junho 14, 2010

O Navegado Solitário - João Aguiar

"Esta é a história de um rapaz chamado Solitão Fernandes. Solitão Fernandes nasceu em Giestal dos Frades, filho de gente desonrada e trabalhadora. Além de ter um nome que mais ninguém tem, possui ainda uma madrinha que é médium e um avô já defunto que, do outro mundo, lhe envia mensagens revestidas de sólida imoralidade e escrupulosa sem-vergonha. Guiado por tão sábios ensinamentos, Solitão navega com êxito no oceano revolto que é a sociedade deste nosso fim de século e aprende rapidamente a vencer na vida. Só que, de repente, algo de imprevisto lhe acontece... O relato das navegações de Solitão Fernandes no mar português contemporâneo desenrola-se em paisagens pintadas com ácido e adornadas com sorrisos torcidos, mas também com algum humor inocente. Nas margens desse mar, esconde-se até um pouco de ternura envergonhada."

Já há algum tempo que andava com vontade de escrever aqui sobre este livro do escritor João Aguiar. A sua recente morte veio avivar esta minha vontade e lá peguei eu novamente no O Navegador Solitário para uma leitura feita, julgava eu na diagonal, apenas para relembrar pormenores da história. A verdade é que acabei por ler o livro de ponta a ponta porque na realidade é impossível não nos sentirmos fascinados pela vida "lixada" de Solitão Francisco Fernandes, nome escolhido pela sua madrinha médium e que ele odeia, o nome , e a madrinha também. ;)

O livro está escrito sobre a forma de um diário, mas não é um diário convencional, com datas e afins. Nele acompanhamos a vida de Solitão desde os 15 anos, altura em que o avô Aquelino, já falecido, o intima a escrever todos os dias, mesmo quando não tem nada para dizer para que, desta forma, ele possa, a partir da dimensão em que se encontra, dar orientações para a vida do neto, inspirando-o e ensinando-o através da escrita. Até aqui tudo bem, não fosse dar-se o caso de este avô Aquelino ter sido, em vida, uma pessoa de moral duvidosa e a passagem para outra dimensão não pareceu alterar a sua visão sobre o mundo e a forma como deve ser vivido pelos "seres superiores", grupo no qual se inclui e ao qual crê que o neto Solitão também poderá vir a pertencer.
E assim começa o diário da vida de Solitão, mais tarde Francisco e, por fim, novamente Solitão. Não parece um começo de história muito promissor, pois não? Mas a verdade é que é, não só pela história caricata mas principalmente pela forma como está escrita, pelo sentido de humor e pela crítica social forte e certeira. No entanto, o que mais gosto neste livro e mesmo do Solitão e da sua inocência.
Começamos por nos deparar com um adolescente de 15 anos, que no seu diário assassina sem dó nem piedade a língua portuguesa, escreve com esforço e apenas porque sente medo das possíveis represálias do defunto avô. Vai despejando para o diário, as suas preocupações de adolescente e os embaraços que as hormonas lhe provocam. :)
Com o diário vamos crescendo com ele, acompanhamos a sua vida, as suas escolhas, as boas e as más. Rimos das situações caricatas que lhe acontecem, sentimos angústia quando o vemos desviar-se do seu caminho e emocionamo-nos quando finalmente "regressa a casa".
No fim temos um Solitão, agora com vinte e tal anos, mais maduro, quase Doutor, tranquilo com as suas escolhas e em paz com o passado, sem a inocência dos 15 anos mas mantendo a ternura e a capacidade de acreditar nos outros.
O Solitão é uma personagem fascinante... :)

É um livro muito bom, que recomendo porque João Aguiar tem aqui um trabalho fabuloso que, não sendo uma obra-prima, é uma leitura que nos provoca sorrisos e que, principalmente no final, nos deixa com um brilhozinho nos olhos. Consegue equilibrar muito bem a crítica que faz à sociedade, à política e às promiscuidades que a rodeiam, com o crescimento do Solitão como ser humano. Como qualquer ser humano, Solitão está exposto a tentações a que por vezes cede e das quais tira proveitos mas que, no caminho, luta para não perder o rumo e continuar íntegro, à sua maneira. No final percebe que o mais importante já ele tinha, mas percebe também que o caminho que percorreu até chegar a esse ponto foi essencial para que soubesse apreciar o que já tinha.

Não deixem de ler este livro, se tiverem oportunidade de o fazer, garanto-vos que será tempo bem passado, ou não fosse o João Aguiar um dos melhores escritores portugueses. :)

6 comentários:

  1. Ainda hoje estive com algumas obras do autor na mão, mas não sabia muito bem por qual delas optar, pois nada li dele. Se já tivesse lido esta opinião não teria tido dúvidas. :) Assim acabei por não trazer nenhum livro, mas numa próxima já será diferente.

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  2. Um dos meus livros preferidos.
    E aquelas primeiras páginas são mesmo uma fonte inesgotável de gargalhadas :)

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  3. tonsdeazul: Só li três livros do João Aguiar, O Dragão de Fumo e este Navegador Solitário, que adorei e, A Catedral Verde que já não me entusiasmou assim tanto. Sei que ele tem alguns romances históricos que nunca li mas, conhecendo um pouco a escrita dele, só podem ser bons. Estão na minha lista de compras para um dia ler. :)

    JFDourado: Aquelas primeiras páginas são hilariantes e é também um dos meus livros favoritos. :)

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  4. Onde posso encontrar este livro à venda? Obrigada

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    1. Em qualquer livraria, ou online na Wook por exemplo.

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  5. Li "O Navegador Solitário", "A Voz dos Deuses", "O Tigre Sentado", o "Trono do Altíssimo" e "Os Comedores de Pérolas". Gostei de todos... mas de facto o Navegador Solitário é um Must. Aconselho vivamente

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