Andava a adiar a leitura deste livro porque precisava de baixar as expectativas. Afinal de contas as opiniões que circulam consideram-no uma obra-prima. :) Agora que o li, acho que o li na altura certa, com calma e sem as expectativas demasiado elevadas. Gostei bastante, não o considero uma obra-prima, mas é uma leitura que se faz de forma fluída, com uma história muito bem delineada e bem contada e onde aprendi umas quantas coisas. Gostei! :)
O Físico relata a história de Rob Cole, desde o momento em que fica orfão, com 9 anos , na Londres medieval do séc. XI. Rob e os seus irmãos mais novos são distribuídos, como mercadorias, por diversas pessoas. Rob parte com Henry Croft, um barbeiro-cirurgião que o contratou como aprendiz. O Barbeiro, homem rude mas honesto, afeiçoa-se a Rob e, como a um filho, ensina-lhe tudo o que sabe sobre a arte de fazer espectáculos de aldeia em aldeia com o objectivo de vender o
Específico Universal, a solução para todos os males possíveis e imagináveis do corpo humano. Mas acima de tudo, o que o Barbeiro transmite a Rob é o amor pela medicina, o prazer de ajudar quem necessita e a responsabilidade que esse dom acarreta. Rob fica fascinado e ao mesmo tempo frustrado pela limitação dos seus conhecimentos, por haver tanta gente por quem ele não pode fazer nada. Quando o Barbeiro morre, Rob decide partir para a Pérsia onde há uma escola de físicos, o Maristan, dirigida pelo lendário e conceituado físico,
Ibn Sina. Convencido de que para conseguir ser aceite no maristan tem de ser judeu (todos os bons físicos que encontrou em Inglaterra eram judeus) Rob assume a identidade de Jesse ben Benjamin, um judeu inglês, e parte numa viagem que lhe vai mudar a vida. Atravessa meio mundo, passando por dificuldades mas também conhecendo pessoas honestas e solidárias. Apaixona-se, toma decisões difíceis e chega a
Ispahan sedento de começar a sua aprendizagem. Lá impressiona todos, com a sua persistência, inteligência e competência. Impressiona o próprio Xá Ala, o Rei dos Reis, um homem violento e caprichoso e, o não menos importante Rei dos Físicos, Ibn Sina, homem dedicado ao conhecimento mas muito condicionado pelas regras e superstições impostas pela religião. Rob, ajuda uma povoação vizinha na luta contra a peste, faz amigos para a vida, torna-se físico, casa-se, perde amigos e sai de Ispahan, com destino a Londres, pela calada da noite, com a mulher e os filhos antes da cidade ser invadida por um exército inimigo. O homem que regressa a casa já não é mesmo que partiu da cidade com 9 anos, receoso do futuro. Aprendeu e cresceu, mas a coragem e determinação que sempre o caracterizou não se perderam. :)
Como disse, gostei bastante deste livro. Gostei muito do Rob, da sua honestidade e, de certa forma, da sua ingenuidade. Gostei, principalmente que
Noah Gordon tenha criado Rob com uma personalidade curiosa e inquisitiva, o que me permitiu, como leitora, reflectir e aprender com ele. Torci sempre para que as coisas lhe corressem bem, que encontrasse os irmãos, de quem perdeu o rasto quando os pais morreram, e que a sua falsa identidade não fosse descoberta, pois Rob poderia ser condenado à morte. Torci para que todos os seus desejos fossem realizados porque, era verdadeiramente uma boa pessoa, um espírito livre, sem preconceitos, cujo único interesse era o desenvolvimento da ciência em prol do bem comum. Foram homens como Rob Cole que levaram o conhecimento da humanidade àquilo que hoje temos.
Um dos temas fortes do livro é a religião, pois Rob sendo cristão, fingiu ser judeu para poder tornar-se
Hakim (físico). Nos judeus encontrou o rigor dos rituais e o cumprimento escrupuloso das proibições mas, ao mesmo tempo, encontrou um povo afectuoso e solidário, com um forte espírito de inter-ajuda entre eles. Na Pérsia, Rob conviveu com muçulmanos e os seus radicalismos, a sua violência latente e as suas contradições relativamente à maneira como vivem os ensinamentos do profeta. Eram no entanto um povo caloroso e alegre. A parte cristã de Rob, não é muito aprofundada por Noah Gordon, este apenas se refere aos cristãos como intolerantes, principalmente na forma como tratam os judeus. Não sei se Noah Gordon é judeu ou sequer se é religioso, mas tem uma predilecção pela judaísmo, isso é notório.
No entanto, Rob é indiferente às religiões, usa-as para adquirir conhecimentos. O que realmente move Rob não é Deus, mas a sede de conhecer, a curiosidade e a vontade de romper barreiras, características que têm sido transversais a todos os avanços científicos e tecnológicos que a humanidade já experimentou. A ciência e a religião não podem nem devem andar juntas, é isso que Rob percebe quando ignora a proibição, de todas as religiões, de dissecar cadáveres humanos. É transgredindo que Rob se apercebe que o porco não é igual ao Homem e descobre coisas importantes acerca do funcionamento do corpo humano. Mesmo correndo o risco de ser condenado à morte, Rob assume o risco porque lhe parece que a medicina e, consequentemente a humanidade só têm a ganhar com isso. Rob é uma personagem inspiradora. :)
Aliás todas as personagens neste livro estão muito bem conseguidas. É um dos seus pontos fortes. Outro ponto forte é a própria história que nos dá a conhecer um pouco da história da medicina. É fascinante ler sobre os procedimentos arcaicos e sobre as teorias baseadas mais na crença e na religião do que na ciência (afinal estava-se no séc. XI). Não deixa de ser surpreendente que com tantas limitações já tanto se conseguisse fazer. Gostei muito desta vertente do livro. :)
Por ser um livro que atravessa diversos países permite-nos conhecer muitas culturas e costumes, o que só torna o livro ainda mais rico. Noah Gordon descreve-nos um mundo de uma diversidade estonteante.
Pontos menos favoráveis: a minha dificuldade em acreditar que a história se passava no séc. XI. O comportamento das personagens e os próprios acontecimentos eram descritos de uma forma que não me transportava para a época em questão. Provavelmente é defeito meu e não do escritor, mas a verdade é que me fez ler de uma forma menos envolvente por achar algumas passagens, atitudes ou diálogos pouco credíveis. Para além disso achei o desenrolar dos acontecimentos previsível e a narração por vezes era um pouco desapaixonada, um mero relato de acontecimentos (talvez porque Noah Gordon é um jornalista de formação).
Continuo a achar que a escrita de Noah Gordon não é especialmente inspirada mas com uma boa história, que é o caso, isso deixa de ser muito relevante. De salientar ainda o salto qualitativo gigantesco que aconteceu entre o
O Rabi, primeiro romance do autor e já comentado
aqui, e este o
O Físico.
Gostei do livro, vou querer ler os restantes livros da trilogia,
Xamã e a
A Doutora Cole e recomendo-o sem reservas! :)
Boas leituras! :)
Uma nota positiva para as escolhas de autores e obras que a revista Sábado tem vindo a disponibilizar e, para as excelentes edições que têm constituído a Biblioteca Sábado.