julho 26, 2010

Vale Abraão - Agustina Bessa-Luís

"Ema bate-se contra a rede de pequenas e formidáveis misérias que se apertam em volta dela. Heroína provinciana das insatisfações típicas do ser humano, Ema conserva, ao morrer, a independência de espírito que fez a Margarida Navarra escrever nas suas Prisões: «Porque de [Deus] me tivesse dado carta branca / Para atravessar esta prancha mortal, / Eu não teria ousado pedir tantos bens / Quanto ele me deu, que todos tenho dele; / E dos seus dons e bens eu fiz mau uso.»

Ema usou de carta branca para atravessar a vida. É um crime? Uma loucura? Um ritual da tristeza? É, acima de tudo, um sentimento atávico que as mulheres cultivam e que está longe de servir a concupiscência. É o sentido de pertencer a um mundo melhor e para ele avançar mesmo à custa dos mais cruéis mal-entendidos."

E à segunda vez que tento ler este livro consigo acabá-lo, não sem algum esforço e paciência. :) Fico sempre frustrada quando pego em autores, clássicos e acarinhados pelo público, como é o caso de Agustina Bessa-Luís e, não gosto do que leio. Deixa-me sempre uma sensação de não estar a perceber alguma coisa... Encontrei beleza nas palavras escritas e nalgumas ideias e descrições, que chegam a ser poéticas. Mas a sensação final foi de aborrecimento mortal. A história é chata, cheia de ideias confusas e repetitivas e a maneira como está escrita não me cativou nem um pouco. A parte inicial até se lê bem, mas a páginas tantas a história é difícil de seguir e o livro começa a ficar muito chato. Já só espero o momento em que Ema finalmente acabe com o seu (e meu) sofrimento e se suicide, porque achei que seria o fim mais provável para ela. Enganei-me, mas sinceramente nessa altura já não me interessava e já estava a a saltar parágrafos... :/

Esta é uma história de adultério, personalizado na Bovarinha portuguesa, Ema. A história passa-se nas margens do Douro vinhateiro, repleto de quintas bucólicas e em decadência, tal como a burguesia portuguesa. Atravessa a revolução dos cravos, com todas as mudanças sociais que daí resultaram, com a emancipação das mulheres e a crescente importância destas na sociedade portuguesa.
Ema é uma mulher insatisfeita, com desejos que ela própria tem dificuldade em definir. Dona de uma beleza estonteante, cedo começa a sentir por parte dos outros uma animosidade que, ao contrário de a surpreender, a faz sentir merecedora do desprezo. Os homens desprezam-na porque sentem na beleza dela algo de perigoso, têm medo do que não compreendem e desprezam-na. Ema procura ser amada, e vive num limbo entre querer um príncepe encantado que a tire da mediocridade, sustentando-a e tratando-a como um ser belo e digno de adoração e, o desejo que tem de ser independente e respeitada pelo que é e não pelo que esperam que ela seja. Quer um amor de conto de fadas mas, ao mesmo tempo tem um interesse pelos homens muito superficial. Casa-se com Carlos Paiva, um médico de província medíocre e sem verdadeiro talento. Carlos tem relativamente a Ema uma atitude de adoração e medo. Deseja-a e ama-a muito, mas não encontra nele habilidade para lidar com uma mulher como Ema. Passa então a fingir desprendimento e deixa-a a fazer tudo o que quer, com medo de a perder. Facilita-lhe os adultérios e finge não saber deles. Ema torna-se extravagante, com atitudes que provocam a maledicência do círculo restrito que forma a alta sociedade de Vale Abraão. Ainda antes de ter feito algo de moralmente reprovável já todos a tinham como adúltera e moralmente duvidosa.
No fundo esta uma história de uma mulher comum, que pensa poder ser especial e que luta contra a vulgaridade da vida e contra as rotinas impostas pela sociedade. No entanto ela própria, é incapaz de sair da mediocridade que também lhe é confortável. É uma mulher presa entre dois mundos e que vive saltando entres os dois, num frenesim que a esgota e oprime.

Dito desta forma, até parece interessante, e no início, como disse, até é. Depois torna-se nebuloso e cansativo. Em todas a páginas existem reflexões sobre o sexo, o prazer e o amor, feitas de uma forma confusa e repetitiva. A linha temporal do livro é muito difícil de seguir. A morte das personagens é anunciada, mas algumas páginas à frente lá estão elas em amena cavaqueira. É frustrante não conseguir discernir no meio de tanto andar para a frente e para trás, que coisas já aconteceram na vida de Ema que a levam a ter determinada atitude naquele momento. Já tinha conhecido o homem X? As filhas já tinham nascido? Que idade tinham? Que idade tem Ema? Neste livro, salvo raras excepções, como breves referências aos cabelos brancos e às rugas, Ema não tem idade. É impossível saber quanto tempo passou desde que a conhecemos, ainda criança até ao dia em que morre.

A acreditar no que vem na parte detrás do livro, que este terá sido escrito para servir de guião ao filme homónimo de Manuel de Oliveira, aceito este livro como algo mais afastado do universo da autora. Quero acreditar que os outros livros dela é que contam para a aclamação de que é alvo. Por isto, e porque encontrei algum encanto na escrita da Agustina Bessa-Luís, a minha vontade de ler a Sibila continua intacta. ;)

Deste Vale Abraão não gostei. Eu tentei, mas não gostei e, por isso não recomendo. :)

15 comentários:

  1. haja alguém que me compreende! concordo. não há paciência para ler os livros desta escritora. Um dia ainda hei-de tentar novamente. Mas antes ainda tenho muita coisa para ler.
    boas leituras

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    1. Caros leitores, gostos não se discutem, mas venho apelar para que haja uma releitura desta autora. Agustina é etérea, de uma inteligência e cultura inacessíveis a 90% dos portugueses. Agustina representa independência artística, e trabalho árduo. Acho injusto o que aqui se diz da autora, o seu nome em França é endeusado, em Portugal começa a ser esquecido. É de uma total falta de gratidão. A Agustina é já um clássico da nossa literatura, por isso difícil de ler. Não se esqueçam que se formou num tempo em que havia censura, logo, tem outra linguagem. Peço que aprendam a ler Agustina de coração aberto, sem preconceito, esquecendo tudo o que ouvem. Leiam com prazer, desinteresse, tempo, abertura. E estou certa de que irão compreender o valor da sua escrita.
      Um abraço.

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    2. Realmente gostos nao se discutem... eu sinto o mesmo do que a Patrícia. O primeiro que li da Agustina foi a Sibila. Foi um sacrificio. Primeiro porque era uma obra que tinha de estudar para a disciplina de português e depois porque quando começo a ler um livro tenho de acabar. Pensei que seria por ser muito nova para o tipo de livro. Recentemente, quase 20 anos depois, comecei a ler Vale Abraão mas não consigo... acho um tedio. Mas realmente gostos não se discutem , é como a musica... e não temos de gostar todos do mesmo, é por isso que existem muitos géneros de literatura.

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  2. Estava mesmo curiosa por ler esta tua opinião! Da autora apenas li a "Síbila" porque fazia parte das obras obrigatórias no secundário e lembro-me que até não desgostei, mas também não foi uma autora que me entusiasmasse muito.
    Tenho aqui em casa um outro por ler, mas vou deixando sempre para último da lista, pois já tentei lê-lo por duas vezes e acabo sempre por colocá-lo de lado ao fim do segundo capítulo...

    Depois de uma história aborrecida, não podias ter escolhido melhor para compensar! :) Tenho a certeza que vais adorar "O Evangelho do Enforcado"! :) Ainda espero escrever uma opinião sobre esse livro lá no tons. Mas por agora vou esperar pela tua. ;)

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  3. Estou a ver que a Agustina vai ficar para uma próxima encarnação! :)
    Vamos lá ver como é O Evangelho do Enforcado. Estou muito curiosa e a única coisa que sei é que é bom. Não tenho lido críticas ao livro, vou praticamente em branco para ele, o que normalmente é bom. :)

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  4. Não digas isso! :) Penso que não deves deixar de ler "A Sibila", se tens essa vontade! Até porque, apesar de não ser uma das obras que mais tenha gostado de estudar no secundário, "A Sibila" tem muito de belo na história.
    Os personagens são muito completos e complexos, dando a autora um relevo especial às personagens femininas e ao seu universo. Estas têm personalidades fortes e carregam em si o sibilismo, principalmente a Quina.
    Fala muito do amor à terra, das complexidades humanas, do contraste entre a vida burguesa e a ruralidade.

    Eu também parti para o livro de David Soares um pouco às escuras, pois li na transversal as opiniões. Não queria saber muito da história. ;)

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  5. Se são todos assim, não sei. Sei que o "A Sibila" me desesperou. Geralmente digo que ela deve "rever" os livros 3 vezes para procurar sinónimos "complicados". Não tenho paciência para os livros dela.

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  6. tonsdeazul: Nem eu sei porque meti na cabeça que gostaria de ler a Sibila. Se calhar faço batotice e dou uma espreitadela numa versão digital e, aqui que ninguém nos ouve, sem custos para o utilizador. :)

    Patrícia: ahah já vi que a senhora te provoca alguma aversão. ;) A verdade é que a tua descrição parece ser correcta, infelizmente. :/ E eu a pensar que a "culpa" poderia ser do Manuel de Oliveira... :)

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  7. N Martins, não quero ser mauzinho mas apetece-me dizer que ainda bem que ficaste com essa opinião. Podia aqui dizer que já desisti de ler Agustina mas não digo (guardo só para mim e tu certamente não vais dizer a ninguém). Podia aqui escrever que, para mim, a escrita de Agustina é muito chata, mas não digo porque é de mau tom.
    Agora falando a sério, a escrita de Agustina é mesmo chata! Que me perdoem porque lhe reconheço o mérito que os entendidos lhe atribuem mas... a minha "Sibila" vai continuar sossegadinha na estante de cima, juntinho do "Vale Abraão" que lhe faz boa companhia :)

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  8. Manuel: Bem, parece-me que está decidido que a Sibila vai ficar, no meu caso, nas estantes das livrarias. :)
    Já não me sinto tão sozinha por ter achado a escrita dela tão chata. Uf... afinal sou normal! :p
    Acho estranho terem-na como leitura obrigatória do secundário. Enfim... políticas!

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  9. Bom nunca li nada de Agustina, mas a minha mana gostou muito de "Silaba" até me ofereceu o livro.
    Mas tenho o pé atrás e depois de ler estas opiniões ups....
    Boa leitura!

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  10. Leitora: Bem, eu achei este livro muito secante, estranho, difícil de ler, não por ser complexo, mas porque achei a história mal concebida. No entanto há pormenores da escrita que achei bonitos. Não sei como será o Síbila, mas se o tens em casa podes sempre tentar ler, até pode ser que gostes. :)

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  11. Embora tendo chegado a este blog de modo aleatório, espero que não cause impressão deixar aqui, também, o meu comentário. Agustina Bessa-Luís é dos autores que mais gosto de ler, mas tenho de concordar que o Vale Abraão é, na segunda metade do livro, muito secante, aliás, a crítica aqui feita é muito certeira. Por outro lado, a Sibila é um livro de génio, na forma como são construídas as personagens e no modo como as relações humanas são perscrutadas, mas talvez a melhor porta de entrada à obra da Agustina seja, por exemplo, o livro mais recente, A Ronda da Noite. Outros livros como Fanny Owen, o livro de contos A Brusca e o Dicionário Imperfeito, que é uma colecção de textos avulsos da escritora, talvez dêem uma melhor ideia sobre a obra dela que, realmente, fica defraudada com o Vale Abraão.
    Parabéns pelo blog!
    José Ramos

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  12. José Ramos: Vou anotar as sugestões que faz porque sinto que eu e a Agustina Bessa-Luís ainda nos havemos de "encontrar" novamente. Ficaram-me boas impressões da sua escrita, embora o livro só de pensar nele me provoque enfado.

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