julho 13, 2010

A Bruxa de Monte Córdova - Camilo Castelo Branco

"Editada em 1867, esta obra cedo se tornou objecto da atenção crítica de Camilo. Embora tendo alcançado ao tempo um menor êxito comercial que outros títulos romanescos — realidade que Camilo adopta para um exercício irónico sobre os merecimentos das novelas — a verdade que «A Bruxa de Monte Córdova» deve ser "encarada como texto paradigmático do universo ficcional de Camilo e da mundividência que o enforma", permitindo "trilhar caminhos susceptíveis de conduzir ao âmago desse universo" e perceber que "em Camilo as histórias de amor nunca são apenas histórias de amor. São também preciosos testemunhos da organização sócio-económica de um tempo e de um lugar em que matrimónio e património eram faces de uma mesma e única moeda." (sinopse daqui)

Depois de ter lido o livro de Anton Tchekov, A Minha Mulher (a minha opinião aqui), que me soube a tão pouco por ser pequeno, fiquei com o bichinho do século XIX e fui à estante ver quem seria o feliz contemplado, se o Eça se o Camilo. Ganhou o Camilo, até porque do Eça já li quase tudo o que tenho aqui em casa. :)
Já não lia Camilo Castelo Branco há uns bons aninhos e quando comecei a ler este A Bruxa de Monte Córdova, senti alguma estranheza e desconforto com a linguagem. Confesso que fiquei um pouco assustada porque sempre me tive como uma pessoa que gostava de Camilo Castelo Branco. Insisti na leitura e, em boa hora o fiz, porque acabei por encontrar o ritmo da narrativa e o livro revelou-se bem interessante, onde reencontrei o escritor e as suas histórias dramáticas e ao mesmo tempo divertidas, devido à ironia que está presente em muitos dos diálogos.

Tendo como pano de fundo a Guerra Civil Portuguesa, que ocorreu entre 1831 e 1834, e opôs os defensores de D. Pedro I e da sua filha D. Maria II, liberais e constitucionalistas, aos defensores de D. Miguel I, os absolutistas e tradicionalistas, A Bruxa de Monte Córdova relata-nos a história de amor entre Tomás de Aquino e Angélica Florinda. Esta é uma história trágica para cujo desfecho muito contribuiu a época conturbada em que se vivia, mas principalmente a falta de carácter dos representantes de Deus na terra, que incentivavam o fanatismo e o histerismo religiosos.
A partir daqui é só spoilers!!!!!!!
Tomás de Aquino, segundo filho de uma família de fidalgos, está, desde que nasceu destinado à vida religiosa. Tomás entra para o Convento de Tibães contra a sua vontade mas, respeitando a vontade do pai torna-se um frade beneditino. Ao entrar para o convento encontra tudo menos Deus, os companheiros são mesquinhos, cruéis e muito pouco cristãos. Tomás sofre com a separação de Angélica e não encontrando consolo em Deus, foge. Não procura Angélica porque, sendo um frade não poderá casar com ela. Alista-se, então no exército de D. Maria II e luta corajosamente pela causa liberal, tendo a esperança de que os seus votos um dia sejam anulados junto de Roma.
Quando Tomás entra para o convento, Angélica é uma rapariga de 17 anos, a mais formosa da aldeia, a quem todos cortejam. No entanto, ela encontra-se prometida, desde os 12 anos (?!), a um tio (?!?!?!) brasileiro e rico que por ela se encantou e que a virá desposar quando ela completar 19 anos. No dia em que o tio chega, Angélica foge e abriga-se no Convento de Santa Clara, onde mais tarde, Tomás a reencontra. Renasce o amor entre os dois e decidem viver juntos, mesmo que em pecado, enquanto Tomás luta pelos liberais.
Quando Tomás morre na Batalha do Cabo de São Vicente, Angélica entra novamente para o Convento de Santa Clara e entrega o filho de ambos aos cuidados de Frei Jacinto de Deus, um dos facilitadores da fuga de Tomás do Convento de Tibiães e um dos seus maiores amigos.
No convento Angélica, guiada espiritualmente por Frei Silvestre, é acometida por culpas e fervores religiosos que a tornam louca e histérica. Culpa-se pela morte de Tomás pois foi ela quem o desviou do caminho religioso, vivendo com ele em pecado e tendo um filho fora do matrimónio. Este Frei Silvestre é uma criatura sinistra, um charlatão de falinhas mansas que ganha a vida a vender supostas relíquias religiosas: tinha distribuído no país tal porção de falanges dos dedos de S. Bono presbítero e mártir, que preciso fora ter o santo mais braços que Briareu, para que todos os ossos fossem dele. Frei silvestre, o fradinho do arrábido, incentiva a expiação de Angélica, pois só o sofrimento poderá salvar Tomás das chamas do Inferno e proíbe-a de ver o filho.
Frei Jacinto de Deus cuida da criança até morrer e, depois de muitas voltas e contratempos o filho de Tomás e Angélica acaba Conde de Burgães, depois de uma passagem bem sucedida pelo Brasil. É um homem bem formado e justo, ciente das suas origens e orgulhoso delas. Acaba por reencontrar a mãe, agora conhecida como a bruxa de Monte Córdova, nome que lhe veio de anos de peregrinação e penitência onde granjeou a fama de exorcista. Exorcista sim, mas das almas doentes de amor, dos amores proibidos pelos pais e pela sociedade. Angélica curava as doenças de amor, aconselhando os pais a deixarem as suas filhas casarem com quem desejavam e não com velhos babões, tios e afins. ;)
O livro acaba com Angélica a morrer nos braços do filho depois de este lhe dizer que a perdoa por tudo. :)
Acabaram os spoilers! :)

Depois da dificuldade inicial em entrar na história, acabei por gostar deste livro. Gostei principalmente da envolvente histórica e da caracterização da sociedade e do pensamento das pessoas que o escritor faz ao longo do livro. A história em si, é Camilo, sem tirar nem pôr, (embora aqui ninguém morra tuberculoso e de amor :p) e destaco as personagens que ele criou para este livro, especialmente o Tomás de Aquino e o Frei Jacinto de Deus. A conversa que este tem com o Frei Silvestre, o frade charlatão, é do melhor que há. :)

Para quem gosta do género, recomendo. Para uma primeira leitura de Camilo Castelo Branco, aconselho outros livros dele. Talvez os mais conhecidos como o Amor de Perdição, Queda de Um Anjo e por aí fora. :)

Boas leituras!

9 comentários:

  1. Camilo Castelo Branco é um autor muito especial para mim, mas ainda não li este. Com esta tua opinião fiquei com vontade de voltar a ele. :)

    Adorei o livro que estás a ler de momento. :) Uma história muito bem contada, com um final muito bom. Vou ficar à espera da tua opinião sobre este "Dom Casmurro" ;)

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  2. a ver se me estreio. confesso que nunca li. fiquei com vontade!

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  3. tonsdeazul: Também gosto muito de Camilo Castelo Branco. Neste o que mais me surpreendeu foram as personagens. Muito interessantes... :)
    Estou a gostar muito do Dom Casmurro. Pensei que fosse um livro mais pesado, por ser já "velhote" mas tem muito boa onda. Agora fiquei curiosa acerca do final, vou ter de acelerar a leitura. :)

    Paloma: Lê que és capaz de gostar. O Camilo não será tão unânime como o Eça de Queirós, por exemplo, mas tem livros bem interessantes. :)

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  4. olá, visite e comente o meu blog: http://otempoentreosmeuslivros.blogspot.com
    obg e boas leituras!!!

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  5. uma história muito bonita ,eu emociono-me nos romances,eu ouvi esta historia na sala de aula que uma colega minha leu mas a dela estava confusa mas como eu me chamo Tomás eu decidi ver na internet.

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  6. Tomás: Se te emocionas quando lês romances, então Camilo Castelo Branco vai-te fazer chorar muito! :) É um bom escritor. :)

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  7. Da mesma época, das mesmas guerras miguelistas, tens O Amor nos Anos de Chumbo, de E.S.Tagino.
    Contado com humor e rigor histórico, como é habitual ao autor.
    http://3.bp.blogspot.com/_ZcFfNvm4xAE/SqL2TOwOEKI/AAAAAAAAAvM/BokpECJIFcY/s1600-h/amoranoschumbo.jpg

    TimeTraveler

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  8. Ah, e sim, o Dom Casmurro é 5*****!
    Machado de Assis é um autor de referência para mim.
    É uma escrita aparentemente inocente mas que tem lá TUDO: os sentimentos e as verdades!

    Comparo essae sua escrita "inocente" à de Érico Veríssimo (O meu Pé de Laranja Lima)e ao José Mauro de Vasconcelos (Rosinha minha Canoa).

    Aliás, aconselho VIVAMENTE a leitura de Rosinha minha Canoa. É de levar às lágrimas e ainda chorar por mais Looool

    TimeTraveller

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  9. Do E.S. Tagino apenas li o "Mataram o Chefe do Posto" de que gostei muito. Gostei muito da escrita dele.
    Do Érico Veríssimo também gostei muito quando li o "Um Certo Capitão Rodrigo". Nunca li José Mauro de Vasconcelos, mas tenho aqui para ler o "O meu Pé de Laranja Lima", pode ser que o leia mais depressa do que estava à espera. :)

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