dezembro 31, 2012

[Mini-série] Great Expectations - Charles Dickens

Ando a descobrir as potencialidades da Irís, a box da Zon (passe a publicidade) com a capacidade de rever toda a programação que deu nos últimos 7 dias e tenho tido a oportunidade de ver coisas que de outra forma talvez acabasse por não ver.

É o caso de Great Expectations, uma mini-série de 3 episódios que passou num qualquer canal da grelha (não me recordo de qual), baseada no livro homónimo de Charles Dickens. 
Nunca li o livro, embora faça parte da lista de aquisições desde sempre, e achei que esta seria a oportunidade perfeita para conhecer a história.
Não faço ideia se é fiel ou não à história de Charles Dickens, o que sei é que gostei muito da série. Acho que os actores foram bem escolhidos, a imagem e caracterização são extraordinárias e gostei muito da história, que vou querer ler na mesma. :)

Vejam que vale a pena e, conhecendo a escrita de Charles Dickens, leiam que deve valer a pena.

Fica o trailer para poderem "espreitar":

Boas leituras!

dezembro 28, 2012

o remorso de baltazar serapião - valter hugo mãe

Título original: o remorso de baltazar serapião
Ano da edição original: 2006
Autor: valter hugo mãe
Editora: Alfaguara Portugal

"A aventura de baltazar serapião em reboliço com os seus amores pela formosa Ermesinda, moça com quem vem a casar e por quem se atormenta de ciúmes. Este é um romance de família e de viagem, em que o estigma de se ter um nome parece explicar à sociedade quem se é e que intenções se tem.
Um romance que é também uma aventura da linguagem, friccionando um português antigo que, não o sendo de facto, cria a ilusão de estarmos ao tempo de uma idade média tardia, feita de alçapões morais e de uma brutalidade primária, sobretudo cometida contra as mulheres.
Este livro ostenta a violência a que historicamente a mulher foi sendo sujeita por uma mentalidade machista dominante. Uma violência ainda sem redenção."

Depois de ter gostado tanto do a máquina de fazer espanhóis, as expectativas para o próximo livro a ler do valter hugo mãe eram elevadas. o remorso de baltazar serapião é muito diferente e por isso, as comparações naturais com o livro anterior desapareceram na primeira página, o que foi bom. :) Gosto de escritores que não ficam presos a uma única forma de escrever, que parecem conseguir reinventar-se a cada livro que escrevem, conseguindo manter a identidade.

o remorso de baltazar serapião - escrever sem maiúsculas é, ao mesmo tempo estranhamente libertador e anti-natural - é um livro, à falta de melhor palavra que o adjective, perturbador. 
Numa espécie de caricatura, exagerando as personagens, tornando-as menos credíveis, valter hugo mãe consegue, mais uma vez, entrar numa realidade que, à partida não lhe é familiar, e descreve-la como se fosse. Neste, pelos olhos de baltazar serapião, entra na vida sofrida e deprimente de uma mulher, da idade média. baltazar serapião casa por amor com Ermesinda, a rapariga mais bonita e recatada da aldeia. Ermesinda parece gostar dele e todos têm esperança que baltazar não siga as pisadas do pai, que mutilou a mãe, para lhe ensinar a ser uma melhor esposa e mãe.Por ignorância e machismo (serão sinónimos?) o pai de baltazar serapião deixou a mulher para sempre coxa, com os pés irremediavelmente torcidos e retorcidos. Que seria se não tivesse, também ele casado por amor... Provavelmente não teria posto tanto afinco na "educação" da mulher. Porque as mulheres são malignas, a sua voz é perigosa e os homens não devem dar-lhes ouvidos. As mulheres são burras, menos que nada, com a cabeça cheia de ideias estranhas e perigosas, que servem apenas para satisfazer todos os desejos dos homens. A mulher ideal é submissa e calada.
É com pena que percebemos que Ermesinda, a rapariga mais bonita e recatada da aldeia não terá sorte diferente quando se casa com baltazar serapião. Este louco de ciúmes, que até podem ter razão de ser, nunca o sabemos ao certo, vai aos poucos mutilando fisica e psicologicamente a rapariga.

Toda a família serapião é estranha, com comportamentos bestiais - adj bestial [bəʃti'al] próprio de animal - ou não fossem eles conhecidos por sargas, porque tratavam a velha vaca como se fosse da família. Alguns acreditavam inclusive que era a vaca a progenitora das crias serapião e não a desgraçada com os pés tortos. E, também neste caso, nunca sabemos com certeza...

Não é um livro fácil de ler, é muitas vezes revoltante e apenas o tom mais caricatural permite aliviar um pouco o que lá se conta. Por ser tão próximo à realidade de muitas mulheres, ainda nos dias de hoje, torna-se ainda mais desconfortável. Os homens do livro são quase todos uns animais, e as mulheres são quase todas pouco mais que bichinhos assustados. Dá vontade de gritar de estupefacção!
Todas as mortes na família serapião são trágicas. O que leva à morte da mãe é, indescritívelmente repugnante e chocante.
A relação de dependência que existe entre baltazar e Ermesinda é revoltante e incómoda. O comportamento de cachorrinho que ela demonstra é difícil de ler e a inexistência de remorsos em baltazar é ofensiva.
O que acaba por ser mais incómodo é a inevitabilidade dos comportamentos de cada uma das personagens. baltazar aparece-nos sempre como alguém simpático, como alguém de quem até poderíamos vir a gostar, cujos comportamentos surgem como inevitáveis. É inato ao homem e por isso impossível de condenar, como doença incurável com a qual todos teríamos de aprender a viver.
valter hugo mãe a fazer bem o papel de advogado do diabo. :)

É impossível dizer que gostei deste livro, como posso gostar? É demasiado gráfico, demasiado chocante e demasiado certeiro. Só por isso não posso dizer que gostei mas a verdade é que gostei, como posso não gostar? :)

Gostei e só não recomendo sem reservas porque é preciso ter algum estômago e ter a capacidade de nos distanciar-mos.

Boas leituras!

Excertos:
"a minha mãe deixava de falar comigo e com o aldegundes, porque lhe saíam coisas de mulher pela boca fora, e barafustar, como fazia, era encher os ouvidos dos homens com ignorâncias perigosas. uma mulher é ser de pouca fala, como se quer, parideira e calada, explicava o meu pai, ajeitada nos atributos, procriadora, cuidadosa com as crianças e calada para não estragar os filhos com os seus erros."

"a minha mãe roubou-a dos nossos olhos, furiosa com o destino, e todos soubemos que se cobriram uma à outra de segredos, semelhantes e porcas de corpo, condenadas à inferioridade, à fraqueza. um corpo que as obrigava, sem falta, a uma maleita reiterada, como um inimigo habitando dentro delas, era o pior que se podia esperar, um empecilho de toda a perfeição, e tão belas se deixavam quanto doloridas e acossadas. por isso eram instáveis, temperamentais, aflitas de coisas secretas e imaginárias, a prepararem vidas só delas sem sentido à lógica. tinham artefactos e maneiras de parecer gente sem quererem perder tudo o que deviam perder. eram, como sabíamos tão bem, perigosas."

dezembro 25, 2012

Feliz Natal!!!!!

Embora ligeiramente atrasado, não podia deixar de passar por aqui e desejar-vos um Feliz Natal!

Espero que ainda não estejam enjoados dos doces de Natal (eu não estou) e que tenha havido espaço para muitos abraços e risadas!

Que o Pai Natal, tenha o merecido descanso numa praia paradisíaca depois de ter carregado com todos os vossos presentes. Espero que todos os livros que pedimos no sapatinho não tenham dado cabo das costas do simpático velhinho de barbas!

Boas leituras!!!!!!

dezembro 12, 2012

A Montanha da Água Lilás - Pepetela

Título original: A Montanha da Água Lilás
Ano da edição original: 2000
Autor: Pepetela
Editora: "Colecção BIIS" da Leya

"«O avô Bento, em noites de cacimbo à volta da fogueira, nos contou, fumando o seu cachimbo que ele próprio esculpiu em pau especial. Dizia a estória se passou aqui mesmo, nas serras ao lado, mas pode ser que fosse trazida de qualquer parte de África. Até mesmo do Oriente, onde dizem também há água lilás. Se virmos bem, em muitos lados pode ter uma montanha semelhante. Eu só escrevi aquilo que o avô nos contou, não inventei nada.»"

Que livro delicioso... Pepetela não pára de me surpreender e é cada vez mais um daqueles escritores que acreditamos não consegue escrever um livro mau. :)
A Montanha da Água Lilás é uma pequena fábula, um livro de "faz de de conta" com uma história que surpreende por ser tão certeira, tão séria e ao mesmo tempo tão divertida.

No tempo em que os animais falavam existia uma montanha onde habitavam os lupis. Os lupis viviam separados dos outros animais da planície e alimentavam-se dos frutos que colhiam das muitas árvores da montanha. Eram umas criaturas pequenas e reconchudas, com o corpo coberto de pêlo cor de laranja. Uma espécie de macacos, com características que nos levam a pensar neles como os antepassados longínquos dos Homens.
Os lupis distinguiam-se uns dos outros pela inteligência e pelo tamanho. Os mais inteligentes eram os cambutinhas, os mais pequenos dos lupis, era deles que partiam todas as ideias. Os mais trabalhadores eram os Lupões, maiores e menos dados às coisas do pensamento, eram fisicamente mais capazes do que os cambutinhas.
Os lupis viviam felizes, comiam a muita fruta da montanha e viviam pacificamente, sem motivos para discutir. Por um acaso da evolução, algumas das crias lupis começam a crescer mais do que os seus progenitores. Estes novos lupis para além de serem fisicamente maiores eram também muito preguiçosos e violentos. Eram completamente incapazes de sobreviver sozinhos, porque não conseguiam subir às árvores para colher fruta e aproveitavam-se da boa vontade dos seus semelhantes (parece-vos familiar?), para se alimentarem. Não contribuíam em nada para a vida na montanha, a única coisa que sabiam fazer era perturbar a paz na montanha. Por serem tão diferentes dos restantes lupis começaram a ser chamados de jacalupis, porque até na maneira como expressavam o seu estado de espírito eram diferentes dos outros lupis.
Embora os jacalupis tenham vindo complicar um pouco a vida simples que até aí se vivia na montanha, os lupis foram-se adaptando às novas circunstâncias e aceitaram, estes seus semelhantes de forma pacífica.
A vida seguia sem percalços, comiam a fruta das árvores e, os momentos de lazer continuavam a ser passados no vale da poesia em contemplação da natureza.
Um dia, para surpresa de todos, da montanha que habitavam desde que se lembravam, começa a brotar uma espécie de água, de cor lilás e com um perfume inebriante que deixa quem se aproxima dela mais feliz. Os lupis ficam, naturalmente, muito intrigados com a água lilás e os lupis cientistas começam logo a investigar as potencialidades de tão extraordinário líquido. Será que se pode beber? Será que se pode tomar banho nela? Se apenas cheirá-la os deixa tão felizes... O aparecimento de um bem a que mais nenhum animal tem acesso e, ainda por cima, um que parece ter potencialidades infinitas, vai alterar a vida dos lupis para sempre. O lupão comerciante começa logo a conceber planos para rentabilizar o precioso líquido, os jacalupis tornam-se ainda mais violentos e preguiçosos, e o cambutinhas começam a parecer-se cada vez mais com escravos, embora estejam em maioria.
Acho que não é difícil perceber onde esta fábula de Pepetela quer chegar. :)

Depois de um livro tão extenso como Os Pilares da Terra, do Ken Follett, que embora me tenha dado muito gozo ler, quando comparado com este pequeno livro de Pepela, acaba por parecer tão pretensioso...

Soube-me mesmo muito bem voltar a Pepetela com este A Montanha da Água Lilás e é óbvio que o recomendo!

Boas leituras! :)

Excerto:

"De repente do sítio de onde saiu a pedra, brotou muito timidamente um líquido escuro. O lupi-poeta inclinou-se para ver melhor e sentiu então o perfume que saía daquele líquido lilás. Era um perfume muito doce. Pôs o dedo no líquido e levou-o ao nariz. Que maravilha! Os odores de todas as flores estavam reunidos naquele cheiro único que logo o encheu de enorme alegria, ele que momentos antes quase explodia de irritação. Ajoelhou no chão e cavou à volta, alargando o buraquinho. O líquido começou a brotar em maior quantidade e o perfume intensificou-se. A alegria também. Ficou ali sentado no chão, ao lado da fonte, aspirando o perfume, todo feliz, esquecido mesmo de fazer o poema à Lua."

The Pillars of the Earth - Ken Follett

Título original: The Pillars of the Earth
Ano da edição original: 1989
Autor: Ken Follett
Editora: Pan Books

"Set in the turbulent times of twelfth-century England when civil war, famine, religious strife and battles over royal succession tore lives and families apart, The Pillars of the Earth tells the story of the building of a magnificent cathedral.
Against this richly imagined backdrop, filled with intrigue and treachery, en Follett draws the reader irressistibly into a wonderful epic of family drama, violent conflict and unswerving ambition. From humble stonemason to imperious monarch, the dreams, labours and loves of his characters come vividly to life. The Pillars of the Earth is, without doubt, a masterpiece - and has proved to be one of the most popular books of our time."

E finalmente cheguei ao fim deste primeiro calhamaço de Ken Follett. E é por ser um dos livros mais lidos de sempre, que praticamente já toda a gente leu, que não sei bem que mais há a acrescentar às inúmeras opiniões/críticas já escritas sobre ele. Provavelmente já foi tudo dito e, como não tenho qualquer pretensão de reinventar a roda, vou ser o mais breve possível, tendo em conta a dimensão do livro (1075 páginas nesta edição da Pan Books). ;)

A acção de The Pillars of the Earth percorre quase todo o século XII. Começa com o fim do reinado de Henry I, passa pelo de Stephen e termina com o de Henry II. Tendo como pano de fundo o sonho de construir uma catedral, a maior e mais bela catedral de Inglaterra, Ken Follett leva-nos a viajar por uma época difícil, onde a guerra pelo trono é uma constante, a tirania dos grandes senhores é lei e onde o poder da Igreja, embora muitas vezes ameaçado e posto em causa, é inegável e muitas vezes nefasto. Na luta do bem contra o mal, o bem não parece ter grandes hipóteses contra adversários tão determinados.
Podemos considerar que existem, neste livro, três grandes núcleos - o núcleo do povo, constituído pela gente trabalhadora e/ou pobre, o núcleo dos nobres ou donos de cargos de poder na sociedade e dos religiosos.
Do lado do povo temos Ellen, Jack, juntamente com Tom Builder e a família.
Ellen e Jack, são mãe e filho e viviam numa gruta na floresta, afastados do mundo, até se cruzarem com a família de Tom Builder. Ellen é filha de um nobre, demasiado "avançada" para a época em que nasceu, por ser tudo menos uma mulher submissa. É, pelo contrário, independente, sem papas na língua e incute algum receio nos outros por acharem que é uma bruxa com acesso a poderes ocultos. É uma mulher que ama a vida e o filho, acima de tudo, e que encontra novamente o amor junto de Tom Builder, que acabará por ser o único pai que Jack alguma vez conhecerá.
Tom Builder é-nos apresentado como um homem muito inteligente, com uma mente aberta à mudança. É um homem fisicamente possante que amou sem reservas a mulher, Agnes, que morre durante o parto, e os filhos. O seu maior sonho é construir uma catedral. Quer desenhá-la e construi-la à medida da sua imaginação. É trabalhador e determinado nos objectivos que traçou para a sua vida.


Aliena e Richard fazem parte do núcleo dos nobres, embora vivam, ao longo de toda a história, momentos de verdadeira penúria. Aliena e Richard são irmãos e assistiram impotentes à invasão do castelo onde viviam com o pai, o Conde de Shiring. Preso por conspirar contra o rei, deixa os filhos, ainda adolescentes, abandonados e arruinados. Aliena é uma personagem extraordinária que vale a pena conhecer. Uma mulher de armas que não baixa nunca os braços perante as inúmeras adversidades e contratempos que vai encontrando ao logo da história. Dona de uma beleza extraordinária e de uma não menos extraordinária personalidade, é protagonista de uma das cenas mais chocantes do livro, quando é  violada por William Hamleigh e os seus homens, em frente ao irmão Richard. A vida das mulheres neste livro é tudo menos glamorosa...
William Hameleigh, é a personificação de todo o mal. Conhecemo-lo quando invade o Castelo de Shiring, um rapaz inseguro que encontra na violência um escape para os seus demónios interiores. Seguimos o seu percurso errático, pertubamo-nos com os seus desejos irracionais, por Aliena, pelo poder, pelo reconhecimento público e por sangue. O seu fim não poderia ser diferente daquele que Ken Follett lhe reservou. :)

Do lado da Igreja, temos Philip e Waleran. Os dois representam o melhor e o pior que a Igreja pode criar.
Philip é o prior de Kingsbridge quando Tom Builder chega à vila e depressa embarca no sonho do construtor. Em criança assistiu ao assassinato dos pais tendo sido salvo, juntamente com o irmão mais novo, por um religioso que os acolheu num mosteiro e os educou como filhos. Extremamente inteligente e determinado, o seu calcanhar de Aquiles é o orgulho, o único pecado mortal de que pode ser acusado. Orgulho por ter transformado Kingsbridge numa cidade cada vez maior e mais próspera, e por estar a construir a maior e mais bela catedral do mundo. Comete alguns erros e toma decisões que podemos considerar menos cristãs, tudo para salvaguardar a obra que quer deixar feita. Mas é, na sua essência, um homem bom, um verdadeiro cristão, por vezes inocente, moralmente muito rígido e justo que acredita piamente estar a cumprir a vontade de Deus.
Waleran é a antitese de Philip, dono de uma ambição sem limite, utiliza a sua posição como Bispo para satisfazer os seu desejos pessoais, não olhando a meios para atingir os seus fins. Tem por Philip um ódio de morte e chega a ser frustrante ver o esforço que faz para acabar com Philip e que este consiga sempre dar a volta por cima. :)

The Pillars of the Earth é a história de Ellen, de Jack, de Tom Builder, de Aliena, de Philip, de William e Waleran. Estes são os seu nomes mas podiam ser outros, porque as histórias contadas não são exclusivamente suas. Ken Follett junta todas estas personagens, tendo como força motriz a construção da catedral de Kingsbridge e aproveita para nos falar de como era a vida na Inglaterra do século XII. Como viviam as pessoas nessa altura, do que viviam, o que comiam, porque casavam, como nasciam e como morriam. Que papel assumia a Igreja, em que acreditavam as pessoas da época, o que temiam e como rezavam. Que importância tinha o Rei na vida dos seus súbditos, quando decisões tomadas a quilómetros de distância por razões, raramente compreensíveis, podiam virar a vida do comum dos mortais de pernas para o ar.
Neste aspecto o livro é bem sucedido, uma vez que, faz isto integrando os factos históricos na história ficcionada que conta, com pormenores que vamos absorvendo de forma natural.

Os pormenores da construção da catedral são fascinantes, e é engraçado intuir nas preocupações que consumiam Tom Builder e mais tarde Jack, o início de uma nova era para a engenharia civil. Com o acesso ao conhecimento tão limitado, onde os únicos livros disponíveis pertenciam à Igreja, é fascinante como já se sabia tanto, ou como a intuição de Jack estava tão perto da verdade.

Talvez por ter visto a mini-série primeiro, o meu entusiasmo durante a leitura acabou por não ser uma constante, no entanto, não posso deixar de concordar com a maioria das opiniões já escritas sobre esta obra de Ken Follett, é grande e tem momentos verdadeiramente grandiosos.
The Pillars of the Earth é um daqueles livros que vale essencialmente pela história que nos conta e menos pela qualidade da escrita. A genialidade de Ken Follett revela-se na história e não propriamente na forma como a conta. Confesso que não sou grande fã da escrita dele, que acho demasiado linear e, neste livro, acaba por ser até um pouco repetitivo nas ideias. Mas, embirranços à parte foi um livro que me deu muito gozo ler e que me deixou com vontade de ler o The World Without End e a trilogia do século XX, Winter of the World, que ele já começou a escrever.

Ainda não foi este que arrebatou as 5 estrelas na classificação do Goodreads, mas leva umas confortáveis 4 estrelas, sem hesitações.

Recomendo, embora seja um livro grande, em termos de dimensões, é um livro que se lê bastante bem sem grande espaço para nos aborrecermos. Recomendo também a mini-série, embora não seja completamente fiel ao livro vale a pena ver.

Boas leituras!

novembro 29, 2012

Quase quase...


...a terminar o "calhamaço" de Ken Follett. :)

O Quero Um Livro está vivo, portanto. 

outubro 29, 2012

A Tormenta de Espadas - George R. R. Martin

Título original: A Storm of Swords (part 1)
Ano da edição original: 2000
Autor: George R. R. Martin
Tradução: Jorge Candeias
Editora: Saída de Emergência

"Os Sete Reinos estremecem quando os terríveis selvagens do lado de lá da Muralha se aproximam, numa maré interminável de homens, gigantes e terríveis bestas. Jon Snow, o Bastardo de Winterfell, encontra-se entre eles, debatendo-se com a sua consciência e o papel que é forçado a desempenhar.
Todo o território continua a ferro e fogo. Robb Stark, o Jovem Lobo, vence todas as batalhas, mas será ele capaz de vencer as mais subtis, que não se travam pela espada? A sua irmã Arya continua em fuga e procura chegar a Correrrio, mas mesmo alguém tão desembaraçado como ela terá dificuldade em ultrapassar os obstáculos que se aproximam.
Na corte de Joffrey, em Porto Real, Tyrion luta pela vida, depois de ter sido gravemente ferido na Batalha da Água Negra, e Sansa, livre do compromisso como o rapaz cruel que ocupa o Trono de Ferro, tem de lidar com as consequências de ser segunda na linha de sucessão de Winterfell, uma vez que Bran e Rickon se julgam mortos.
No Leste, Daenerys Targaryen navega na direcção das terras da sua infância, mas antes terá de aportar às cidades dos esclavagistas, que despreza. Mas a menina indefesa transformou-se numa mulher poderosa. Quem sabe quanto tempo falta para se transformar numa conquistadora impiedosa?"

*Pode conter spoilers*

Esta primeira parte do terceiro volume (5º da Saída de Emergência) das Crónicas de Gelo e Fogo, é muito boa! Todas as personagens importantes parecem cada vez mais perdidas, presas a situações para as quais não encontram saída. E começa-se a adivinhar um rumo que me parece promissor, com Daenerys Targaryen, a Mãe dos Dragões, a ganhar importância e com os Selvagens a trazerem um novo ponto de vista sobre os Sete Reinos e sobre as infindáveis batalhas que os assolam. É impressionante a capacidade de George R. R. Martin para conseguir renovar a história e mantê-la empolgante.

Resumindo, neste 5º volume, temos Porto Real a gozar a estrondosa vitória na Batalha da Água Negra que praticamente dizimou o exército de Stannis Baratheon, que recuou para lamber as feridas e congeminar o próximo ataque com a ajuda de Melisandre, a Mulher de Vermelho. Esta é uma das personagens que nos volumes anteriores me pareceu detestável e extremamente perigosa mas que, neste volume, depois de algumas explicações sobre o que a move, embora continue a ser muito dúbia, acabei a simpatizar um pouco com ela. ;) 
Tyrion a recuperar de uma tentativa de assassinato que o deixou desfigurado e às portas da morte, tenta perceber qual será o seu papel agora que o pai, Tywin assumiu o cargo de Mão do Rei. É um Tyrion meio perdido e sem grande capacidade de manter a sua inusitada inteligência ao serviço do reino (seja qual for o rei que acabará por favorecer) que encontramos neste volume. Ele acaba mesmo por ser o protagonista, forçado, de um dos acontecimentos que mais me surpreendeu... O que irá resultar daquela união tão improvável? ;)

Arya continua a sua interminável viagem de regresso a Correrrio, na companhia de Gendry e Tarte-Quente. Mas é mais do que óbvio que nem tudo vai correr como ela esperava. Continua a ser uma miúda surpreendente e muito divertida. Por muito forte que seja, só queremos que volte para junto da mãe, antes que seja tarde demais. É de partir o coração o desgosto de Catelyn que acredita ter perdido Bran e Rickon, que não sabe se Arya está viva ou morta, que tem Robb a arriscar a vida nos campos de batalha e Sansa refém dos Lannister. Queremos muito que descubra de uma vez por todas que, com Arya não tem de se preocupar e que os seus filhos mais novos estão vivos... É tamanho o desespero que surpreende todos quando liberta Jaime Lannister das masmorras de Correrrio, para que Brienne o leve até Porto Real como moeda de troca pelas filhas que os Lannister supostamente mantêm cativas.
Este volume mostra-nos um Jaime Lannister que continua a ser detestável mas, ao mesmo tempos mais digno de pena. Compreendemos melhor algumas das suas atitudes e personalidade. É provável que venha a ser uma peça muito importante no desenrolar dos acontecimentos e pode ser que faça pender a balança para o lado menos provável.

É por causa de Arya que vamos conhecer um grupo de foras-da-lei, uma espécie de exército rebelde, que luta, não por nenhum dos candidatos ao Trono de Ferro, mas pela união do reino, pelo povo a morrer de fome e violentado, e por um reino mais justo. E é esta ideia de uma alternativa à lei estabelecida, da sucessão de reis e de batalhas pelo poder, que parece insinuar-se em mais do que uma das vertentes da história, que torna este livro intrigante e abre uma série de possibilidades para o futuro da história.

Para lá da Muralha, a Patrulha da Noite enfrenta um dos seus maiores desafios. Irão conseguir travar a marcha dos Selvagens até à Muralha de Gelo? Serão os Selvagens a verdadeira ameaça? As respostas que obtêm não terão tido um custo demasiado elevado?
Jon Snow, infiltrado entre os Selvagens, dá-nos a conhecer um lado que nos outros livros sempre foi tocado muito ao de leve. O Povo Livre pode até ser selvagem e violento, mas tem uma forma de pensar que faz Snow questionar a sua fidelidade para com a Patrulha da Noite e os Sete Reinos.
Gostei particularmente dos capítulos de Jon Snow por me permitir conhecer a perspectiva dos Selvagens, os que ficaram do outro da Muralha de Gelo, quando foram instituídos os Sete Reinos.

Por último, a história de Daenerys começa finalmente a desenvolver-se. A Mãe dos Dragões inicia o seu tão ansiado regresso a Westeros para reconquistar um trono que acredita ser seu por direito. Daenerys não é uma mulher normal e só George R. R. Martin sabe (ou não) o que o futuro lhe reserva. Adivinha-se um caminho difícil na sua ascensão ao Trono de Ferro, que acredito vai ser seu. Conto que a sua luta seja épica e gloriosa! Gosto dela... ;)

Enfim, acho que até agora este foi o volume que mais gostei de ler. Só não vou pegar no 6º volume porque, para além de ter de o reservar na biblioteca, queria mesmo retomar a leitura do Pillars of the Earth que tive de interromper. Uma grande obra de cada vez... É melhor não dispersar mais a minha, cada vez menor capacidade de concentração! :)

Recomendo este e toda a saga até ao momento! Boas leituras!


Excerto:
"Mas se parasse, morria. Sabia-o. Todos o sabiam, os poucos que restavam. Tinham sido cinquenta quando fugiram do Punho, talvez mais, mas alguns haviam.se perdido na neve, alguns dos feridos tinham sangrado até à morte... e por vezes Sam ouvia gritos atrás de si, vindos da retaguarda, e uma vez ouvira um berro horrível. Quando ouvira aquilo, correra, vinte ou trinta metros, tanto e tão depressa como fora capaz, levantando neve com os pés meio congelados. Ainda estaria a correr se as suas pernas fossem mais fortes. Eles estão atrás de nós, eles ainda estão atrás de nós, estão a levar-nos um por um."

outubro 21, 2012

Hotel Memória - João Tordo


Título original: Hotel Memória
Ano da edição original: 2007
Autor: João Tordo
Editora: Quidnovi

"Onde termina a culpa e começa a expiação? Em Nova Iorque, um estudante apaixona-se por uma rapariga enigmática com quem vive uma intensa relação. Mas a morte desta, inesperada e violenta, enche o protagonista de culpa e remorso, lançando-o numa espiral descendente até o transformar num vagabundo, sem dinheiro e sem posses. Prisioneiro do Memory Hotel, um pardieiro na baixa de Manhattan que parece destinado a albergar criaturas perdidas como ele próprio, é contratado por Samuel, um milionário excêntrico, para procurar um fadista português emigrado para os Estados Unidos quarenta anos antes.
Tendo Nova Iorque como pano de fundo, dos anos sessenta até ao presente, e criando a figura inesquecível de Daniel Silva, o fadista que conquista Manhattan com o seu talento, Hotel Memória é, ao mesmo tempo um romance de mistério e uma aventura nos meandros da condição humana - uma história simultaneamente intrigante e comovente, que lida com os fantasmas da memória, da culpa e da redenção."

A leitura deste livro do João Tordo, autor que tanto gozo me tem dado descobrir, apanhou-me numa altura mais atribulada e por isso de menor disponibilidade mental para a leitura em geral. Senti que o li um pouco distraída da história que me estava a ser contada e não me consegui "entregar" à leitura como acho que o livro merecia. Com isto quero dizer que embora tenha gostado do livro fiquei com uma ideia demasiado vaga do mesmo e fui passando pelas páginas sem permitir que estas me marcassem de alguma forma. Este merecia uma leitura diferente e voltará a ser lido, estou certa disso.

Feita a ressalva, passemos à história. 
O protagonista da história é, mais uma vez, uma personagem sem nome. Neste livro o protagonista é um estudante, oriundo de uma pequena cidade europeia que deixou, rumo aos Estados Unidos, mais precisamente ruma à Big Apple, para prosseguir os estudos em Literatura. Este homem, surge-nos, desde logo, como alguém inseguro, tímido, com uma personalidade pouco vincada, que parece ter encontrado nos livros e na bolsa de estudo que conseguiu, uma forma de escapar a uma família aparentemente sufocante, que raramente é mencionada. Mesmo nos seus piores momentos a possibilidade de recorrer à família nunca é equacionada.
Tudo parece correr bem e, embora não seja a pessoa mais sociável do mundo, encontra em Manuel e em Kim, a rapariga por quem se apaixona, toda a companhia de que precisa.
A imagem que é passada dele é a de uma pessoa um pouco vazia de ideias próprias, sem grandes vivências próprias para além das que encontra nos livros. Kim, por outro lado surge-nos como uma miúda cheia de mistérios, de ar distante, que parece já ter percorrido um grande caminho para estar onde está. O nosso protagonista apaixona-se por ela logo no primeiro momento em que se cruzam e é uma paixão breve mas intensa, que acabam por viver.
Quando Kim morre de forma inesperada e violenta, a vida deste homem muda, literalmente da noite para o dia, iniciando-se aí uma espiral crescente de loucura, alheamento e solidão. Destroçado pela perda da mulher que amava, corroído pela culpa que não consegue evitar sentir pela sua morte, soterrado em memórias do que viveram juntos e do que esperava viver ainda com ela, torna-se um homem muito só, tristemente só... A solidão é, aliás, um sentimento ou uma condição, da qual sofrem muitas das personagens criadas por João Tordo.
Sem força anímica para dar uma volta à sua vida depois de Kim morrer, vira-se para a bebida e quando é obrigado a sair da residência universitária, por ter perdido a bolsa, chega a dormir na rua. Vai trabalhar em locais e para pessoas de índole duvidosa e acaba a viver no Hotel Memória, o único abrigo que consegue pagar. É no Hotel Memória que muitos dos acontecimentos têm origem e é para lá que tudo parecer tender. É lá que conhece Samuel e ouve falar pela primeira vez do fadista português Daniel Silva, um mito da cultura nova iorquina que, reza a lenda era dono de uma voz prodigiosa mas que nunca chegou aos ouvidos do grande público porque a única cópia da sua única gravação em estúdio desapareceu sem deixar rastro, tal como o seu autor.
Samuel é um multimilionário, mecenas da cultura, e procura o protagonista para que este o ajude a encontrar Daniel Silva. O que o levou a ele, quem é Daniel Silva e qual e o interesse de Samuel no mesmo, são apenas algumas das questões que vão sendo respondidas ao longo do livro e que ajudam o nosso protagonista a sair do estado de apatia em que se encontrava. 

É um livro muito bem escrito, com uma aura de mistério que João Tordo consegue transmitir muito bem. A história, à semelhança dos outros dois livros que li dele, é um pouco absurda, no sentido de não ser, de todo, uma história linear e que respeite uma estrutura narrativa típica dos livros de mistério ou mesmo dos policiais. As personagens são estranhas, inadaptadas e cheias de conflitos interiores. O protagonista vai sofrer, e muito até conseguir encontrar a paz interior necessária para prosseguir com a sua vida. Esta não é uma personagem particularmente simpática, é fraco, como se costuma dizer "não tem espinha dorsal", mas acaba por crescer, ao longo de livro, tornando-se mais merecedor da nossa empatia. Aliás, com excepção de Kim e Manuel, com quem foi fácil criar alguma empatia, nenhuma das outras personagens são simpáticas. Não quero dizer com isto que são más personagens, ou mal concebidas, antes pelo contrário, são antes seres humanos cheios de vícios, egoístas, que se movimentam num mundo cheio de tudo e ao mesmo tempo cheio de nada. 

É um livro relativamente pequeno, em número de páginas, mas é um que exige uma leitura mais cuidada, mais atenta para poder saborear e apreender tudo aquilo que está para além das palavras.

Gostei e recomendo!

Boas leituras!

Excertos:
"Acordado, concluía que a solidão não era um estado de espírito, mas a ausência dele - agora que não sentia nada, que não estava em estado nenhum, nem aqui nem ali, mas num mundo entre dois mundos, estava mais sozinho do que alguma vez estivera. Não era eu, nem era outrem; era um casulo disposto a ser preenchido, um espírito vazio ansiando por uma chegada."

"Deitado sobre a cama, esperando que Manuel regressasse, começava a entender o poder fascinante da memória sobre a minha vida - sobre qualquer vida. Tudo era memória. O presente era a memória de si próprio, e era possível existir apenas se pudéssemos conservar as recordações de momentos que nunca se repetiriam. E, no entanto, paradoxalmente, a memória era aquilo que de mais falível um homem possuía: nomes esquecidos ou trocados, caras que se confundiam com outras, lugares onde julgávamos já ter estado, um lápis desaparecido para sempre, os constantes deslizes que tornavam a realidade o lugar de um romance, de uma história, encantadora pela sua falibilidade, e não pela sua certeza."

setembro 30, 2012

O Aroma das Especiarias - Joanne Harris

Título original: Peaches for Monsieur Le Curé
Ano da edição original: 2012
Autor: Joanne Harris
Tradução do Inglês: Ana Saldanha
Editora: Edições Asa

"Alguém me disse uma vez que, só em França. duzentas e cinquenta mil cartas são enviadas todos os anos aos mortos. O que ela não me disse foi que, por vezes, os mortos respondem...

Quando Vianne Rocher recebe uma dessas cartas, ela sente que a mão do destino está a empurrá-la de volta a Lansquenet-sur-Tannes, a aldeia de Chocolate, onde decidira nunca mais voltar. Passaram já oito anos, mas as memórias da sua mágica chocolataria La Céleste Praline são ainda intensas. A viver tranquilamente em Paris com o seu grande amor, Roux, e as duas filhas, Vianne quebra a promessa que fizera a si própria e decide visitar a aldeia no sul de França.
À primeira vista, tudo parece igual. As ruas de calçada, as pequenas lojas e casinhas pitorescas... Mas Vianne pressente que algo se agita por detrás daquela aparente serenidade. O ar está impregnado dos aromas exóticos das especiarias e do chá de menta. Mulheres vestidas de negro passam fugazes nas vielas. Os ventos do Ramadão trouxeram consigo uma comunidade muçulmana e, com ela, a tão temida mudança. Mas é com a chegada de uma misteriosa mulher, velada e acompanhada pela filha que as tensões no seio da comunidade aumentam. E Vianne percebe que a sua estadia não vai ser tão curta quanto pensava. A sua magia é mais necessária do que nunca!"

Vianne Rocher encontra-se a viver em Paris, com Roux e as duas filhas, Anouk e Rosette, num período de acalmia depois da grande tempestade que Zozie de l'Alba (Sapatos de Rebuçado) provocou na vida de Vianne e daqueles que ama. Provavelmente nunca esteve tanto tempo no mesmo sítio, sem que o vento da mudança a fizesse partir novamente, deixando tudo e todos para trás. Quando recebe um carta do passado, do seu passado em Lansquenet-sur-Tannes, de Armande, morta há já alguns anos, Vianne apercebe-se que sempre quis regressar à pitoresca aldeia e que a carta de Armande é a desculpa que necessitava para revisitar o único lugar no mundo que chegou a pensar ser a sua "casa". Pega nas filhas, desejosas de acompanhar a mãe, e parte, apenas para uma curta visita. Será assim tão curta a visita de Vianne? Regresserá a Paris? É o que veremos...

Vianne encontra Lansquenet praticamente na mesma, as mesmas pessoas, as que a fizeram querer voltar e as que a fizeram partir, há oito anos atrás. As únicas novidades parecem estar em Les Marauds onde se instalou uma comunidade muçulmana, inicialmente bem recebida e tolerada e que agora parece ser a causa de tensões e agitações no seio da comunidade de Lansquenet.
Contente com a recepção que encontrou Vianne vai ficando, decidida a ajudar, com a sua magia, na criação de pontes entre as duas comunidades para que possam coexistir de forma pacífica. Mas até Vianne Rocher com os seus chocolates vai encontrar dificuldades imprevistas, porque nem tudo o que parece é. 

A história vai-se desenrolando à volta da cultura muçulmana e debruça-se sobre as diferentes formas de se viver a religião, uns são mais tolerantes outros mais radicais, no fim, a religião não é importante, o que sobressai são as loucuras individuais de cada um projectadas na forma como gostaríamos de ver o mundo que nos rodeia. Quando os loucos são carismáticos, bonitos e dissimulados, podemos estar metidos num grande sarilho. ;) Mais uma vez, nem sempre o que parece é...

Tenho sempre alguma dificuldade em escrever sobre autores de que gosto muito. Tenho dificuldade em tornar a minha opinião mais racional e objectiva. O mais recente livro da Joanne Harris coloca-me numa posição desconfortável, por um lado o meu coração diz-me que gostei do livro e a impressão que me deixou foi maioritariamente positiva, por outro, o meu lado racional não pode deixar de dizer que o coração nem sempre é o melhor critério! É bom, mas não tão bom como eu gostaria! ;) 
Gostei da escrita, como seria de esperar, nada de novo aí e gostei de revisitar as personagens de Chocolate, que para mim estarão sempre associadas mais ao filme, que vi antes de ler o livro. Para mim Roux será sempre o Johnny Depp e por isso estranho de cada vez que Joanne Harris se refere e ele como ruivo... :p 
Achei a história interessante sobre a intolerância religiosa, mas não só, é também sobre o medo da mudança e de tudo o que não é familiar e as diferentes formas como cada um reage fora da zona de conforto.

A minha opinião é positiva, recomendo-o sem hesitação, especialmente aos amantes do livro Chocolate. No entanto não pude evitar algum tédio aquando da leitura, achei-o um pouco repetitivo com Vianne a repetir as suas dúvidas acerca do que ali estava a fazer e se queria ficar ou ir embora e com o Curé Reynaud a ter crises existenciais. Confesso que a minha opinião melhorou apenas mais para o fim do livro e grande parte da boa memória que ficou, deveu-se às últimas 100 páginas do livro, onde ocorre o desenvolvimento de toda a história. Para além de ter achado o livro menos dinâmico, houve personagens, como a de Inès Bencharki, cujas acções e atitudes não achei coerentes, mesmo com as justificações dadas no final.
Em defesa da minha posição de fã da Joanne Harris, quero apenas acrescentar que a Vianne Rocher nunca foi das minhas personagens femininas favoritas. Sempre a achei muito tonta... É crédula e demasiado ingénua e neste livro o seu papel no desenrolar da história é praticamente nulo, sendo mais uma espectadora. Há muito poucos chocolates e outros cozinhados cujas descrições nos deixam com água na boca. Já no Sapatos de Rebuçado a achei desligada, nunca acertava com as suas "previsões", o que acho estranho para alguém que se quer tão "sensível" aos outros. Enfim... Não sou grande fã de Vianne Rocher, mas gostei muito de reencontrar Roux, Rosette (acho-a maravilhosa), e o tenso Curé Francis Reynaud que tem neste livro uma autêntica lição de vida! Gostei muito dos Djerba, a família muçulmana mais descontraída relativamente à religião e o vilão da história é verdadeiramente perturbador.

Resumindo e baralhando, gostei, não tanto como gostaria, mas gostei e recomendo. :)

Boas leituras!

Excerto:
"Sozinha, regressei ao boulevard. O sol do fim da manhã já ia alto, mas, afastada da claustrofobia do pequeno beco com os seus cheiros de cloro e de kif e de suor, tomei consciência de uma sensação bem-vinda de frescura. Era apenas uma brisa que vinha do rio, mas cheirava a outros lugares, à sálvia silvestre da encosta da montanha e ao aroma apimentado do rabo-de-lebre que cresce ao longo das dunas e dança loucamente ao vento - e apercebi-me do que estava diferente. 
Por fim, a calmaria interrompera-se.
O Autan tinha começado a soprar."

setembro 19, 2012

O Despertar da Magia - George R. R. Martin

Título original: A Clash of Kings (part 2)
Ano da edição original: 1998
Autor: George R. R. Martin
Tradução: Jorge Candeias
Editora: Saída de Emergência
"A guerra pelos Sete Reinos continua e a batalha pela capital de Porto Real é a mais sanguinária de sempre. A frota de Stannis Baratheon vê-se encurralada em frente à cidade enquanto barcos carregados de fogo-vivo são enviados contra ela. Mas os sobreviventes conseguem levar o combate até às muralhas da cidade e todos os sitiados terão de lutar pela vida. Só quando os exércitos de Tywin e dos Tyrell chegam, se percebe que um dos lados será definitivamente esmagado. Mas num mundo de traições constantes, quem será que eles irão apoiar?

No Norte, os Stark estão entre a espada e a parede. Várias das suas fortalezas são atacadas pelos temíveis homens de ferro e até o castelo de Winterfell é conquistado pelo traidor Theon Greyjoy. Bran e Rickon conseguem fugir, acompanhados por Hodor e alguns companheiros, mas que futuro terão duas crianças numa terra ameaçada pelo Inverno?

Para lá da Muralha, Jon oferece-se para acompanhar um grupo de baterdores enviado para encontrar os selvagens, enquanto a principal força da Patrulha da Noite se fortifica junto às montanhas. Mas as coisas correm mal e Jon terá de escolher entre a morte... ou a traição aos seus irmãos.

Mais uma vez, George R. R. Martin consegue manter-nos agarrados até à última página. Personagens que amamos são mortas sem dó nem piedade, personagens que odiamos conseguem conquistar o nosso coração. De Arya a Sansa, de Robb a Daenerys, todas terão um papel fulcral neste fabuloso quarto volume de As Crónicas de Gelo."

Terminado mais um volume da gigantesca obra de George R. R. Martin, As Crónicas de Gelo e Fogo
Nesta segunda parte do 2º volume da edição original, a luta pelo trono torna-se verdadeiramente épica, com muitas batalhas a serem travadas por todos os Sete Reinos, cabeças a serem cortadas sem piedade, com alianças que se forjam e se desfazem ao sabor dos ventos frios do Inverno que se aproxima.

Em Porto Real, os Lannister tentam a todo o custo sobreviver à crescente revolta do povo esfomeado, enquanto esperam que os exército de Tywin Lannister chegue a tempo de os salvar do mais que certo ataque de Stannis Baratheon, que se dirige para a cidade real suportado por milhares de homens e navios. 
Tyrion, a Mão do rei, procura atenuar a infantilidade e brutalidade do sobrinho Joffrey e da inconsequente irmã, Cersei, ao mesmo tempo que prepara a defesa do castelo real, esperançado de que seja desta que o pai se vai orgulhar do seu "filho monstruoso". A importância de Tyrion continua a crescer mas, confesso que neste volume, senti que o autor esteve bem perto de o matar... :) Espero que não, gosto dele, gosto da sua ambiguidade, sabemos que não é mau mas a lealdade que tem à família e a inteligência que possui torna-o capaz de tudo. O desejo que tem de agradar ao pai sobrepõe-se a praticamente tudo, o que o torna imprevisível. Nada de bom o espera neste volume...

Em Winterfell, os Stark são alvo de uma investida traiçoeira de Theon Greyjoy, também ele com um desejo enorme de agradar ao pai, o senhor das Ilhas de Ferro e com sede de vingança contra os Stark. Theon consegue tomar o castelo de Winterfell e autoproclama-se Príncipe de Winterfell, no entanto o apoio que recebe do pai e da irmã é nulo e está longe de ser amado em Winterfell que o vêem como o  traidor que na realidade é, que tomou o castelo das mãos de duas crianças, uma delas aleijada. Quanto tempo durará o reinado de Theon?

Do outro lado do mar Daenerys, luta para reunir o apoio necessário para a sua causa, a reivindicação ao trono de ferro, que o regicida usurpou ao seu pai. Mas, parece que nem os três pequenos dragões que está a criar parecem ser suficientes para que a queriam ajudar a cumprir o seu destino. Será que no próximo volume teremos mais Daenerys e os seus improváveis dragões? Acredito que sim... ;)

Para lá da Muralha de Gelo, Jon Snow continua a sua patrulha pelas terras selvagens com o lobo gigante Fantasma a ter comportamentos estranhos que deixam Jon apreensivo quanto ao que aguarda a Patrulha da Noite naquelas terras sem lei e de como serão capazes de proteger os Sete Reinos de todo o mal que parece pairar sobre eles.

E assim continua a vida nos Sete Reinos. Achei este volume bem mais violento que o anterior, com muitas mortes e muito sangue. Confesso que a descrição das batalhas me aborreceu um pouco, são muitas e parece que cada vez há mais personagens secundárias. É muito Lord e muito Senhor... Demasiados nomes que me deixam baralhada quanto à sua posição na história... É impossível não nos perdermos com tanta gente... Preferia que o autor desse menos importância à árvore genealógica dos Sete Reinos. :) Daí este volume me ter custado mais a ler, no entanto gostei. Acho que foi um livro importante no desenvolvimento da história e no qual muitas personagens cresceram e deixam no ar a importância que poderão vir a ter nesta luta pelo poder, uma delas é de Arya. Esta rapariga ainda vai cortar muitas cabeças! :)
Para além da importância das personagens a história todo o volume deixa no ar referências a poderes antigos e poderosos. O título da edição portuguesa é muito assertivo nesse aspecto, uma vez que é neste volume que a magia começa a ressurgir. O que mudou para que poderes perdidos há séculos estejam a ganhar força?

Gostei muito e recomendo, como já seria de esperar. Que venha o próximo volume! :)

Boas leituras!

Excerto:
"Deu por si fora da cidade, a caminhar por um mundo sem cor. Corvos atravessavam um céu cinzento apoiados em grandes asas negras, enquanto gralhas pretas saltavam de cima dos seus banquetes em nuvens furiosas onde quer que os seus passos o levassem. Larvas brancas escavavam túneis em putrefacção negra. Os lobos era cinzentos, e as irmãs silenciosas também; juntos arrancavam a carne aos caídos. Havia cadáveres espalhados por todo o terreno dos torneios. O Sol era uma moeda quente e branca, brilhando sobre o rio cinzento que corria em torno dos ossos carbonizados de navios afundados. Das piras dos mortos erguiam-se colunas negras de fumo e cinza incandescentes e brancas. Obra minha, pensou Tyrion Lannister. Morreram às minhas ordens."

setembro 11, 2012

As 5 estrelas do Goodreads

Apercebo-me que este ano ainda não classifiquei, o Goodreads, nenhuma das minhas leituras com 5 estrelas. Tenho lido livros muito bons, mas ainda não senti por nenhum deles um "arrebatamento" de 5 estrelas que a plataforma designa como "it was amazing".

Olho para os livros que tenho na estante por ler e sei que alguns serão candidatos quase certos à classificação de "amazing"... Será que já sou a feliz proprietária de um livro 5 estrelas ou ainda está para chegar às minhas mãos o livro que estreará esta classificação em 2012? A vida é cheia de perguntas, ao menos esta terá uma resposta mais cedo ou mais tarde. :)

Ora vejam lá o que aqui anda por casa:

1 - The Pillars of the Earth - Ken Follett (acho que ainda não vai ser este ano que o vou ler)
2 - Norwegian Wood - Haruki Murakami
3 - A Ilha do Dia Antes - Umberto Eco
4 - A Paixão de Maria Madalena (1º Vol) - Margaret George
5 - Os Anões - Harold Pinter
6 - A Última Noite em Twisted River - John Irving
7 - Esaú e Jacó - Machado de Assis
8 - Autópsia de um Mar de Ruínas - João de Melo
9 - A Boa Terra - Pearl S. Buck
10 - Crime e Castigo - Fiódor Dostiévski
11 - Herzog - Saul Bellow
12 - O Homem Lento - J. M. Coetzee
13 - O Remorso de Baltazar Serapião - valter hugo mãe
14 - A Maldição (Duma Key) - Stephen King
15 - Os Malaquias - Andréa del Fuego
16 - O Caso das Mangas Explosivas - Mohammed Hanif
17 - A Montanha da Água Lilás - Pepetela
18 - Hotel Memória - João Tordo
19 - O Aroma das Especiarias - Joanne Harris (há-de chegar antes do fim do ano!)

Aceitam-se apostas! :)

Boas leituras!

Danças & Contradanças - Joanne Harris

Título original: Jigs & Reels
Ano da edição original: 2004
Autor: Joanne Harris
Tradução do Inglês: Teresa Curvelo
Editora: Edições Asa

"As sarcásticas histórias de Danças & Contradanças podem ser resumidas em duas palavras: malévolas e maliciosas. Como em muitos dos seus romances, Joanne Harris consegue combinar de uma forma única situações e personagens únicas - e até banais - com o extraordinário e o inesperado. Mais do que nunca, a autora dá largas à sua imaginação e apresenta-nos uma exuberante e prodigiosa caixa de Pandora, que contém tudo quanto é extravagante, estranho, misterioso e perverso. De bruxas suburbanas e velhinhas provocadoras, monstros envelhecidos, vencedores da lotaria suicidas, lobisomens, mulheres-golfinho e fabricantes de adereços eróticos, estas são vinte e duas histórias onde o fantástico anda de mãos dadas com o mundano, o amargo com o doce, e onde o belo, o grotesco, o sedutor e o perturbador estão sempre a um passo de distância."

Com a notícia de que vai ser editado em Portugal o mais recente livro de Joanne Harris, O Aroma das Especiarias, fiquei com vontade de ler qualquer coisa dela, enquanto espero pelo meu exemplar. Tinha há algum tempo este Danças&Contradanças na prateleira que, por ser um livro de contos, não estava no topo da lista de leituras.

Confesso que, se não conhecesse a escritora de muitos outros livros, não sei se teria ficado muito impressionada com ela, intrigada sim, só não sei se suficientemente intrigada para pegar noutro livro dela. Embora ultimamente tenha lido alguns livros de contos que me têm feito mudar de opinião acerca do género, este de Joanne Harris fez-me lembrar porque é que não é o meu género favorito: as histórias são demasiado curtas para que se consigam desenvolver as personagens e criar empatias e, as personagens de Joanne Harris precisam de espaço para serem quem são. Com os contos isso não acontece. O que também precisa de espaço são as histórias e as múltiplas peças do puzzle que a escritora tão bem sabe montar de forma a encaixarem na perfeição.
Definitivamente, o conto é bem o género onde a autora consiga revelar o melhor de si. É muito mais eficaz no romance. :)

No entanto, o livro não deixa de ter muitos dos elementos que marcam a escrita de Joanne Harris, o fantástico, personagens com personalidades distorcidas, a presença da comida e dos cheiros, elementos quase omnipresentes em todas as obras da autora. É Joanne Harris, mas não é o melhor dela!.

Recomendo por ser escrito por quem é e porque é um livro pequeno que pode muito bem ser um bom livro para descontrair de leituras mais complexas.

Boas leituras!

Excerto:
"É possível que no próximo Sábado, ou no seguinte, tenhamos de nos transferir para novos terrenos de caça. Claro que é em parte a incerteza que torna isto tão divertido. Mas sei que o que quer que tenhamos de enfrentar num futuro por enquanto inimaginável, o enfrentaremos juntos, Veldarron, Spider, Titania e eu. As pessoas comuns, com as suas vidas insípidas, mundanas, imaginárias, nunca poderão compreender, apercebo-me com súbita compaixão. E, para minha surpresa, dou comigo a assobiar baixinho ao mesmo tempo que vou buscar a pá e começo a cavar."

setembro 02, 2012

Enquanto Salazar Dormia... - Domingos Amaral

Título original: Enquanto Salazar Dormia...
Ano da edição original: 2006
Autor: Domingos Amaral
Editora: "Colecção BIIS" da Leya

"Lisboa, 1941. Um oásis de tranquilidade numa Europa fustigada pelos horrores da II Guerra Mundial. Os refugiados chegam aos milhares e Lisboa enche-se de milionários e actrizes, judeus e espiões. Portugal torna-se palco de uma guerra secreta que Salazar permite, mas vigia à distância.

Jack Gil Mascarenhas, um espião luso-britânico, tem por missão desmantelar as redes de espionagem nazis que actuavam por todo o país, do Estoril ao cabo de São Vicente, de Alfama à Ericeira. Estas são as suas memórias, contadas 50 anos mais tarde."

Sentia alguma curiosidade em relação aos livros deste escritor, Domingos Amaral. Parecem retratar épocas interessantes da nossa história e não há assim muitos que escrevam sobre nós, portugueses. Curiosidade satisfeita e... pronto. :) Gostei da história mas a escrita pareceu-me demasiado, como hei-de dizer?, demasiado simples, talvez seja por aí. As personagens são interessantes q.b., mesmo o Jack Mascarenhas, Don Juan de algibeira, não deixa de ser uma personagem simpática. Tive receio que se tornasse mais um Tomás Noronha da literatura portuguesa, mas felizmente as (muitas) investidas sexuais do luso-britânico estão melhor enquadradas na história e este tem muito mais pinta do que o pseudo-garanhão que José Rodrigues dos Santos criou. No entanto, acho que o destaque que o autor dá às proezas sexuais e às conquistas de Jack, acabam por afastar o leitor da história e não são sendo assim tão divertidas, acabam por se tornarem isso mesmo distracções à leitura. :)

Enquanto Salazar Dormia, Lisboa estava repleta de refugiados da II Guerra Mundial. Refugiados ricos e excêntricos, espiões ingleses e alemães, e muitas mulheres deslumbrantes e desinibidas, que viveram numa capital diferente da que hoje conhecemos, onde as conspirações eram mais que muitas, algumas com capacidade para resolverem a guerra.

Conhecemos Jack Gil Mascarenhas (que raio de nome!), um luso-britânico, quando este regressa a Portugal, passados 50 anos, para o casamento do seu neto com uma portuguesa. É no momento em que aterra no aeroporto de Lisboa que todas as recordações da época dourada que viveu em Lisboa, nos anos 40, começam a ressurgir. São essas memórias que ele vai partilhando connosco. Vai-nos falando de uma Lisboa difícil de imaginar, digna de um filme de Hollywood, repleta de uma vida, à primeira vista impossível de conceber em plena ditadura de Salazar. Para manter o país fora do conflito mundial, Salazar acabou por permitir que Portugal se tornasse num ninho de espiões, vigiando as suas acções, mas interferindo o menos possível nas suas missões. Enquanto a grande maioria dos portugueses sofria na pele a mão pesada do regime, cada vez mais pobres e menos livres, estes estrangeiros especiais viviam num autêntico El Dorado, onde tudo era permitido.
E o livro é isto, um livro de memórias de um ex-espião, que viveu em Portugal os melhores anos da sua vida, onde conheceu as mulheres mais bonitas e libertinas de que há memória e onde contribuiu de forma muito concreta para a resolução do conflito mundial.

Do ponto de vista histórico, o livro é muito interessante, retratando uma época fascinante. A história em si também é boa, está bem estruturada e prende o suficiente para se irem virando páginas atrás de páginas. O que torna este livro mais normal, quando poderia ter sido muito bom, é a escrita desinspirada, os clichés e a obsessão pelo sexo, embora se perceba o porquê deste ser tema recorrente, achei exagerado e não muito bem conseguido. Escrever sobre sexo é complicado, existe uma linha muito ténue entre o que tem qualidade e o que é apenas ordinário. Neste caso não é ordinário é apenas óbvio e não acrescentou nada à história.

Não sei se voltarei a ler mais algum livro dele. Não me impressionou mas não ponho de parte voltar a ele.

Recomendo. É um livro que se lê bem.

Boas leituras!

Excerto:
"Nunca esperei regressar a esta rua, e nunca esperei que o meu velho coração sentisse tanta emoção ao pisar os passeios da Lapa. Quando saí do táxi em frente ao hotel foi como se uma bola de demolição tivesse chocado comigo. Fiquei sem respiração por momentos, invadido por sentimentos, memórias de cheiros, imagens e vozes. Não me lembro sequer de ter pago o táxi, nem me recordo das palavras do porteiro, a dirigir-me com cortesia para a recepção. Nada, de repente, existia. A não ser Lisboa, 50 anos atrás. A minha Lisboa, onde amei tanto e tantas vezes."