Ano da edição original: 1995
Autor: Haruki Murakami
Tradução: Maria João Lourenço
Editora: Casa das Letras
"Toru Okada, um jovem japonês que vive na mais completa normalidade, vê a sua vida transformada após um telefonema anónimo de uma mulher. Começam a aparecer personagens cada vez mais estranhas em seu redor e o real vai degradando-se até se transformar em algo fantasmagórico. A percepção do mundo torna-se mágica, os sonhos invadem a realidade, e pouco a pouco, Toru sente-se impelido a resolver os conflitos que carregou durante toda a sua vida.
Este livro conta com uma galeria de personagens tão surpreendentes como profundamente autênticas e, quase por magia, o mundo quotidiano do Japão moderno aparece-nos como algo estranhamente familiar.
Crónica do Pássaro de Corda, ao qual foi atribuído o Prémio Yomiuri, é considerado, por muitos, a obra-prima de Murakami."
O que dizer sobre este livro do Haruki Murakami? Só penso em palavras como extraordinário, fabuloso, intenso, grandioso, fascinante, surreal e outros adjectivos que tais. Mas conseguir verbalizar, expressar por palavras o porquê desses adjectivos afigura-se-me extremamente complicado de fazer, senão mesmo impossível. Ler Haruki Murakami é uma experiência tão pessoal e tão única que só quem já passou por ela a consegue compreender. É estranho, mas é isso que sinto. Não só relativamente a este livro como relativamente a todos os outros que já li dele.
A história, muito superficialmente, porque é impossível colocar tudo aqui, narra a viagem alucinante que Toru Okada faz para recuperar a sua mulher e a sua vida. Quando digo viagem digo-o no sentido figurado, uma vez que, o Sr. Pássaro de Corda, fisicamente não se afasta muito da sua casa. É uma viagem que o vai mudar, porque nela vai conhecer um mundo que desconhecia, pessoas bizarras com poderes estranhos e difíceis de entender, um mundo cheio de perigos nunca antes imaginados. O que não se altera na vida de Toru Okada é o que sente por Kumiko, e o desejo de a trazer de volta para casa é a única coisa que o move e mantém ligado ao mundo real.
Até que ponto conhecemos as pessoas que amamos? Esta é uma das perguntas que o livro levanta. Até que ponto esse conhecimento é importante e pode, ou não, alterar os nossos sentimentos é outra questão, cuja resposta cabe a cada um de nós responder.
A personagem de Toru Okada é fascinante, não por ser especialmente inteligente ou por ser um herói, mas sim por ser tão normal ou anormal, dependendo do ponto de vista, uma vez que enfrenta tudo com uma ligeireza impressionante. Por mais coisas e pessoas estranhas que apareçam na sua vida ele parece aceitar tudo sem grande surpresa. Na verdade deixa-se levar pela corrente. Quem sabe onde esta o levará? Antes de a sua vida começar a mudar, Toru Okada era apenas um jovem desempregado, que não tinha ainda descoberto o que queria fazer com a sua vida. Casado com Kumiko, viviam os dois um para o outro, até ao dia em que o gato desapareceu, uma estranha mulher começa a ligar para Toru Okada e Kumiko desaparece sem deixar rasto.
Nas duas primeiras partes do livro, que está dividido em três, sentimos uma imensa solidão na vida de Toru Okada, uma solidão quase palpável, um isolamento aflitivo, um afastamento do mundo e das pessoas que faz confusão e que me deixou com o coração apertado. O telefone é uma presença constante, quase uma entidade com vida, o único elo de ligação de Toru com o mundo. Toca muitas vezes, são muitas as vezes em que Toru não o atende, mas é com o seu silêncio que Toru Okada mais sofre.
Na terceira parte acentua-se o clima de tensão, de terror, com momentos onde sustive a respiração e onde o meu coração acelerou. Toru embrenha-se cada vez mais, e de uma forma mais consciente, num mundo estranho e perigoso, as coisas à sua volta tornam-se cada vez mais irreais onde não se consegue vislumbrar nada de bom no futuro de todos os envolvidos. É muitas vezes um livro angustiante e sufocante. É, no entanto, nesta parte que Toru Okada deixa de ser levado pela corrente e começa a tomar as rédeas do seu destino. É nesta parte que o Sr. Pássaro de Corda começa a encontrar-se e a aproximar-se daquilo que procura.
Por este livro passeiam-se personagens verdadeiramente fascinantes e únicas, com histórias no mínimo originais. Referi-las todas aqui seria um esforço inglório porque não seria possível apenas mencioná-las e, esta opinião correria o risco de ser a maior da história da blogosfera. :) Portanto, fico-me por aqui. :)
Foi muito bom voltar a entrar no mundo de Murakami, que já não lia há mais de um ano. Um mundo para o qual somos sugados e, no caso deste livro, um mundo que corremos o risco de não conseguir abandonar, tal é a velocidade vertiginosa a que viajamos entre o real e o irreal. Perdemos, com as personagens, a noção se o irreal não será real e o que temos como real não passe de um mundo inventado, sonhado. Andamos permanentemente na fronteira ténue entre o que nos mantém mentalmente sãos e o que nos pode alienar da realidade que nos rodeia. Os dois mundos tocam-se, sobrepõem-se e confundem-se. É até um pouco assustadora a forma como a escrita de Murakami nos pode provocar esta alienação, a forma como nos consegue tocar e, acredito que a todos toque de maneira diferente. Poder-se-ia pensar que o faz por ter o dom das previsões astrológicas, de ser genérico, de o que escreve poder ser sentido por todos, porque todos, de uma forma ou de outra, nos identificamos com o que é narrado. É verdade que todos nos podemos identificar com uma ou outra parte da história, mas a escrita e as histórias de Murakami nada têm de genérico e de banal. A escrita é natural, fluída, próxima, sem grandes subterfúgios linguísticos e tem uma oralidade tal que me faz sentir que tenho as personagens junto a mim, quase que as oiço. Parece que Murakami utiliza uma linguagem que nos remete para um lugar em que a palavra não é necessária, onde a linguagem é a dos sentimentos, das sensações. A força da escrita de Murakami é algo que não consigo explicar por palavras, mas que se sente quando se lêem os livros é uma realidade. E acho difícil que alguém não a sinta... acho mesmo estranho que ler Murakami não seja, para toda gente, uma experiência do outro mundo. :) Para mim tem sido, com diferentes intensidades, sempre uma experiência indescritível, por vezes é até assustadora a forma como temos dificuldade em sair da história quando o livro chega ao fim. Neste livro a imaginação não tem limites e só não assino por baixo na afirmação de que é a obra-prima de Murakami, porque não quero admitir ou aceitar que qualquer coisa que leia dele daqui para a frente não será tão boa. ;)
É um livro extraordinário que mais que aconselhar, considero de leitura obrigatória!
Excerto:
"Vindo do arvoredo ali próximo chegava até nós o canto constante, estridente, de um pássaro que parecia estar a dar corda a algum mecanismo. Chamávamos-lhe o pássaro de corda. Foi Kumiko que se lembrou de lhe chamar assim. Não sabíamos ao certo o seu verdadeiro nome nem tão-pouco que aspecto tinha. Mas isso tanto fazia ao pássaro de corda. Todos os dias vinha até ao arvoredo perto de casa e punha-se a dar corda ao nosso pequeno e pacato mundo."
A história, muito superficialmente, porque é impossível colocar tudo aqui, narra a viagem alucinante que Toru Okada faz para recuperar a sua mulher e a sua vida. Quando digo viagem digo-o no sentido figurado, uma vez que, o Sr. Pássaro de Corda, fisicamente não se afasta muito da sua casa. É uma viagem que o vai mudar, porque nela vai conhecer um mundo que desconhecia, pessoas bizarras com poderes estranhos e difíceis de entender, um mundo cheio de perigos nunca antes imaginados. O que não se altera na vida de Toru Okada é o que sente por Kumiko, e o desejo de a trazer de volta para casa é a única coisa que o move e mantém ligado ao mundo real.
Até que ponto conhecemos as pessoas que amamos? Esta é uma das perguntas que o livro levanta. Até que ponto esse conhecimento é importante e pode, ou não, alterar os nossos sentimentos é outra questão, cuja resposta cabe a cada um de nós responder.
A personagem de Toru Okada é fascinante, não por ser especialmente inteligente ou por ser um herói, mas sim por ser tão normal ou anormal, dependendo do ponto de vista, uma vez que enfrenta tudo com uma ligeireza impressionante. Por mais coisas e pessoas estranhas que apareçam na sua vida ele parece aceitar tudo sem grande surpresa. Na verdade deixa-se levar pela corrente. Quem sabe onde esta o levará? Antes de a sua vida começar a mudar, Toru Okada era apenas um jovem desempregado, que não tinha ainda descoberto o que queria fazer com a sua vida. Casado com Kumiko, viviam os dois um para o outro, até ao dia em que o gato desapareceu, uma estranha mulher começa a ligar para Toru Okada e Kumiko desaparece sem deixar rasto.
Nas duas primeiras partes do livro, que está dividido em três, sentimos uma imensa solidão na vida de Toru Okada, uma solidão quase palpável, um isolamento aflitivo, um afastamento do mundo e das pessoas que faz confusão e que me deixou com o coração apertado. O telefone é uma presença constante, quase uma entidade com vida, o único elo de ligação de Toru com o mundo. Toca muitas vezes, são muitas as vezes em que Toru não o atende, mas é com o seu silêncio que Toru Okada mais sofre.
Na terceira parte acentua-se o clima de tensão, de terror, com momentos onde sustive a respiração e onde o meu coração acelerou. Toru embrenha-se cada vez mais, e de uma forma mais consciente, num mundo estranho e perigoso, as coisas à sua volta tornam-se cada vez mais irreais onde não se consegue vislumbrar nada de bom no futuro de todos os envolvidos. É muitas vezes um livro angustiante e sufocante. É, no entanto, nesta parte que Toru Okada deixa de ser levado pela corrente e começa a tomar as rédeas do seu destino. É nesta parte que o Sr. Pássaro de Corda começa a encontrar-se e a aproximar-se daquilo que procura.
Por este livro passeiam-se personagens verdadeiramente fascinantes e únicas, com histórias no mínimo originais. Referi-las todas aqui seria um esforço inglório porque não seria possível apenas mencioná-las e, esta opinião correria o risco de ser a maior da história da blogosfera. :) Portanto, fico-me por aqui. :)
Foi muito bom voltar a entrar no mundo de Murakami, que já não lia há mais de um ano. Um mundo para o qual somos sugados e, no caso deste livro, um mundo que corremos o risco de não conseguir abandonar, tal é a velocidade vertiginosa a que viajamos entre o real e o irreal. Perdemos, com as personagens, a noção se o irreal não será real e o que temos como real não passe de um mundo inventado, sonhado. Andamos permanentemente na fronteira ténue entre o que nos mantém mentalmente sãos e o que nos pode alienar da realidade que nos rodeia. Os dois mundos tocam-se, sobrepõem-se e confundem-se. É até um pouco assustadora a forma como a escrita de Murakami nos pode provocar esta alienação, a forma como nos consegue tocar e, acredito que a todos toque de maneira diferente. Poder-se-ia pensar que o faz por ter o dom das previsões astrológicas, de ser genérico, de o que escreve poder ser sentido por todos, porque todos, de uma forma ou de outra, nos identificamos com o que é narrado. É verdade que todos nos podemos identificar com uma ou outra parte da história, mas a escrita e as histórias de Murakami nada têm de genérico e de banal. A escrita é natural, fluída, próxima, sem grandes subterfúgios linguísticos e tem uma oralidade tal que me faz sentir que tenho as personagens junto a mim, quase que as oiço. Parece que Murakami utiliza uma linguagem que nos remete para um lugar em que a palavra não é necessária, onde a linguagem é a dos sentimentos, das sensações. A força da escrita de Murakami é algo que não consigo explicar por palavras, mas que se sente quando se lêem os livros é uma realidade. E acho difícil que alguém não a sinta... acho mesmo estranho que ler Murakami não seja, para toda gente, uma experiência do outro mundo. :) Para mim tem sido, com diferentes intensidades, sempre uma experiência indescritível, por vezes é até assustadora a forma como temos dificuldade em sair da história quando o livro chega ao fim. Neste livro a imaginação não tem limites e só não assino por baixo na afirmação de que é a obra-prima de Murakami, porque não quero admitir ou aceitar que qualquer coisa que leia dele daqui para a frente não será tão boa. ;)
É um livro extraordinário que mais que aconselhar, considero de leitura obrigatória!
Excerto:
"Vindo do arvoredo ali próximo chegava até nós o canto constante, estridente, de um pássaro que parecia estar a dar corda a algum mecanismo. Chamávamos-lhe o pássaro de corda. Foi Kumiko que se lembrou de lhe chamar assim. Não sabíamos ao certo o seu verdadeiro nome nem tão-pouco que aspecto tinha. Mas isso tanto fazia ao pássaro de corda. Todos os dias vinha até ao arvoredo perto de casa e punha-se a dar corda ao nosso pequeno e pacato mundo."