janeiro 17, 2011

O Amor Nos Anos de Chumbo - E. S. Tagino

"Estamos no finais de 1837, em plena Guerra Civil entre liberais e miguelistas. O brigadeiro José Joaquim de Sousa Reis, mais conhecido por Remexido, Comandante do Exército do Sul por nomeação do proscrito D. Miguel, atravessou todo o Alentejo e veio atacar Grândola. Este ataque - que marca o início da nova estratégia da guerrilha miguelista que se irá estender a toda a planície alentejana - é o ponto de partida de O Amor nos Anos de Chumbo.
Através de uma tórrida e triangular história de paixões, E, S, Tagino transporta-nos a um tempo em que, sobre as cinzas do antigo regime e enquanto o romantismo florescia no coração dos poetas, os frades egressos, com a extinção das ordens religiosas e a confiscação dos conventos, vagueavam pelos campos; os barões, disfarçados de liberais, abocanhavam o cadáver do país, e o vírus do caciquismo se instalava no corpo apodrecido da Nação.

Com o Estado na bancarrota, sob a pressão inglesa que ameaçava tomar-nos a Índia, com as diversas facções do
Setembrismo a digladiarem-se publicamente e uma revolta camponesa generalizada, O Amor nos Anos de Chumbo retrata uma realidade decadente onde, apesar de tudo, o amor sem barreiras, alguma consciência social e o lento despertar do Povo são sinais, ténues mas esperançosos, de uma possível regeneração."

Com o fim oficial da Guerra Civil entre liberais e miguelistas, em 1834, nem todos os miguelistas depuseram as armas. Uns foram para Espanha onde, com o apoio dos Carlistas continuaram a lutar pela causa de D. Miguel, outros criaram movimentos de guerrilha que lutavam, em território nacional, no Alentejo e nas serras algarvias. É neste contexto histórico que se desenrola o livro O Amor nos Anos de Chumbo de E. S. Tagino.
Rafael Leocádio, um dos membros da guerrilha do brigadeiro Remexido é recrutado para ser uma espécie de espião/elo de ligação entre os apoiantes de Lisboa e o valoroso Exército do Sul. De origem algarvia, é um jovem descendente de corajosos seguidores da causa miguelista, que viu parte da sua família morrer às mãos dos liberais. Juntar-se à guerrilha foi por isso algo natural. Rafael é um rapaz corajoso, inteligente e com bom coração que luta, por convicção ao lado dos companheiros da guerrilha, reconhecidos e apoiados pelo exilado D. Miguel.
É em Grândola que vai levar a cabo a sua vida dupla onde, para os grandolenses é apenas um comerciante e uma novidade que acabam por estimar. É lá também que conhece as duas mulheres da sua vida, Quinita e Isabel. Joaquina Luísa, ou Quinita, é a filha de uma das famílias abastadas da vila, os Vasconcellos, apoiantes de Rafael na sua missão, sendo os únicos que conhecem a sua verdadeira identidade. Isabel é a mulher do Tenente Oliveira, liberal destacado (ou desterrado) em Grândola. Isabel, depois de o marido ser transferido para o Algarve, nunca mais o vê e fica sozinha. É assim que Rafael a encontra, bela, desejável e sozinha, quando regressa a Grândola e se apaixona perdidamente por ela. Por Quinita, Rafael sente um amor parecido ao das histórias românticas, é um amor platónico, está apaixonado pelos seus belos olhos castanhos, que viu em sonhos ainda antes de a conhecer. É um sentimento pueril, quase infantil que o faz estremecer, mas que não o arrebata como o sentimento que nutre por Isabel, com quem mantém uma relação verdadeira, real, completa e secreta, como convém a uma mulher casada.
Através das viagens de Rafael pelo sul do país, Alentejo e Algarve, E. S. Tagino vai-nos dando a conhecer um período negro da história de Portugal, como só podem ser as guerras civis. Vamos seguindo o jogo de interesses dos que mudam de posição para que o poder nunca lhes seja retirado, dos que oprimem e emburrecem continuamente o povo no jogo das cadeiras e onde a mudança resultante é quase sempre insignificante para os que mais lutaram por ela. Enfim, coisas que podem ser perfeitamente adaptadas aos dias de hoje, com as devidas diferenças, porque infelizmente, ou o país não mudou muito ou a história tem uma tendência mórbida para se repetir, connosco a viver permanentemente num carrossel que não pára de girar e do qual temos dificuldade em sair.
Rafael vai assistindo a isso tudo e vai-se apercebendo também de que não existem maus nem bons na guerra que trava à anos e que esta só interessa a quem pode ganhar algo com ela, quer seja dinheiro, quer seja apenas prestígio ou um lugar na história.

Este é o segundo livro que leio de E. S. Tagino (a minha opinião do Mataram o Chefe do Posto aqui) e achei-o... mais ou menos. Não me entusiasmou por aí além, não é livro que me vá ficar na memória e em termos de entretenimento... bem, cumpriu mais ou menos. Na verdade achei a escrita pouco inspirada, os diálogos sofríveis e forçados, as personagens pouco desenvolvidas e, embora acredite que historicamente o livro seja irrepreensível, o mesmo não posso dizer da parte romanceada do livro. A "tórrida e triangular história de paixões" referida no sinopse foi por vezes tórrida, é verdade, mas a escrita de E. S. Tagino, neste livro não soube tornar esta história de amor, que escusava de ser triangular de tal forma um dos vértices foi desprezado pelo autor, numa história mais envolvente, onde criássemos alguma empatia com os protagonistas. Não foi o caso.
Valorizo a lição de história e todos os pormenores descritos no livro. Nesse aspecto acho que é um documento interessante mas, para o meu gosto pessoal, foram demasiados os pormenores históricos e pareceram-me sempre uma amálgama confusa de informação, onde encontrar um fio condutor foi difícil. Uma imensidão de nomes que não conheço e que poderiam ter sido mais bem explorados, para que verdadeiramente me importasse com o seu destino, ou sentisse algum reconhecimento pelo papel que tiveram na história do país. Mas isso, mais uma vez, não aconteceu e o facto de não ter vontade de pesquisar mais sobre eles, diz mais do que qualquer outra coisa que possa acrescentar sobre a incapacidade que senti, por parte do autor em criar uma história que fosse fluída e onde a parte ficcional casasse na perfeição com os factos históricos. Depois de ter lido este livro, não me sinto mais capacitada para falar sobre a guerra civil nem sobre os anos sangrentos que se seguiram e, comigo, o livro acabou por não conseguir cumprir com os objectivos.

Tenho a certeza de que lerei mais livros deste autor, até porque gostei do Mataram o Chefe do Posto e, não será uma obra menos inspirada que me fará desistir de E. S. Tagino, mas a este, não o posso recomendar.

Boas leituras!

Excerto:
"Pela primeira vez, tinha-se confrontado com o outro lado da questão. Até aí, o seu ponto de vista e o dos seus camaradas comungavam das mesmas coordenadas: de um lado estavam os malhados; do outro lado estavam os nossos. (...) Finalmente, dera-se conta de que 34 era a repetição de 28 e que, de ambos os lados, havia as mesmas culpas, as mesmas queixas e as mesmas recriminações. (...) E o desenho argênteo da Lua, assim abundantemente revelado, recordou-lhe as noites inesquecíveis da infância em que, ao lado do Avô, deitado de costas na açoteia da casa grande do morgado de Apra, ia descobrindo o mapa luminoso que se abria, escancarado à sua frente:
- Avô, porque é que vemos sempre a mesma face da Lua?
- Ora, Rafael, isso só pode ser porque a Lua tem vergonha da outra face.
"

2 comentários:

  1. Penso que ainda não li nada deste autor. Se entretanto se proporcionar já fiquei a saber que será melhor optar pelo "Mataram o Chefe do Posto" :)

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  2. redonda: Sim, é melhor optares por esse. :)

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