta de Vanger, que desapareceu sem deixar rasto há quase quarenta anos. Algo que Henrik Vanger nunca pôde esquecer. Blomkvist aceita a missão com relutância e recorre à ajuda da jovem Lisbeth Salander. Uma rapariga complicada, com tatuagens e piercings, mas também uma hacker de excepção. Juntos, Mikael Blomkvist e Lisbeth Salander mergulham no passado profundo da família Vanger e encontram uma história mais sombria e sangrenta do que jamais poderiam imaginar."

Finalmente li o primeiro volume da saga Millennium do Stieg Larsson. Este livro já estava há algum tempo na minha estante, intocável. Fui adiando a leitura porque o burburinho à volta desta trilogia era ensurdecedor e a verdade é que não gosto de ler os livros que toda a gente anda a ler. Gosto de esperar uns meses, às vezes anos para os ler sem a excitação que por vezes acompanha estes fenómenos literários. Com este a oportunidade de o comprar mais barato fez com que chegasse mais cedo cá a casa. :)

Os Homens Que Odeiam As Mulheres não é um policial comum, tem um ritmo mais lento, onde os pormenores e detalhes são importantes e onde as personagens se querem bem desenvolvidas, sem se tornarem transparentes para o leitor. Não sabemos tudo sobre as suas vidas porque, como Lisbeth Salander diz, toda a gente tem segredos. É assim que tem de ser para que as sintamos mais próximas e mais reais e não apenas personagens de uma história grotesca e violenta passada na Suécia. Desta forma criamos empatia com os protagonistas da história, Mikael Blomkvist, um jornalista de economia conhecido pelas suas investigações sobre a corrupção no mundo empresarial e, Lisbeth Salander uma rapariga com uma inteligência muito acima da média, socialmente inadaptada e uma hacker excepcional.
Inicialmente as histórias destas duas personagens correm paralelas. De um lado temos Mikael Blomkvist, um dos sócios de revista Millennium, acabado de ser condenado por difamação e a precisar de uma pausa para se recompor e preparar uma estratégia que lhe permita recuperar a, até então, imaculada reputação jornalística. Quando Henrik Vanger o procura para que este investigue o desaparecimento de Harriet Vanger, sobrinha-neta de Henrik, desaparecida há mais de quarenta anos, Mikael aceita. A proposta é financeiramente tentadora mas o principal incentivo são os factos sobre Weennerström que Henrik alega ter em seu poder e que poderão ser muito úteis a Mikael. Desta forma, Mikael concorda em mudar-se para a ilha de Hedeby, onde o clã Vanger reside. Viverá lá durante um ano, durante o qual deverá investigar as suspeitas de Henrik, de que Harriet terá sido assassinada por um dos membros da família Vanger. Henrik deposita todas as suas esperanças em Mikael, pretende que este traga uma nova visão ao mistério, pois esta será sua derradeira tentativa para desvendar o súbito desaparecimento de Harriet, algo que se tornou numa obsessão e que o atormenta há demasiado tempo.
Quando o livro começa, Mikael nada sabe de Lisbeth Salander, nunca falou ou sequer se cruzou com ela. No entanto, Lisbeth sabe tudo acerca de Mikael. Mais do que ele poderia alguma vez imaginar. Lisbeth trabalha com investigadora freelancer para uma empresa de segurança, a Milton Security, e é a melhor que eles têm. Não há nada que ela não consiga descobrir acerca de uma pessoa. Mikael foi mais um trabalho, encomendado por Henrik Vanger, com o intuito de saber se ele seria de confiança. Lisbeth é uma rapariga com um passado obscuro e doloroso. Tem a mãe no asilo, alheada da realidade e que a confunde constantemente com a irmã. Lisbeth, embora adulta, está sob custódia do estado sueco, por ser considerada violenta e socialmente incapaz de tomar conta da sua vida, tendo-lhe sido designado um tutor. Durante a investigação de Mikael os caminhos dos dois acabam por se cruzar e ela acaba por ajudá-lo na missão que este tomou em mãos. Mikael foi a única pessoa que Lisbeth deixou entrar na sua vida, surpreendendo-se a si própria com a facilidade com que confiou instantaneamente nele. Juntos formam uma dupla improvável, porque Mikael, embora descontraído, é orgulhosamente correcto e honesto e, Lisbeth tem uma noção ligeiramente diferente dos limites legais e morais impostos por uma sociedade a que não sente pertencer. A verdade é que acabam por formar uma dupla imbatível! :)

Não vou esmiuçar o mistério porque seria impossível fazê-lo sem desvendar pormenores que poderiam revelar demais. Apenas digo que a família Vanger é tudo menos convencional e tem uma quantidade generosa de esqueletos cabeludos no armário. E estes esqueletos são fruto de psicopatias assustadoras e muito, muito feias. Mikael não poderia nunca imaginar que se estava a meter com uma gente tão doentia.
Acrescento apenas que o título, Os Homens Que Odeiam As Mulheres, é um título mais do que adequado, pois o livro fala muito de violência contra as mulheres. Com descrições nada agradáveis de ler, mas que fazem parte da história e que são importantes para criar o ambiente de horror que se pretende. Pessoalmente não achei que fossem cenas gratuitas, apenas postas para chocar. Acho que fazem sentido, mas que não são agradáveis de ler, lá isso não são.

Apercebo-me, ao reler o que já escrevi, que ainda não disse se gostei do livro ou não. Confesso que tive algumas dificuldade em opinar sobre este Millennium I, exactamente porque tenho sentimentos ambíguos relativamente a ele. Acho que gostei, mas ao mesmo tempo estava à espera de mais. Gostei da escrita, nada de extraordinário, mas eficaz. Gostei da forma como a história foi contada, da maneira como as peças do puzzle se foram juntando e não adivinhei o final, o que é bom. Adorei a personagem da Lisbeth e estou curiosíssima para saber mais sobre ela no próximo livro. Gostei do Mikael, gostei da sua personalidade, é quase impossível não simpatizar com ele porque é muito transparente e muito honesto em todas as coisas que faz e diz e, por isso, faz sentido que seja uma personagem mais estanque, que não evoluiu quase nada ao longo do livro. O Mikael que desce as escadas do tribunal nas primeiras páginas é igual, na sua essência, ao Mikael que temos no fim do livro.
No entanto, houve uma ou outra coisa de que não gostei assim tanto, como a história paralela sobre o Mikael e o Wennerström. Muita finança e conversa empresarial que têm o dom de me desligar o cérebro. :| Foi com algum esforço que li algumas dessas partes. Não sei se esta parte da história será importante para os outros livros, mas neste serviu apenas para nos ajudar a conhecer o carácter do Mikael e para o escritor dar uma alfinetada na alta finança e na corrupção que grassa no meio. Como bom sueco que era, a preocupação com estes assuntos, e outros, está bem patente. :)
O mistério do desaparecimento da Harriet foi relativamente interessante, com reviravoltas e descobertas por vezes rebuscadas, que só são problemáticas se não forem fãs do género policial/horror, que é o meu caso, em que acho tudo sempre pouco verosímil. No entanto neste livro isso nem me incomodou muito, consegui manter um espírito mais aberto relativamente a esses pormenores. Afinal de contas fazem parte do género e se lá não estivessem o livro não teria fim, porque seria impossível resolver o mistério. :)

Concluindo, tinha algumas expectativas para este livro mas, como é raro adorar, venerar ou vibrar com policiais e livros de horror, não seria de esperar que este fosse tão diferente ao ponto de me arrebatar no entanto, gostei bastante, pelo menos o suficiente para querer ler os outros dois e ver o filme e, por isso recomendo. ;)

Notas:Podem ver o trailer do filme, Man Som Hatar Kvinnor, baseado neste livro, aqui:

agosto 11, 2010

O Calor

Eu adoro o calor, mas estou a precisar de uma pausa... Por a casa ser muito quente e porque as janelas abertas com luzes acesas são um convite à bicharada zumbidora (vulgarmente conhecidas como *#"$%#"%& das melgas!), já não acendo as luzes desta casa há semanas e, embora a conta da luz possa sair beneficiada, a verdade é que não consigo ler às escuras...
É que o Stieg Larsson entrou numa fase de leitura compulsiva e as interrupções não são pacíficas. :) Hoje, no metro, tive de fechar o livro numa parte que pedia continuação (e que continuação...). Saí à tarde a pensar na leitura de regresso a casa, mas não me foi possível ler na viagem. Antes de ficar completamente escuro consegui avançar com a leitura, mas quando o nariz começa a tocar nas folhas é porque chegou a altura de parar. :)
Só peço uns dias mais fresquinhos, nada de frio, mas uns dias em que as janelas à noite possam estar fechadas enquanto eu leio confortavelmente com a luz acesa. Pode ser ou está difícil???

Enquanto isso, estou a desenvolver uma visão nocturna espantosa que me poderá vir a ser útil, sei lá eu para quê, mas que pode vir a ser útil, lá isso pode! :/

Boas leituras! (com um leve tom irónico...) :p

agosto 04, 2010

Um Certo Capitão Rodrigo - Erico Veríssimo

"«Toda a gente tinha achado estranha a maneira como o Capitão Rodrigo Cambará entrara na vida de Santa Fé. Um dia chegou a cavalo, vindo ninguém sabe de onde, com o chapéu de barbicacho puxado para a nuca, a bela cabeça de macho altivamente erguida, e aquele seu olhar de gavião que irritava e ao mesmo tempo fascinava as pessoas...» E tudo mudou."

Primeiro livro que leio do Erico Veríssimo e posso dizer que gostei bastante. Todo ele está escrito num tom divertido, ligeiro e as personagens são cativantes e interessantes.

O Capitão Rodrigo Cambará chega a Santa Fé, montado no seu cavalo e com o seu violão a tiracolo. O Capitão, com cerca de 30 anos, é um homem da guerra, lutou em várias batalhas, contra os castelhanos, na defesa das fronteiras. É na guerra que se sente realizado, sentindo orgulho por todos os homens Cambará terem perecido guerreando e não na cama. Dono de uma personalidade explosiva, é divertido, mulherengo, conflituoso, irrequieto e muito charmoso, com um encanto a que poucos resistem. Ele chega a Santa Fé, em 1828, e decide ficar, mesmo contra a vontade da população que vê nele um perigo, sedutor e conflituoso, todos receiam que traga problemas ao lugar. Quanto mais oposição encontra mais vontade ele tem de ficar. Ao conhecer Bibiana Terra, filha de Pedro Terra, o Capitão encontra mais uma razão para ficar e, conquistar o coração daquela "potranquinha arisca" torna-se a sua obsessão.
Bibiana é a moça mais bonita de Santa Fé cobiçada por Bento Amaral filho do homem mais poderoso da vila, Ricardo Amaral, uma espécie de presidente a quem todos temem e obedecem. Rodrigo tem bom coração e descobre que o que sente por Bibiana é mais que desejo sexual, ama-a e deseja casar-se com ela e constituir família. O pai de Bibiana, Pedro Terra, homem experiente, é o único na vila que não sucumbe aos encantos de Rodrigo, sabe que homens como ele não assentam, não casam sem fazer as mulheres infelizes. Amando a filha acima de tudo e de todos, não consegue impedir que esta se case com Rodrigo. No primeiros tempos os dois são felizes, mas quando Bibiana engravida do primeiro filho, Rodrigo começa a sentir o peso da responsabilidade que é ter uma família e começa a sentir-se infeliz com a sua vida rotineira, atrás de um balcão a vender cebolas, sentindo falta das suas aventuras e de se deitar com todas as mulheres que deseja. Dando razão aos receios do sogro, Rodrigo começa a jogar, a beber e a ser negligente com a família.

Passam-se alguns anos e a situação política no Brasil torna-se cada vez mais instável. Após a independência do Reino de Portugal, declarada por D. Pedro I em 1822, existiam no Brasil algumas facções que eram contra o Império Brasileiro e queriam uma verdadeira separação entre o Brasil e Portugal. Não sendo inicialmente um movimento separatista, o conflito a que se chamou a Revolução Farroupilha, ocorreu na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul e terminou na criação de um estado republicano e independente, a República Rio-Grandense.
O Capitão Rodrigo envolveu-se nesta batalha, lutando ao lado de Bento Gonçalves um dos líderes dos Farroupilhos. Liderou a invasão de Santa Fé e acaba morto quando decide tomar pela força o casarão de Ricardo Amaral, fiel ao Império. O Capitão Rodrigo Cambará tem em Santa Fé a sua derradeira batalha e morre como sempre desejou: a combater. No entanto, como Bibiana diz, um homem como o Capitão Rodrigo nunca morre e a verdade é que, contra todas as expectativas ele nunca a abandonou, a não ser para combater e regressou a casa, para morrer, mas regressou.

Descobri, depois de ter lido este livro, que ele faz parte de uma obra maior, O Tempo e o Vento, uma trilogia composta por: O Continente, O Retrato e O Arquipélago. Obra maior da literatura brasileira que conta a história do Estado do Rio Grande do Sul. Este Um Certo Capitão Rodrigo é, pelo que percebi, um capítulo ou uma parte do primeiro romance, O Continente. Fiquei muito curiosa para ler a restante obra. Quero muito conhecer a história da família Terra, principalmente a de Ana Terra, a mãe e avó de Pedro e Bibiana Terra, respectivamente. E gostaria de continuar a seguir a história dos filhos do Capitão Rodrigo. Além disso gosto muito desta parte da história do Brasil. :) Não sei é se vai ser muito fácil comprar os livros por cá... :)

Recomendo este livro, sem reservas!

Boas leituras! :)

Nota: Existe, pelo menos uma adaptação desta obra, O Tempo e o Vento (ver excerto aqui), produzida pela Tv Globo e estreada em 1985.

agosto 03, 2010

The Pillars of The Earth - Mini-série

Vi hoje o primeiro episódio da mini-série The Pillars of The Earth, baseada no romance homónimo do Ken Follett e gostei muito do que vi. Como não li os livros (ainda) não faço ideia se está fiel ou não, o que sei é que como série vale por si só. Tem bons actores, a história, até agora, parece-me interessante e é visualmente muito bem conseguida. Fiquei com mais vontade ainda de ler os livros... Espero que ver a série não me estrague a leitura, mas a verdade é que, tendo visto o primeiro episódio, já não está nas minhas mãos deixar de ver até ao fim! :)

Fica aqui o trailer:

agosto 01, 2010

O Evangelho do Enforcado - David Soares

"Lisboa, século XV: Nuno Gonçalves, nascido com o dom quase sobrenatural para a pintura, desvia-se dos ensinamentos do mestre flamengo Jan Van Eyck quando perigosas obsessões tomam conta de si. Ao mesmo tempo, na sequência de uma cruzada falhada contra a cidade de Tânger, o Infante D. Henrique deixa para trás o seu irmão D. Fernando, um acto polémico que dividirá a nobreza e inspirará o regente D. Pedro a conceber uma obra única. E que melhor artista para a pintar que Nuno Gonçalves, estrela emergente no círculo artístico da corte? Mas o pintor louco tem outras intenções, e o quadro que sairá das suas mãos manchadas de sangue irá mudar o futuro de Portugal. Entretecendo História e fantasia, O Evangelho do Enforcado é um romance fantástico sobre a mais enigmática obra de arte portuguesa: os Painéis de São Vicente. É, também, um retrato pungente da cobiça pelo poder e da vida em Lisboa no final da Idade Média. Pleno de descrições vívidas como pinturas, torna-se numa viagem poderosa ao luminoso mundo da arte e aos tenebrosos abismos da alienação, servida por uma riquíssima galeria de personagens."

Confesso desde já a minha dificuldade em opinar sobre este livro. Tenho sentimentos ambíguos em relação a ele, ambiguidade essa que não passa por gostar ou não gostar, passa sim, por gostar, mas com reserva porque é um livro violento, cru e muitas vezes chocante. Por isso tenho pudor em afirmar que gostei muito, porque sinto alguma repugnância pelo livro. Não sei se fui clara. Provavelmente só quem já leu perceberá a que me refiro. :)

Em O Evangelho do Enforcado temos a história, ficcionada, de Nuno Gonçalves, o provável autor dos Painéis de São Vicente. Provável, porque o criador de uma das maiores obras de pintura portuguesa nunca foi identificado de forma inequívoca.
O livro começa com o nascimento de Nuno, filho de gente pobre, habitantes de Embraçadura uma pequena aldeia na zona de Sacavém. Nuno quando nasce é tudo menos um bebé vulgar (não sou eu que vou revelar o porquê...). Passada a surpresa e apreensão iniciais, os pais acabam por aceitá-lo como é, e a mãe vaticina-lhe grandes feitos, porque Deus só poderá ter grandes planos para uma criança tão especial. Embora rodeado pelo amor dos pais, cedo Nuno revela ser uma criança com gostos e apetências, no mínimo aberrantes. Tem um fascínio inexplicável pela morte, principalmente por ossadas. A morte para ele é bela e o seu cheiro é para ele perfume.
Nuno cresce e vai parar a Lisboa, não interessa agora como nem porquê, deixando para trás as memórias de uma criatura assustadora, o Geronte, feita de detritos, de pedaços mortos da floresta, que mais ninguém vê. Geronte perseguia-o, em Embraçadura, dizendo-lhe que Nuno era como ele e que, tal como ele, tinha como destino levar a morte aonde quer que fosse. Em Lisboa, afastado e esquecido desta criatura, Nuno torna-se um pintor conhecido e respeitado pelo seu talento, sendo contratado pelo Infante D. Pedro, o regedor, para criar um políptico que homenageie o irmão D. Fernando, o Infante Santo e mártir da pátria. Nascem assim os Painéis de São Vicente. É enquanto trabalha nesta obra que Nuno começa a dar liberdade aos seus desvios e a não conseguir controlar os seus impulsos mórbidos, ao mesmo tempo que justifica as suas acções com a necessidade de combater Geronte, que voltou a atormentá-lo. Este trabalho de Nuno Gonçalves, no livro, vai influenciar o rumo da história de Portugal, nomeadamente no que diz respeito à expansão marítima portuguesa.
A história é mais ou menos isto, pelo menos aquilo que é seguro dizer sem revelar demasiado. O cenário em que se insere o percurso de vida de Nuno Gonçalves é o da Lisboa medieval, do século XV, com a imundice das ruas e a depravação, moral e física, da época.
Para além da vida de Nuno Gonçalves, David Soares vai-nos relatando episódios da História de Portugal, relacionados com os reinados de D. João I (O de Boa Memória), do seu filho D. Duarte I (O Eloquente ou o Rei Filósofo) e, por último do neto, D. Afonso V (O Africano). A fantasia e a realidade estão muito bem misturadas, sem que no entanto se confundam. A linha entre as duas está muito bem delineada, o que para mim é positivo, porque, sendo eu leiga nestas coisas da História, não corro o risco de adquirir falsos conhecimentos e de, no futuro, cometer gafes históricas. ;)

É um livro muito original que denota um conhecimento profundo da época. Apresenta uma teoria interessante sobre os Painéis de São Vicente, mas também sobre a peste bubónica (seria mesmo peste bubónica?) que assolou o país e o mundo durante séculos e sobre a História de Portugal e de Lisboa do século XV. Gostei da escrita, por vezes de tal maneira realista que senti, algumas vezes, vontade de fechar os olhos ou de ler depressa para que acabasse rápido o que estava a ser descrito. É a tal repugnância de que falei no início deste post... :/ Gostei das descrições da Lisboa do século XV. O exercício de tentar imaginar a minha Lisboa naquela época é praticamente impossível. A Lisboa, os seus habitantes e seu modo de vida, na forma como são descritos no livro, são fascinantes! :) Gostei das personagens, principalmente o Nuno Gonçalves e, destaco o conjunto forte e coeso que todas as outras personagens formam.
Gostei, de no final do livro, já terminada a história, o autor explicar algumas opções que tomou, relativamente aos factos históricos que referiu ao longo do livro. Para além de didáctico ajuda a esclarecer alguns pontos.
E porque o livro não é perfeito houve uma outra coisa que me agradou menos. Incomodou-me haver tantas frases em latim, ao longo do texto, sem tradução. Embora percebendo o propósito da coisa, não deixei de ficar com a sensação que me estavam a esconder alguma coisa. :) Por último, embora tenha gostado das partes que se referiam à vida na corte, estas afastam demasiado o leitor da história do Nuno Gonçalves e, eu gostava de ter acompanhado mais a vida dele e menos a dos Infantes, Reis, etc. Pessoalmente teria gostado de uma história mais centrada na personagem do Nuno Gonçalves.

Concluindo: não é uma leitura fácil, mas é surpreendente e, de uma forma um pouco retorcida, é cativante e empolgante. Recomendo, com a ressalva de poder ser menos adequado a pessoas sensíveis. :)