"Pode um homem que foi expulso da escola por andar sempre bêbado, que seduziu a amante do próprio pai, que mente com quantos dentes tem e é um cobarde desavergonhado no campo de batalha, protagonizar uma série de triunfantes aventuras na era vitoriana?
A escandalosa saga de Flashman, herói e soldado, mulherengo e agente secreto relutante, emerge numa série de memórias campeãs de vendas em que o herói gingão revê, na segurança da velhice, as suas proezas na cama e no campo de batalha."
Este livro é muito divertido, mas isso provavelmente não será novidade para vocês. O que talvez não saibam ainda é que para além de divertido é também muito imaginativo, inteligente e está muito bem escrito. Quase acreditamos que Flashman realmente viveu a vida que George MacDonald Fraser inventou para ele e que divertido teria sido se fosse mesmo verdade! Muito divertido digo-vos eu... Que sacana sortudo é Harry Flashman!
Harry Flashman é o rufia do livro de Thomas Hughes, Tom Brown no Colégio, e Flashman, A Odisseia de Um Cobarde é o relato da sua vida depois de ter sido expulso do tal colégio de Tom Brown, por embriaguez. Flashman apresenta-se a si mesmo como "alto, imponente, bem-parecido (...) um malandro, mentiroso, vigarista, ladrão e cobarde" e pelo que nos vai contando é tudo isso, sem tirar nem pôr. :)
Passado na Inglaterra, Índia e Afeganistão do século XIX, o livro relata-nos as peripécias de Flashman que, com dezanove anos, se torna militar por achar que vai ter uma vida descansada, rodeado de mulheres, em permanente festa no quartel da 11ª companhia, acabada de regressar da Índia. Engana-se, pois a sua personalidade exibicionista e a sua propensão para se meter em sarilhos e irritar as pessoas erradas levam-no a ser enviado para a Índia e mais tarde para o Afeganistão.
Este primeiro volume das memórias de Flashman concentram-se, na sua maioria, na passagem pelo Afeganistão, onde Flashman passa as passas do Algarve. Os afegãos não são um povo fácil de "domesticar", e o destacamento inglês em Cabul que recebeu Flashman, descobre isso da pior forma. No meio de tanto incompetência e cobardia por parte das chefias do exército, a verdade é que Flashman acaba por sobressair, não como cobarde, mas como um soldado valente e destemido. Quem diria? O facto de muita da sua reputação ter sido granjeada a partir de mentiras e mal-entendidos não importa para o caso. Afinal só ele conhece a verdade. :)
O maior mal-entendido de todos acaba por trazer Flashman de regresso a Londres como um herói nacional, com direito a medalha da Rainha e tudo. Só vos digo uma coisa, este livro põe-nos a reflectir sobre os mal-entendidos que transformaram os Flashmans da história mundial em heróis. Quanto da história como a conhecemos não é feita de percepções erradas, alterações propositadas de relatos e da idolatração da personagem que melhor se pôs a jeito ou que se limitou a estar no sítio certo à hora certa?
Embora o livro esteja escrito num tom divertido e leve, muito do que lá vem descrito não é tão leve assim. Afinal Flashman andava em guerra e na guerra existem muito poucas razões para rir. Contém relatos violentos de tortura, de perseguições e de actos de violência gratuita e irracional. Flashman é divertido, mas também é racista, machista, muitas vezes desumano e um ser desprezível que comete actos reprováveis sem qualquer tipo de arrependimento ou remorso. É por isso que gostamos menos dele? Nem por isso, alturas houve em que até senti alguma pena do desgraçado que parecia um autêntico íman para problemas. Mas também houve alturas em desejei que sofresse só mais um bocadinho, antes de ser salvo, mais uma vez por um inesperado golpe de sorte. Flashman é assim, encantador! :)
Gostei bastante do livro, não sabia bem o que iria encontrar e estava apreensiva por ser um livro rotulado como cómico e divertido. Não é fácil um livro fazer-me rir e, embora tenha dado algumas risadas, o livro não é feito de piadas fáceis, tem um sentido de humor com o qual me identifiquei e por estar todo ele muito bem escrito é realmente um livro que me deu muito prazer ler.
Quero ler o próximo, Royal Flash, já editado pela Saída de Emergência e fiquei até curiosa por ler o Tom Brown no Colégio, que tenho aqui em casa e que não me recordo de alguma vez ter lido.
Recomendadíssimo e preparem-se para passar um bom bocado na companhia desta criatura extraordinária que é Harry Flashman.
Excerto:
"Inclinaram-se quatro cabeças em resposta, e uma assentiu - era a Sra. Morrison, alta e de nariz aquilino, em quem se via toda a beleza murcha de um abutre. Fiz um inventário rápido das filhas: Agnes, peituda e morena, bonita - serviria. Mary peituda e feia - não. Grizel, magra e deslavada e ainda colegial - não. Elspeth não se parecia com nenhuma das outras. Era linda, loura, de olhos azuis e faces rosadas, e só ela sorria para mim com o sorriso aberto e simples de quem é verdadeiramente estúpida. Marquei-a logo, e dediquei toda a atenção à Sra. Morrison."
Nota: As notas do autor estão no fim do livro, antes do excerto do livro Blasfémia, do Douglas Preston (não sei se outras edições têm excertos de outros livros). Não as encontrei durante algumas páginas... Cheguei a pensar que o livro tinha defeito... :p
É de facto um excelente livro, um dos melhores que li o ano passado.
ResponderEliminarRoyal Flash é a continuação e também hilariante.
Não o li e não estava a pensar em arranjá-lo, mas agora fiquei curiosa. Talvez numa próxima feira do livro... :)
ResponderEliminarIceman: É uma leitura que vale a pena não só por ser divertida mas porque está muito bem escrito e, pessoalmente aprendi umas quantas coisas. :)
ResponderEliminarredonda: Se o vires a um preço convidativo não hesites. ;)
É de facto bastante divertido e muito bem escrito.
ResponderEliminarOpinião interessante. Tomei a liberdade de a postar no tópico do livro no fórum Bang!
Cat SaDiablo: : Obrigada! :)
ResponderEliminarBoas
ResponderEliminarQuer um, quer outro são dois excelentos relatos da debandada do Império Britanico...
Gostei bastante de ler ambos os livros e recomendo vivamente, pois para além de nos rirmos com eles, aprendemos e constatamos que os relatos são efectivemente "bastante veridicos"
Para manter a muito boa disposição, sugiro de corpo, alma e coração "O café debaixo do mar" eum outro que terminei à pouco tempo, que consumi em tempo record e que segue a linha da escrita desinibida, muito bem humorada e até de bastante nonsense que cada vez me dá mais satisfação em ler. Refiro me ao "Centenário que saiu pela janela e desapareceu".
Boas leituras
EBalona: Vou tomar nota desses que referes. Comprei há dias o segundo volume do Flash, pelo que, em breve devo ter por aqui a minha opinião sobre ele. :)
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